RENAN MARRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A fritura do ex-presidente Donald Trump durante as audiências públicas que trazem à tona o resultado de investigações sobre a invasão do Capitólio ainda não dá mostras de enfraquecimento do republicano.
As sessões, por ora, tampouco garantem a criação de mecanismos que fortaleçam a democracia dos EUA e evitem novos episódios como o registrado no 6 de Janeiro. O resultado de quase um ano de apuração vem sendo exposto em sessões conduzidas por uma comissão bipartidária da Câmara. Foram feitas cinco delas até aqui para tentar esclarecer o papel de figuras públicas e manifestantes no episódio considerado um dos maiores ataques da história à democracia americana. Trump está no centro da narrativa.
Em uma das acusações mais comprometedoras contra o republicano, testemunhas detalharam pressões que teriam sido feitas por ele sobre o Departamento de Justiça para mudar o resultado da votação que elegeu Joe Biden. Na quinta (23), a comissão mostrou anotação atribuída ao subprocurador Richard Donoghue que confirmaria pedidos do ex-presidente para que dissessem que o pleito foi fraudado.
Além dos depoimentos de ex-funcionários do Departamento de Justiça, a comissão deu voz a pessoas próximas a Trump, autoridades estaduais e funcionários eleitorais, que também relataram pressão para mudar o resultado em favor do republicano. Membros da comissão afirmaram que o ex-chefe da Casa Branca ignorou alertas, pressionando, inclusive, o então vice Mike Pence a não certificar a vitória de Biden.
Tudo isso transmitido pelos principais canais de TV do país, exceção à conservadora Fox News. A primeira sessão alcançou ao menos 20 milhões de espectadores, sem levar em conta os que acompanharam o processo por computador ou celular -mas nas sessões subsequentes, a audiência caiu pela metade.
Especialistas avaliam que ainda é cedo para medir os impactos das acusações contra Trump no desempenho dos republicanos nas midterms, a eleição em novembro que renovará parte do Congresso e o comando de 36 estados. Os resultados ajudarão a medir o poder do ex-presidente sobre o seu partido.
Os americanos têm opiniões divididas quando questionados se Trump cometeu crime ao tentar mudar o resultado da eleição, mostra pesquisa divulgada na quarta (22) pela Universidade de Quinnipiac, após a realização de quatro sessões do comitê que investiga o ataque. Segundo o levantamento, 46% dos americanos afirmam que ele, sim, cometeu um crime, e 47%, que não. A sondagem foi feita com 1.524 pessoas de 17 a 20 de junho com margem de erro de 2,5 pontos percentuais para mais ou para menos.
Mesmo com os trabalhos de investigação exibidos com abrangência, os resultados permanecem os mesmos em relação a uma pesquisa feita em abril pela mesma universidade. “A opinião pública não tem se voltado tanto [contra Trump]. Há o entendimento de que é preciso investigar, mas as pessoas estão saturadas com a polarização constante, especialmente quando se deparam com inflação e possibilidade de recessão nos EUA”, diz Denilde Holzhacker, coordenadora do Núcleo de Estudos Americanos da ESPM.
Além dos reveses econômicos que desgastam o governo Biden, os impactos das investigações nas midterms ainda serão diluídos por questões sociais que ganharam ainda mais destaque neste ano, como a aprovação do pacote que é considerado o maior avanço no controle de armas no país desde década de 1990, afirma Holzhacker. Desta forma, repete, é cedo para tentar prever qualquer resultado.
O quadro pode mudar, segundo ela, quando for apresentado o parecer final da investigação. Ainda não se sabe, porém, quais serão os rumos. A comissão está dividida: parte afirma que o processo deve avançar na Justiça, e a outra diz que o grupo deve se limitar a revelar os fatos. “Há muitas evidências, mas ainda falta a prova da ligação direta de Trump ou de alguém próximo a ele com o ataque ao Capitólio.”
O ex-presidente diz ser vítima de uma “caça às bruxas” e reclama da composição da comissão, formada por sete democratas e dois republicanos -Liz Cheney, representante pelo Wyoming, e Adam Kinzinger, de Illinois, que votaram a favor do impeachment do ex-presidente no ano passado.
O New York Times publicou que os dois parlamentares sofreram intimidações. A mulher de Kinzinger e a filha de cinco meses teriam sido ameaçadas de morte. Liz suspendeu a participação em eventos públicos.
Tentativas de golpe, ataques e violência institucional são consequências da fragilização das democracias nos últimos 15 anos e devem tornar audiências como as que investigam a invasão do Capitólio cada vez mais comuns, afirma Uriã Fancelli, autor do livro “Populismo e Negacionismo”. Vistas pelo acadêmico como proteções da democracia, as audiências vêm recebendo críticas por, ao menos agora, limitarem-se a resgatar os acontecimentos, sem propor soluções e alternativas para o fortalecimento das instituições.
Na sexta (24), o Congresso entrou em recesso de duas semanas -as audiências devem ser retomadas em julho. Até lá, a comissão seguirá recebendo novos materiais, entre os quais vídeos do documentarista britânico Alex Holder, que acompanhou Trump durante a campanha e depois da eleição de 2020.
Se o republicano resistiu à fritura até agora, a ver como será na segunda parte.
VEJA DESTAQUES DO QUE FOI REVELADO EM CADA UMA DAS AUDIÊNCIAS:1) 9.jun Trump foi acusado de “conspiração contra a democracia”. Após a exibição de depoimentos de diversas pessoas próximas ao ex-presidente, a deputada republicana Liz Cheney disse que as evidências provam que ele convocou e reuniu a multidão e “acendeu a chama” para o ataque.2) 13.jun Os principais conselheiros de Trump alertaram o republicano de que suas alegações de fraude eram infundadas e não reverteriam sua derrota, mas o então chefe da Casa Branca se recusou a ouvi-los. Para William Barr, que atuou como secretário de Justiça no governo do republicano e era considerado leal a ele, Trump “perdeu o contato com a realidade”.3) 16.jun Trump foi denunciado por ter pressionado seu vice, Mike Pence, a contestar a vitória de Biden. De acordo com familiares do ex-presidente, os dois brigaram por telefone no dia da invasão. Um ex-assessor de Trump disse que ouviu a palavra “covarde” na discussão.4) 21.jun Foram apresentados relatos de testemunhas que disseram ter sofrido pressão do ex-presidente para inverter o resultado das urnas em estados nos quais ele havia sido derrotado. “Esses servidores públicos não seguiram o plano dele, e Trump fez de tudo para ter certeza de que sofreriam consequências”, afirmou Bennie Thompson.5) 23.jun Comissão mostrou que Trump usou o Departamento de Justiça para tentar se manter no poder.
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