‘Wonka’, sem sarcasmo de Tim Burton, é só um doce para as crianças

FOLHAPRESS – De “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, de 1971, à versão de 2005 e agora até este “prequel” sobre a vida de Willy Wonka antes de se tornar Willy Wonka, parece que o mundo mudou. Aliás, mudou mesmo.

No filme de Tim Burton, o chocolateiro não era exatamente um admirador do ser humano. Até pelo contrário, as crianças atraídas à sua fábrica, loucas para se atolarem no chocolate, já trazem os defeitos dos adultos, da estupidez à ganância e à gula.

Um amargurado Willy Wonka está lá para puni-las naquilo que uma criança mais deseja (chocolates), e o fará sem piedade. Não é que seja um justiceiro agindo à margem da lei: Tim Burton trata de pôr em relevo, ali, figuradamente, as fragilidades do humano.

É bem outro o compasso em “Wonka”, em que um jovem Willy (Timothée Chalamet) chega a uma cidade onde se fabricam os melhores chocolates, disposto a impor as receitas fabulosas que herdou de sua mãe.

Jovem e inocente, Willy pensa que vai abafar graças a seu chocolate superior. Mas ali encontra, para começar, a concorrência de um cartel do chocolate disposto a aniquilar o recém-chegado.

Desde aí vemos que são filmes bem diferentes. “A Fantástica Fábrica” até podia ser visto por crianças, mas não era um filme infantil. “Wonka” é, ao contrário, totalmente dirigido ao gosto infantil. Não por acaso, a direção coube a Paul King, que trouxe o ursinho peruano Paddington a Londres, em dois filmes, de 2014 e 2017.

Agora as coisas são mais ambiciosas. Estamos, para começar, em um musical. Desde que se aprecie a música será possível a King soltar a imaginação e os efeitos especiais, de maneira que não raro veremos atores dançando no ar e coisas do tipo.

Na verdade, King parece usar os efeitos coreográficos como forma de jogar poeira nos olhos do espectador. Investe-se na grandiosidade, no causar impressão, nos planos aéreos, sem outro fim que não mostrar o quanto o filme é espetacular.

King não havia se saído mal em “As Aventuras de Paddington”. Talvez a dimensão do projeto o tenha intimidado. Os momentos de imaginação são poucos -o início do flashback em que Willy Wonka recorda a vida com a mãe é provavelmente o melhor deles.

No essencial, segue-se a cartilha do produto infantil padrão: vilões maltrapilhos, como os da hospedaria em que Willy e outros são aprisionados, ou como os sinistros concorrentes que por todos os modos tentam impedir Wonka de se estabelecer.

Nisso, dois personagens de apoio são marcantes: o primeiro, o pequeno Oompa-Loompa (Hugh Grant, ou pelo menos o rosto de Hugh Grant) e o padre Julius (Rowan Atkinson). Este segundo não deixa de ser uma original piscada de olhos aos pecados dos religiosos. O padre é um chocólatra perdido e capaz de cometer não poucos crimes para saciar seu vício.

Aqui também começam os pecados mais graves do filme. Estamos em uma cidade onde se produz chocolate e onde, aparentemente, todos adoram chocolates. É como se isso fizesse parte da natureza humana.

Com isso, o filme perde totalmente o equilíbrio, para nos atirar em um excesso de chocolate que salta tanto em barras quanto em barris, praticamente o tempo todo. O chocolate substitui um fabulário mais rico e, de passagem, a música não muito inspirada, que, com frequência, aproveita para cantar as virtudes do chocolate.

Chocolate que, a seguir as pegadas do filme, será bem adocicado, ao gosto infantil. De maneira que, desta vez, o prazer dos pais que levam os filhos ao cinema consistirá, quase sempre, em observar o prazer dos filhos diante dos tonéis de chocolate que pingam por todos os cantos da tela.

Como resumo, parece possível dizer que “Wonka” só faz sentido, como projeto, se for a prévia de uma nova versão de “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, que adapte seu conteúdo à mediocridade do atual projeto. Como prequela, sequela ou que nome se prefira, não complementa nem o sarcástico filme de Tim Burton, nem a escrita de Roald Dahl.

WONKA

Avaliação Regular
Quando Estreia nesta quinta (7) nos cinemas
Classificação Livre
Elenco Timothée Chalamet, Keegan-Michael Key, Paterson Joseph
Produção EUA, 2023
Direção Paul King