(FOLHAPRESS) – Perto do jacu-estalo e do macaco-aranha da empresa Nemus há desmatamento. Esses são dois dos cartões NFTs (tokens não fungíveis) da companhia que promete, a partir da tecnologia que emprega blockchain, ajudar a manter a Amazônia em pé.
A ideia é a seguinte: a empresa cria NFTs (que, no caso, são “figurinhas” com espécies da fauna ou flora amazônica) e os associa a diferentes coordenadas geográficas na Amazônia, no município de Pauini, sul do Amazonas.
Uma parte do dinheiro dos NFTs vendidos seria usado para comprar as porções de terra correspondentes na Amazônia e outra parte vai, segundo a empresa, para proteção e justiça social e econômica na área em questão. Cada pessoa que compra um NFT da empresa é chamada de guardião.
Na noite da última sexta (29), a reportagem procurou a Nemus, mas, até o momento, a empresa não se manifestou.
Até o momento, em seu site, a Nemus, ativa desde agosto de 2021 e com capital social de R$ 500, aponta quatro grandes pedaços de terra (o que a companhia chama de “drops”), próximos ao rio Purus. Dentro desses pontos há lotes menores que representam os NTFs de fato.
Por enquanto, somente um dos “drops”, com mais de 10 mil NFTs, tem fichas digitais disponíveis para compra. Segundo a própria empresa, a compra de um NFT não significa que o comprador tenha, de fato, posse da terra –trata, dessa forma, de uma espécie de representação virtual do território real.
Apesar da ideia veiculada de proteção da região, nessa primeira grande área com NFTs disponíveis já há desmatamentos recentes. Esses pontos, desmatados em 2019, segundo dados do MapBiomas Alerta, localizam-se nas cercanias do real rio Seruini e de NFTs já adquiridos, como os digitais jacu-estalo-de-bico-verde e macaco-aranha, citados no começo desta reportagem.
Há ainda outros diversos pontos de desmate na região que engloba as terras apontadas pela Nemus para a aplicação de NFTs. O maior e mais recente deles está no segundo “drop”, ou seja, na próxima leva de NFTs prometida pela empresa.
Mais de 400 hectares, próximos ao rio Purus, foram derrubados em 2021, de acordo, novamente, com o MapBiomas Alerta. A situação foi observada e publicada em redes sociais por Tasso Azevedo, coordenador do Mapbiomas.
Ainda próximo ao rio Purus, outros cerca de 200 hectares de floresta foram desmatados de 2019 a 2022, como mostra a plataforma do MapBiomas.
Essas áreas com desmatamentos maiores não constam no mapa de NFTs que a Nemus apresenta em seu site. Isso, segundo Azevedo, mostra que a empresa está usando imagens de satélite antigas.
“A região embaixo das áreas que eles estão vendendo já têm área desmatada”, aponta o pesquisador, que diz serem necessárias mais informações sobre como os recursos arrecadados serão de fato usados.
Segundo Azevedo, há inúmeros projetos que oferecem uma espécie de “posse”/responsabilidade indireta sobre uma área e prometem a conservação daquele pedaço de terra. Ou seja, não chega a ser uma ideia nova, a não ser pela parte do NFT, que, de fato, pode ser algo interessante de se aplicar nesse contexto, diz o coordenador do MapBiomas.
Mas a falta de informações mais concretas sobre o projeto da Nemus levanta um alerta, segundo Azevedo.
“É uma boa ideia captar recursos para conservar a área, mas ela pode morrer por conta desses descuidos [poucas informações de destino de recursos, imagens antigas etc]. Por um lado, é uma forma inovadora de captar recursos, mas, por outro, estamos garantindo o que mesmo?”, questiona Azevedo.
A Nemus, em seu site, diz querer investir em reflorestamento, exploração comercial de espécies amazônicas e manejo florestal junto a comunidades locais.
A empresa diz também que “nas suas bases, tem o objetivo de implementar o mais avançado sistema de monitoramento possível”, com imagens de satélite e “avançadas imagens de drones para prover informação sobre a saúde das florestas que estão sendo protegidas”.
Há ainda promessas de “empoderar autoridades policiais locais” e “prover (em uma escala massiva) os requisitos necessários para que projetos possam implementar estudos de longo prazo e levar suas pesquisas para o mercado”. Segundo a empresa, estão sendo estabelecidas “parcerias com diversas organizações locais e internacionais de pesquisa, assim como com ONGs”.
“Por meio dessas parcerias, a Nemus irá fornecer a infraestrutura, logística e financiamento necessários, além de instalações de pesquisa e/ou terrenos para estudos de sustentabilidade econômica ou ambiental (e viabilidade) das pesquisas”, diz o site da companhia, que não cita nomes das entidades parceiras.
A Nemus também afirma que pretende trabalhar com comunidades indígenas locais para “ajudá-los a proteger as suas florestas e, caso eles peçam, incluí-los em projetos econômicos sustentáveis”.
O MPF (Ministério Público Federal) acionou a empresa para esclarecimentos sobre a sua atuação na região. A instituição foi procurada por lideranças do povo indígena Apurinã, que ocupa tradicionalmente territórios próximos às áreas que a Nemus apresenta em seu site.
Segundo o órgão, indígenas relatam que a empresa quer explorar castanhais no território. O MPF diz que pessoas que fazem parte da empresa entregaram “uma placa para as aldeias, com escritos em inglês, e solicitaram aos indígenas, que mal sabem ler, assinaturas em documentos sem os esclarecimentos quanto ao conteúdo e nem fornecimento de cópia”.
À Nemus foi dado o prazo de 15 dias para apresentação de documentos que comprovem propriedade das terras na região e consulta aos povos indígenas impactados.
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