WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – A Suprema Corte dos EUA indicou nesta quarta (1º) que poderá mudar seu entendimento sobre o aborto e, com isso, abrir espaço para novas restrições à prática, no que seria uma reversão histórica da decisão que liberou o procedimento, há quase 50 anos.
A Corte tem atualmente maioria de juízes conservadores, de 6 a 3.
Dos seis, quatro deles indicaram, em audiência nesta quarta (1º), que devem votar a favor de manter válida uma lei estadual do Mississipi, que impede o aborto após 15 semanas de gestação. Se esta lei for considerada constitucional, a decisão abrirá espaço para que mais estados adotem regras do tipo.
O tribunal fez uma audiência sobre o processo nesta quarta (1º), para ouvir argumentos dos dois lados, e os juízes também se pronunciaram. A decisão final, no entanto, não tem data prevista e pode levar meses.
A lei do Mississipi traz “danos profundos para a liberdade das mulheres, para a igualdade e para o cumprimento da lei”, disse Julie Rikelman, advogada da organização Jackson Women Health, que propôs a ação contra a rmedida
Elizabeth Prelogar, que representa o governo dos EUA perante a Suprema Corte, também se pronunciou. “Por 50 anos, esta corte corretamente reconheceu que a Constituição protege um direito fundamental das mulheres de decidir sobre terminar uma gravidez antes da viabilidade [do feto]. Esta garantia, de que o Estado não pode forçar uma mulher a manter uma gravidez e dar a luz, gerou grande confiança para as pessoas e para a sociedade. Os efeitos no mundo real de anulá-la seriam graves e rápidos”, defendeu.
Do outro lado, Scott Stewart, procurador-geral do Mississipi, disse que o aborto não é previsto na Constituição e criticou a decisão da Suprema Corte que liberou a prática, em 1973, e outra sentença, de 1992, que a reafirmou. “Estas decisões não têm espaço em nossa tradição. Elas danificaram o processo democrático e envenenaram a lei. Por 50 anos, elas têm mantido esta corte no centro de uma batalha política que nunca se resolve. Em nenhuma outra situação esta corte reconheceu o direito de encerrar uma vida humana”, afirmou.
O aborto foi liberado nos EUA a partir do caso conhecido como Roe vs. Wade, com base no direito constitucional à privacidade. O entendimento foi o de que não caberia ao governo interferir na decisão da mulher de manter ou não uma gravidez.
Em 1992, a corte atualizou sua posição e passou a considerar o conceito de viabilidade fetal: as mulheres podem abortar sem restrições até o momento em que o feto não seria capaz de sobreviver fora do útero, o que tende a acontecer geralmente após 22 semanas. Depois disso, cada estado possui suas regulamentações. O prazo de gestação até atingir a viabilidade, porém, é alvo de debate. Assim, estados mais conservadores criaram leis que dificultam ou, na prática, chegam a impedir o aborto.
Nesta quarta, o juiz John Roberts, que preside a corte, disse que adotar a regra de 15 semanas não seria um “afastamento dramático” do conceito de viabilidade, e que considera o prazo como suficiente para a mulher exercer o seu direito de decidir. Assim, a lei do Mississipi seria uma forma de conciliar as posições contra e a favor do aborto.
Brett Kavanaugh, outro juiz conservador, apontou que mesmo que a decisão sobre o aborto fique a cargo dos estados, a prática ainda seria adotada por alguns deles, e deu a entender que considera que não cabe à Suprema Corte decidir sobre a prática em si. Os juízes Clarence Thomas e Neil Gorsuch também se mostraram favoráveis à mudança de entendimento.
Já a juíza Sonia Sotomayor defendeu que a corte mantenha a posição pró-aborto, e que uma mudança agora passaria a mensagem de que o tribunal atua de modo político, e não técnico, ao mudar de ideia apenas por haver mais juízes conservadores do que antes. Stephen Breyer, outro magistrado liberal, também defendeu a manutenção das decisões anteriores.
A lei do Mississipi, que veta o aborto mesmo em casos de estupro após a 15ª semana, foi promulgada em 2018, mas barrada na Justiça local por ir contra as decisões que liberavam o aborto no país. O caso chegou até a Suprema Corte e foi escolhido pelos juízes para servir de resposta a outros questionamentos similares.
Em outro caso recente, de setembro, o Texas aprovou uma lei estadual que impedir o procedimento a partir de seis semanas de gestação, momento em que muitas mulheres ainda nem descobriram que estão grávidas. A lei texana considera que o feto é viável se o coração está batendo.
O aborto é um dos temas que mais geram polarização na política dos Estados Unidos. Políticos conservadores e republicanos tendem a defender a proibição, enquanto democratas e liberais apoiam que a prática seja liberada.
Nos últimos anos, estados governados por republicanos passaram a adotar novas regras para cercear o direito ao aborto, especialmente no sul e no meio-oeste do país, de olho em agradar eleitores conservadores. Por outro lado, estados governados por democratas, como Califórnia e Nova York, criaram leis que garantem e facilitam o direito à interromper a gravidez.
Segundo pesquisa do Pew Research Center, 59% dos americanos consideram que o aborto deve ser legalizado, e 39% querem proibi-lo.
Entre 2017 e 2020, o ex-presidente Donald Trump teve a oportunidade de nomear três juízes para a Suprema Corte, o que garantiu a atual maioria conservadora. A última nomeação foi de Amy Coney Barrett, em setembro de 2020, poucos meses antes da eleição presidencial que culminou na vitória de Joe Biden. Os magistrados têm mandatos vitalícios, e uma nova mudança na composição do tribunal pode demorar a ocorrer.
QUEM É QUEM NA SUPREMA CORTE
Ala conservadora
Jonh Roberts, 66 – Indicado por George W. Bush em 2005. Ainda que seja considerado conservador, o atual presidente da Corte às vezes atua de forma moderada
Clarence Thomas, 73 – Indicado por George Bush pai em 1991
Samuel Alito, 71 – Indicado por George W. Bush em 2006
Neil Gorsuch, 54 – Indicado por Donald Trump em 2017
Brett Kavanaugh, 56 – Indicado por Trump em 2018
Amy Cohen Barrett, 49 – Indicada por Trump em 2020
Ala liberal
Stephen Breyer, 83 – Indicado por Bill Clinton em 1994
Sonia Sotomayor, 67 – Indicada por Barack Obama em 2009
Elena Kagan, 61 – Indicada por Obama em 2010
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