BAURU, SP (FOLHAPRESS) – Multidões entraram em confronto com a polícia e voltaram a saquear e incendiar lojas, depósitos e supermercados na África do Sul nesta terça-feira (13). No quinto dia de violência generalizada no país, o saldo chega a ao menos 45 mortos e mais de 750 presos.
Os atos começaram na última sexta-feira (9), com bloqueios de estradas e veículos incendiados, pouco depois de o ex-presidente Jacob Zuma se entregar às autoridades e passar sua primeira noite na cadeia. Ele foi condenado a 15 meses de prisão por desacato à Justiça ao deixar de comparecer a audiências convocadas por uma comissão que investiga acusações de corrupção contra seu governo.
As manifestações políticas, no entanto, ficaram em segundo plano à medida em que uma onda de saques em lojas e episódios de vandalismo no fim de semana começou a assolar as principais cidades da África do Sul. Os atos se concentram nas províncias de Gauteng -que abriga a capital econômica do país, Joanesburgo- e KwaZulu-Natal, onde Zuma nasceu.
O atual presidente, Cyril Ramaphosa, anunciou na noite desta segunda-feira (12) o envio de tropas para ajudar a polícia, sobrecarregada pelos distúrbios, e “restaurar a ordem”.
“Não há queixa ou qualquer razão política que possa justificar a violência e a destruição”, disse o presidente, para quem o que se vê nas ruas são atos de promoção do caos para encobrir saques e roubos. “O caminho da violência, saques e anarquia só leva a mais violência e devastação.”
A polícia disse ter encontrado dez pessoas mortas durante a debandada de uma multidão em um shopping de Soweto, na província de Gauteng. Na manhã desta terça, dezenas de mulheres, homens e até crianças invadiram as câmaras frias de uma rede de açougues por atacado e fugiram carregando caixas de carne congelada.
A busca por comida indica que a população de Soweto, vivendo em um dos principais símbolos da desigualdade no país após o fim do regime de segregação racial que vigorou na África do Sul durante quase 50 anos, tem sido uma das mais atingidas pelos efeitos econômicos da pandemia de coronavírus.
Saqueadores também invadiram armazéns e supermercados em Durban, um dos principais centros de importação e exportação da África do Sul, no leste do país.
Imagens de emissoras locais e vídeos compartilhados em redes sociais mostram multidões enchendo carrinhos com produtos eletrônicos, roupas e outras mercadorias. Dentro das lojas, praticamente destruídas, restavam apenas embalagens descartadas enquanto as prateleiras eram esvaziadas.
Vistas aéreas da cidade mostravam grandes nuvens de fumaça preta subindo de vários depósitos, indicando pontos onde as lojas foram incendiadas.
O número de pessoas mortas pode ser ainda maior, já que os números divulgados por autoridades do governo federal não condizem com os dados regionais. Os premiês de KwaZulu-Natal e Gauteng divulgaram, respectivamente, 26 e 19 mortes em suas províncias, enquanto o ministro da Polícia, Bheki Cele, contabilizou, oficialmente, dez óbitos.
“Nenhuma quantidade de infelicidade ou circunstâncias pessoais de nosso povo dá o direito a alguém de saquear, vandalizar e fazer o que quiser e infringir a lei”, disse Cele, durante pronunciamento em que ecoou a fala de Ramaphosa e anunciou a prisão de 757 pessoas.
Segundo o ministro, o governo agirá para evitar que o agravamento da violência se espalhe ainda mais. Cele também fez um alerta para que as pessoas não “zombem do Estado democrático” da África do Sul.
Na mesma entrevista coletiva, a ministra da Defesa, Nosiviwe Mapisa-Nqakula, descartou, ao menos por enquanto, a declaração de estado de emergência no país.
Zuma, um dos líderes da luta pelo fim do apartheid ao lado de Nelson Mandela (1918-2013), foi o presidente mais controverso da África do Sul desde o fim do regime de segregação, em 1994. Seu domínio sobre a dinâmica interna do CNA (Congresso Nacional Africano), partido que comanda o país há 27 anos, foi o que lhe permitiu sua manutenção na cena pública por tanto tempo.
A influência política de Zuma, no entanto, diminuiu desde que Ramaphosa, seu vice, o substituiu como líder da legenda e, posteriormente, presidente do país. Antes de cair, viu alguns dos membros do CNA e milhares de sul-africanos tomarem as ruas exigindo sua renúncia
Em 2016, foi alvo de um processo de impeachment por ter ignorado a orientação de reembolsar os cofres públicos da África do Sul após usar verbas do Estado, quatro anos antes, para obras em sua residência privada -uma piscina, um anfiteatro e uma área para criação de gado, entre outras.
A ostentação de Zuma, enquanto, à época, quase metade dos sul-africanos viviam na pobreza, erodiu sua popularidade, o que o levou a ser vaiado, em 2013, por uma multidão que acompanhava uma cerimônia de homenagem a Mandela, com quem o ex-presidente ficou preso por dez anos durante a era do apartheid.
Zuma sobreviveu ao processo de impeachment graças à maioria que o CNA detinha no Parlamento -foram 143 votos a favor do impeachment e 233 contra. As reiteradas crises, no entanto, também desgastaram sua imagem dentro do partido. Em 2017, o Tribunal Constitucional concluiu que o CNA falhou em responsabilizar Zuma por seus atos e, provocado pelos partidos de oposição, instruiu a legenda a criar procedimentos para a destituição de um presidente.
Procurando fugir do fantasma de um novo processo de impeachment e dos efeitos de mais um desgaste desse nível na opinião pública e nas urnas, o CNA conseguiu que, sob pressão, Zuma renunciasse à Presidência em 2018, ainda que ele tenha caído atirando -ele alegou que não havia feito nada de errado e que estava sendo tratado injustamente pelo partido.
Desde então, o ex-presidente tem enfrentado na Justiça as acusações de crimes de corrupção cometidos antes e durante seu mandato. Uma delas se refere à chamada “comissão Zondo”, caso no qual estão sendo examinadas alegações de suborno envolvendo três magnatas indianos -os irmãos Atul, Ajay e Rajesh Gupta. Zuma nega qualquer irregularidade, mas até agora não cooperou com as investigações.
Os irmãos Gupta, que também negam as acusações, deixaram a África do Sul após a deposição do hoje ex-presidente. Em outro processo, ele enfrenta 16 acusações de fraude, corrupção e crime organizado relacionadas à compra de equipamento militar de cinco empresas europeias em 1999, quando era vice.
Segundo as denúncias, Zuma teria embolsado mais de quatro milhões de rands (cerca de R$ 1,4 milhão, na cotação atual) em subornos pagos pela empresa francesa Thales, um dos grupos que ganhou um contrato com o governo da África do Sul avaliado em mais de US$ 3,3 bilhões (R$ 16,3 bilhões).
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