Valorização das startups deve cair, diz autor de livro sobre tecnologia e capital de risco

RAFAEL BALAGO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para Sebastian Mallaby, a alta de juros em países como os EUA deve deixar os investidores em startups mais seletivos, o que deve levar a uma queda no valor de mercado de novas empresas que buscam financiamento.

“Esse novo clima financeiro trará ajustes. Em um ambiente no qual as taxas de juro estão a 6%, 7%, é muito caro travar seu dinheiro, pelo custo de oportunidade. Para compensar, investidores de risco devem esperar retornos mais altos, o que significa que eles só apoiariam as melhores empresas, e por um valor de mercado menor”, avalia Mallaby.
“Os preços vão se ajustar. O valor de avaliação das startups terá de ser mais baixo. Mas haverá muitas pessoas querendo investir em capital de risco. Não será como em 2000”, prossegue, citando a grande crise que atingiu o setor de tecnologia.

Mallaby, 58, é jornalista britânico e autor de “A Lei da Potência – Capital de Risco e a Criação de um Novo Futuro” (ed. Intrínseca). O livro conta detalhes da relação entre investidores de risco e a criação de empresas americanas que mudaram a história da tecnologia desde os anos 1950.
A obra, indicada como uma das melhores do ano pelo Financial Times, traz bastidores do surgimento de empresas como Intel, Atari, Apple, Cisco, Yahoo, Google e Facebook, e de como investidores ajudaram a transformar boas ideias em negócios capazes de gerar milhões de dólares em alguns anos.

O escritor conversou com a Folha de S.Paulo por videochamada e falou também sobre outras mudanças no cenário atual para startups.

PERGUNTA – Como vê o cenário atual para o capital de risco, em um momento de alta nas taxas de juros e perspectiva de recessão, especialmente nos EUA?
SEBASTIAN MALLABY – A Nasdaq tem caído bastante. Companhias de tecnologia tendem a crescer rápido, mas são mais voláteis e arriscadas, especialmente em seu estágio inicial. Em um mundo no qual as pessoas estão com medo do risco, o valor de avaliação delas deve cair. No capital de risco, você está olhando para o dinheiro daqui a sete anos quando investe. Em um cenário onde as taxas de juro estão a 6%, 7%, é muito caro travar seu dinheiro, pelo custo de oportunidade.
Para compensar isso, investidores de risco devem esperar retornos mais altos, o que significa que eles só apoiariam as melhores empresas, e por um valor de mercado menor. Então, com certeza esse novo clima financeiro trará ajustes. Mas, ao mesmo tempo, desde que o Google abriu o capital, em 2004, as empresas de tecnologia estão em uma sequência extraordinária. Por isso, se espalharam pelo mundo. Minha opinião é que os preços vão se ajustar. O valor de avaliação das startups terá de ser mais baixo, mas haverá muitas pessoas querendo investir em capital de risco. Não será como em 2000, quando a Nasdaq quebrou e o Vale do Silício meio que foi dormir por três anos.

P.- O modelo de “vencedor leva tudo” deve seguir presente?
SM- No futuro, esse modelo pode ser menos dominante. Nos negócios que têm efeito de rede, quanto mais pessoas se atende, maior a margem de retorno. É diferente do modelo clássico, em que o custo de produção sobe conforme você produz mais.
Em marketplaces e negócios de rede, como Facebook e Google, quanto mais gente os utilizam, mais inteligentes eles ficam e maior a utilidade para o cliente. Na Amazon, você pode escolher milhões de produtos, e o custo de colocar uma coisa a mais para vender é quase zero. Então, essas redes têm uma propensão ao modelo de vencedor leva tudo.
Mas, se você voltar a um mundo onde o capital de risco apoia companhias que estão produzindo hardware, como baterias elétricas para carros, pode haver efeitos de rede menos fortes. Ainda haverá algum efeito de “vencedor leva tudo” porque quem tiver a melhor tecnologia provavelmente dominará o mercado. E, se uma companhia dominar, outras tentarão ir atrás porque as margens serão gordas para o líder.

P.- O senhor já disse que unicórnios [empresas iniciantes avaliadas acima de US$ 1 bilhão] são o problema, e que a melhor forma de lidar com isso é prevenir a criação de bolhas no mercado. Teria sugestões de como evitar a formação de bolhas?
SM- Bolhas têm existido por toda a história das finanças. Não vamos nos livrar delas por completo, mas há falhas do governo com os unicórnios.
As qualidades que um fundador precisa ter para começar um negócio não são as mesmas para tocar uma empresa madura. Frequentemente você tem uma mudança de liderança em algum ponto. Só que os fundadores de unicórnios tem recebido muito poder, por meio de ações com superpoder de voto. E há investidores que não querem exercer a governança nem um assento no conselho. Assim, os fundadores de unicórnios ficam sem amarras e gastam capital como se fosse água. E as pessoas não dizem que o rei está nu.
Na WeWork, isso só ocorreu quando eles abriram o capital. Quando você se torna uma companhia pública, haverá especialistas e jornalistas que olharão tudo com cuidado. Aí todo mundo diz “isso era ridículo”. Mas ninguém diz isso antes porque os donos das ações não estão exercitando a governança e supervisionando o fundador de forma adequada. Essa é uma parte do mecanismo que poderia reduzir a formação de bolhas.

P.- Ainda sobre unicórnios, qual sua análise sobre o modelo de blitzscaling (escalada rápida) hoje? Poderemos ter mais casos como o do Uber, que gastou muito dinheiro para dominar mercados oferecendo descontos aos clientes?
SM- Para startups iniciantes, especialmente de software, ter velocidade é apropriado. Quanto mais rápido você escala, mais você terá retornos de margem.Investidores de risco colocam dinheiro e dão seis ou nove meses para as startups decolarem, e você precisa ser rápido para ter resultados a mostrar. Então, é uma boa coisa, que empurra as companhias a serem ambiciosas e conquistar coisas rápido.
Mas há muitos exemplos de companhias que foram muito longe. A blitzscaling pode ser um problema algumas vezes. Na América, hoje, quando as pessoas repetem a frase de Mark Zuckerberg, “mova-se rápido e quebre coisas”, elas fazem isso para rir dele e do Facebook. Mas não acho certo.
Sobre quebrar coisas, depende do que você quebra. Se você lança a versão 1.8 do seu programa e ela não é boa, você só mexe no código e conserta rapidamente. Se você está fazendo hardware e tem que construir uma fábrica, então consertar o erro será mais difícil. E quando o Facebook se torna grande como é, isso tem consequências globais. Quebrar coisas pode significar quebrar a sociedade. E você não quer isso.

P.- Como governos, como o do Brasil, podem agir para atrair mais investidores de risco?
SM- A primeira coisa é ter o governo investindo em treinamento, tecnologia e pessoas. Apoiar os estudantes que querem aprender ciência, tecnologia, engenharia e matemática, e apoiar as pessoas que vão fundar empresas de tecnologia.
A segunda coisa é pensar sobre regras de propriedade intelectual. É importante que, quando algo é inventado em uma universidade, seja possível licenciar a tecnologia e criar uma empresa com ela, de modo que a universidade receba alguns royalties. Mas isso não pode ser muito restritivo, porque queremos que as companhias sejam lucrativas.
Se elas forem muito, muito lucrativas, isso vai, é claro, aumentar a desigualdade. Mas, ao mesmo tempo, há um padrão claro: toda vez que surge um novo unicórnio, as pessoas que trabalham ali desde o começo veem a experiência de crescer, que é realmente excitante, e depois querem fazer de novo. Aí você começa outra empresa, ajuda alguém a fazer isso. Ou se torna investidor. Então, cada unicórnio criado no Brasil será um acelerador para o mundo dos negócios de tecnologia.
E mais uma coisa: se você tornar os detalhes das coisas mais parecidos com os dos EUA, isso tornaria mais fácil a ida de empresas de capital de risco ao Brasil. Essas pessoas têm muita experiência no Vale do Silício e sabem o que estão fazendo. Elas podem ajudar as companhias do Brasil a crescerem e a vender dentro dos EUA. Então, padronizar as coisas no modo americano seria uma boa ideia.

P.- E o que os governos não deveriam fazer?
SM- Governos com frequência querem colocar dinheiro direto em investimentos de risco. Isso foi feito em muitos países, e o exemplo de maior sucesso é Israel, onde o governo deu dinheiro para criar fundos de capital de risco, em termos muito generosos. Foi um grande subsídio.
A coisa interessante é que eles pararam de fazer isso muito rápido: uma vez que as empresas de capital de risco tiveram sucesso, eles disseram, “ok, vocês aprenderam. Agora podem fazer sozinhas”. E isso é muito importante. Na Europa, o governo coloca muito dinheiro em capital de risco, de um jeito que bagunça as coisas para o capital privado, porque há todo esse dinheiro do governo, que não precisa necessariamente ter um alto retorno. Não é um dinheiro muito saudável, porque o governo não tem a mesma experiência em aconselhar o empreendedor. Então você tem muitos investimentos ruins e empresas ruins.
É uma boa ideia que os investidores tomem todo o risco no começo. Se perderem, perderão 100% do próprio dinheiro, e os contribuintes não pagam nada. Assim, os investidores têm um forte incentivo para alocar capital com bons empreendedores, pensar bem sobre quais startups apoiar e trabalhar duro para ajudá-las a crescer. Se eles falharem, ficam sem nada. Tudo bem. Isso é capitalismo. Mas se eles tiverem sucesso, têm de pagar impostos, mas não muito, porque eles tomaram todo o risco no começo.
Nos EUA, as sociedades de investimento de risco pagam zero em impostos. Os impostos são pagos só pelos sócios que colocam dinheiro na sociedade. Não há taxação dupla. E há impostos sobre os ganhos de capital. Algo entre 25% e 30% me parece bom.

P.- Teria algum conselho para o leitor que nunca investiu em capital de risco, mas se interessou em fazer isso?
SM- É um investimento caro. Você coloca o dinheiro em um fundo, que será tocado por profissionais que entendem tecnologia. Eles encontram todas essas pessoas que querem abrir empresas e dizem não para a maioria delas. Esse fundo irá cobrar taxas caras, como 2% do capital por ano e talvez 20% dos lucros.
Se você tem uma poupança limitada, provavelmente há coisas melhores a fazer. A primeira regra para investidores individuais é tentar pagar menos tarifas e impostos. Outra é espalhar suas apostas, e o capital de risco pode ser uma delas. Se você tem muitas reservas e é rico, faria sentido colocar algum dinheiro em capital de risco. De outro modo, eu não faria isso.RAIO-X
Sebastian Mallaby, 58
Estudou história moderna em Oxford e fez carreira como jornalista econômico e autor de livros. Foi colunista do Washington Post, editor no Financial Times e chefe da sucursal da revista The Economist em Washington. É membro sênior do Council on Foreign Relations.

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