PEDRO S. TEIXEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Silicon Valley Bank (SVB), banco americano voltado ao setor de tecnologia que faliu na última semana, era uma opção comum entre startups brasileiras que buscavam investimentos nos Estados Unidos. Fundos de capital de risco e assessorias financeiras indicavam o SVB como opção aos negócios que mantinham sede nos EUA.
O conselho era dado pelo maior fundo de investimentos de risco do mundo, o Sequoia Capital, e também por assessorias financeiras, como Kamino e Latitud, para empresas que buscavam fazer o chamado “Cayman sandwich”.
A operação consiste na abertura de uma offshore em um paraíso fiscal (Cayman) e uma sede em Delaware, nos EUA, transformando a unidade brasileira em uma subsidiária. O arranjo, organizado para levantar investimentos de fundos de capital de risco, é aconselhado como um meio para contornar impostos.
Do ponto de vista dos investidores, esse desenho garante que seus ativos operem em um país de legislação conhecida e segurança jurídica (EUA). O modelo, porém, é aceito por poucos bancos –o SVB era um deles.
A aceleradora de startups latino-americanas Latitud recomendava o “Cayman sandwich” para startups que levantariam mais de US$ 500 mil ou mais de US$ 100 mil com ações preferenciais (com direito a voto). Para Gina Gotthilf, co-fundadora da empresa, o melhor serviço para essas empresas, até então, era o SVB.
De acordo com levantamento feito pela startup Trace Finance, que atua no mercado de remessas internacionais dos EUA para o Brasil, mais de 90% das startups nacionais que mantinham offshore tinham conta no SVB.
O levantamento foi feito a partir de dados de ofertas públicas iniciais e rodadas de investimento.
A própria Trace foi cliente do SVB, diz o brasileiro Bernardo Brites, CEO da fintech, quando ela recebeu sua primeira rodada de financiamento, em fevereiro de 2022.
Vendo os primeiros indícios da crise apareceram nos jornais na quinta (9), a startup adiantou o lançamento de seu serviço bancário com uma lista de espera. “Na sexta, fizemos um mutirão para cadastrar na mão os pedidos que recebemos”, diz Brites.
A promessa da startup é aceitar em até três horas as inscrições de empresas com mais de US$ 500 mil em caixa.
A Trace Finance afirma já ter 65 clientes e administrar US$ 1 bilhão. “Nossa lista de espera tem mais de cem empresas com um saldo total de US$ 3 bilhões”, acrescenta o CEO da startup. O banco ainda recebe cadastros.
A fintech Brex, fundada pelos brasileiros Henrique Dubugras e Pedro Franceschi, foi outro destino para o dinheiro da startups. A empresa anunciou no dia 10 uma linha de crédito emergencial para clientes do SVB custearem seus gastos operacionais.
As alternativas visam suprir uma lacuna de mercado, uma vez que grandes bancos, como o JPMorgan Chase, pedem US$ 10 milhões em caixa e 60 dias para abrir uma conta.
De acordo com Junior Borneli, fundador da escola de negócios StartSe, os empresários brasileiros começaram a se movimentar assim que a Bloomberg publicou as primeiras notícias de movimentações atípicas no SVB no dia 9. “Os alertas começaram a circular muito rapidamente nos grupos de WhatsApp de empreendedores”.
O SVB tinha cerca de US$ 209 bilhões em ativos, o que o tornava o 16º maior banco dos EUA. A maior parte de seus correntistas eram negócios inovadores.
Em artigo publicado no Financial Times, o dono do Sequoia Capital, Michael Moritz, afirma que, desde 1983, quando abriu, o SVB ganhou reputação como um dos pilares da indústria da tecnologia.
Na carteira do banco, estavam US$ 50 milhões do fundador do site de pagamentos PayPal Peter Thiel, de acordo com o Financial Times.
Embora o governo americano tenha afirmado que todos os clientes do banco conseguirão sacar seus depósitos, empresas de menor porte têm encontrado dificuldades para acessar seus recursos, afirma Benjamin Gleason, sócio da Kamino, companhia especializada em assessorar startups com burocracia financeira.
“Um colapso dessa proporção acontecer com uma instituição tão sólida quanto o SVB era impensável para a maioria do ecossistema de startups, mas é sempre bom se precaver. Orientamos startups a diversificar suas instituições financeiras”, afirma Gothlib, da Latitud.
A quebra do SVB deve afetar o ecossistema de startups global e do Brasil, de acordo com Junior Borneli. A crise bancária, que também envolveu o Credit Suisse e o First Republic Bank, deve aumentar a aversão a risco dos investidores de todo o mundo. Isso pode aumentar a disposição de proteger seu dinheiro com títulos do governo americano a juros altos.
Para Amure Pinheiro, fundador da plataforma de investimento em startups, Investidores.vc, 2023 será de adaptação, após dois anos com muito capital no mercado de risco. “Para quem investe é bom, porque os bons ativos ficam mais baratos no mercado e os negócios insustentáveis ficam no caminho.”
Na avaliação de Pinho, as startups com menos de 60 funcionários terão mais chances de se fundirem para fortalecer a estrutura e enfrentar tempos sem crédito fácil. “Algumas dessas empresas pequenas têm soluções e talentos para oferecer.”
Bornelli, por sua vez, diz que as startups de maior porte que planejavam entrar no mercado de capitais com primeira oferta inicial (IPO, na sigla em inglês) terão de aceitar valores menores.
Para a fintech Distrito, a escassez de financiamento pode manter a tendência de cortes de pessoal nas empresas novatas para enxugar o negócio. Outras startups têm buscado linhas de crédito para continuar funcionando.
Benjamin Gleason, da Kamino, diz que, depois da quebra do SVB, os fundos de investimento de risco devem passar a valorizar a estratégia de tesouraria da empresa como critério de avaliação. “Não vai adiantar ter só lucro e talento, vai ser importante mostrar que tem mais de um banco, seguro etc.”
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