SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, chega nesta segunda (11) aos Estados Unidos com o proverbial pires na mão. Seu país vive o momento mais delicado na guerra que trava desde fevereiro de 2022 contra as forças invasoras de Vladimir Putin, que hoje ocupam quase 20% do país vizinho.
Kiev só consegue manter suas Forças Armadas graças à ajuda externa. Alega que, se cair ou ceder território à Rússia, países como os Estados Bálticos serão os próximos da fila -algo na realidade mais difícil, dado que são membros da Otan, a aliança militar liderada pelos EUA cuja filiação garante segurança mútua por nações com armas nucleares.
Zelenski se encontrará com o presidente Joe Biden, maior apoiador individual de Kiev: nas contas do Instituto para a Economia Mundial de Kiel (Alemanha), até 31 de outubro os americanos deram o equivalente a R$ 380 bilhões aos ucranianos, 61% disso em ajuda militar.
Só que a generosidade de Biden tem limites políticos e institucionais. Na semana passada, a oposição republicana no Senado vetou o pacote do presidente democrata que previa cerca de R$ 300 bilhões para a Ucrânia em 2024, sob a justificativa de que a medida, que inclui apoio à guerra de Israel contra o Hamas e à segurança de fronteiras, não lida a contento com a imigração ilegal.
Tudo é política, claro: o provável rival de Biden na eleição presidencial de 2024, seu antecessor Donald Trump, já sinalizou ser contra o apoio irrestrito a Kiev.
Zelenski falará a senadores também, nesta terça (12), mas terá uma audiência arredia. No domingo (10), o senador republicano JD Vance, que está sendo cotado como vice na chapa de Trump, afirmou à CNN que os ucranianos terão de ceder terras para Putin se quiserem ver o fim da guerra.
“A ideia de que a Ucrânia iria empurrar a Rússia de volta para as fronteiras de 1991 [quando a União Soviética acabou] é absurda. Ninguém acreditava nisso de verdade”, afirmou, emulando um sentimento prevalente também entre aliados europeus de Zelenski.
Segundo o instituto alemão, o período de agosto a outubro deste ano viu cair dramaticamente o apoio a Kiev, com 90% a menos de ajuda em relação aos mesmos meses de 2022. Só houve cerca de R$ 10 bilhões em novos pacotes militares, o menor índice desde o começo da guerra, refletindo o fastio também na Europa.
A Casa Branca alertou, na semana passada, que se não houver um acordo com o Congresso o dinheiro para Zelenski acaba no fim do ano. O problema para o ucraniano foi a expectativa colocada na contraofensiva que lançou, com badaladas mas insuficientes armas e treinamento da Otan, em junho.
Ela teve ganhos pontuais, mas fracassou no objetivo de cortar a ligação terrestre entre a Rússia e a Crimeia anexada em 2014 por meio da ocupação do leste e do sul ucranianos. Se Putin falhou em derrubar Zelenski e domar toda a Ucrânia no ano passado, ele acaba 2023 em posição bem mais confortável.
O presidente russo irá concorrer à reeleição em março, num pleito considerado uma barbada dada a inexistência de oposição real no país. A lógica diz que ele manterá sua guerra em pé até lá e, provavelmente, até a definição de quem vai comandar Washington na disputa de novembro.
Enquanto isso, a Rússia voltou a atacar Kiev nesta segunda com mísseis balísticos de longo alcance, algo que não acontecia havia meses -a preferência por drones de origem iranianas, menos eficazes mas mais baratos, vinha sendo clara. Isso sugere uma renovada campanha durante o inverno europeu, que trava a maior parte das ações terrestres.
Putin joga com o tempo. Ao longo de 2022 e 2023, o Kremlin reestruturou parte da economia russa para fomentar o esforço militar. Seu orçamento para o ano que vem prevê o maior gasto militar da história do pós-Guerra Fria, com estimados 30% dos investimentos federais livres destinados ao setor de defesa.
Nesta segunda, Putin falou de forma triunfal ao lançar em operação dois novos submarinos de propulsão nuclear no norte russo, um para ataque com mísseis de cruzeiro e o outro, um dos temidos lançadores de mísseis balísticos armados com ogivas atômicas. “Vamos aumentar nossa presença em todos os oceanos estratégicos do mundo”, disse.
Parte de sua renovada autoconfiança, após passar até por um motim de mercenários contra a cúpula das Forças Armadas em junho, vem do campo de batalha. A Rússia está com a iniciativa em pontos da frente ucraniana em Donetsk (leste) e, se não está nem perto de conquistar a Ucrânia, ganhou mais território do que perdeu no país neste ano.
Além disso, há a economia. Na semana passada, o comércio com a China, sua principal aliada e parceira, bateu o recorde histórico de 2022 e atingiu o equivalente a pouco mais de R$ 1 trilhão nos primeiros 11 meses do ano -com um ligeiro superávit para a Rússia, que exporta gás e petróleo com até 30% de desconto para os chineses, e viu seu mercado de bens de consumo inundado por produtos de Pequim.
“Eu nunca achei que usaria um celular chinês na minha vida. Mas quando meu iPhone quebrou em uma queda, descobri que seria mais caro arrumá-lo com peças contrabandeadas da Armênia do que comprar um novo. E estamos aqui conversando”, diz o analista militar Ivan Barabanov, morador de Moscou.
Ele não está só como cliente. Hoje, cerca de 50% dos laptops vendidos na Rússia e 30% dos carros são chineses, segundo o Rosstat (Serviço Federal de Estatísticas).
Em 2018, uma era geológica atrás em termos de política, a União Europeia era a maior parceira da Rússia. Naquele ano, Moscou vendeu metade do valor atingido neste ano aos chineses. Em 2019, ainda antes de Putin e Xi Jinping estabelecerem o tratado de “amizade sem limites” de 2022, os países decidiram incrementar seus negócios.
Tão importante quanto o volume é a característica: 95% do comércio é feito em rublos e yuans, retirando da equação o dólar. Há dúvidas sobre a qualidade da parceria, com a imprensa chinesa relatando falta de interesse de Pequim e projetos grandes como o gasoduto Força da Sibéria 2.
Analistas dizem que os problemas são laterais. “O projeto faz sentido para a Rússia, que tem dinheiro para pagá-lo sem um empréstimo chinês”, afirma Alexander Gubaev, diretor do Centro Carnegie para Rússia e Eurásia, que foi deslocado de Moscou para Berlim.
Ele prevê um longo conflito, já que Putin transformou a invasão da Ucrânia em embate existencial contra um Ocidente hostil à Rússia ressurgente, em sua retórica. “A guerra é a força motriz da vida russa hoje”, diz.
Embora seja o maior parceiro nominal da Rússia, a China não é a única a manter viva a economia do país de Putin. O comércio com a Índia subiu 242% em 2022, principalmente devido à venda brutal de petróleo para Nova Déli. Mesmo com o Brasil, o crescimento foi igual ao chinês naquele ano, 28%.
O comércio segue firme com diversos países europeus, apesar das sanções -que atingem aproximadamente a metade dos produtos trocados com a Rússia. País vital da Otan, a ambígua Turquia por exemplo é a segunda maior exportadora para os russos, tendo visto um aumento de 103% no seu fluxo comercial com o parceiro em 2022.
Em termos proporcionais, o comércio com Moscou é mais importante para Ancara, sendo equivalente a 0,08% de seu PIB, do que para Pequim, que registra oito vezes menos.