CLÁUDIA COLLUCCI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com venda liberada nas farmácias a partir de dezembro, os suplementos de melatonina prometem virar febre entre os desejam dormir melhor, mas os médicos alertam que a reposição desse hormônio só deve ser feita pelas pessoas que têm deficiência dele no organismo. Segundo eles, esses produtos não são eficazes no tratamento da insônia.
Nas redes sociais, as cápsulas de melatonina também estão propagandeadas como aliadas no emagrecimento, mas também não há nenhuma evidência científica sobre esse efeito.
A melatonina já era comercializada em farmácias de manipulação com exigência de receita médica, mas uma decisão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de outubro último a colocou na categoria de suplementos alimentares, o que dispensa a prescrição.
Em países como os Estados Unidos e vários da Europa, o produto também é vendido como suplemento em doses mais elevadas (de 0,3 mg a 5 mg) do que a aprovada pela Anvisa (0,21 mg por dia).
Na aprovação do uso, a Anvisa diz que o suplemento é destinado a pessoas maiores de 19 anos e não deve usado por crianças, gestantes e lactantes. Reforça que não foram aprovadas alegações de benefícios associados ao consumo da melatonina.
Produzida pela glândula pineal, localizada na região central do cérebro, o hormônio melatonina tem a função de regular o relógio biológico das pessoas.
Segundo o endocrinologista Bruno Halpern, chefe do centro de controle do peso do Hospital Nove de Julho, ele manda para o cérebro a informação de que a noite chegou e isso pode gerar um efeito sedativo no corpo. “À noite, a gente faz muitas outras coisas além de ter sono. O fígado diminui a produção de glicose, o pâncreas diminui a produção de insulina”, afirma.
Ele diz que, assim como outros hormônios, suplementos de melatonina só devem ser usados por pessoas que têm a redução dele no organismo e precisam da reposição. “Quem tem doença de tireoide, hipotireoidismo, se beneficia com o hormônio da tireoide. Que não tem, não vai. A ideia é a mesma.”
O neurologista e médico do sono, Lucio Huebra, membro titular da Academia Brasileira de Neurologia, afirma que não há evidências de que a reposição da melatonina seja eficaz contra insônia. “Nos guidelines [diretrizes] internacionais para insônia, a melatonina não é uma orientação de tratamento, não é uma boa opção. Eles trazem a evidência é fraca, há outras opções mais efetivas em que o benefício supera o risco.”
Huebra diz que há situações específicas em que a suplementação de melatonina pode ser útil, como naquelas em que o cérebro é exposto a horários diferentes daqueles em que o hormônio é produzido naturalmente pelo corpo.
Por exemplo, pessoas que lidam com problemas de fuso horário, o chamado jet lag. “O nosso corpo está costumado a produzir e liberar melatonina em um determinado horário. Se a gente muda de fuso horário, uma forma de se readaptar é tomando melatonina, para que o cérebro seja exposto a ela e defina um novo horário para dormir.”
Segundo Halpern, há algumas evidências positivas sobre o uso suplementar da melatonina em pessoas mais velhas com alterações do sono, que, em geral, têm deficiência do hormônio. “Acima dos 60 anos, a produção de melatonina cai muito, chega a ser um quarto da produção de um adulto jovem.”
Outra vantagem para esse público, afirma o médico, é que os suplementos de melatonina não alteram a arquitetura do sono, como a maioria dos hipnóticos. “Nesse sentido, é uma opção, mas é menos eficiente.” Pessoas com alguns tipos de cegueira também podem se beneficiar com a suplementação.
O endocrinologista também diz que muitas pessoas mais jovens, por viverem em ambientes mais iluminados e expostas a telas do celular e de computador, também podem apresentar déficit de melatonina e, em tese, poderiam ter algum benefício com a suplementação. “O corpo pode achar que a noite não é mais noite, que é dia. Isso tem influência não só no sono como em outras regulações metabólicas.”
Outra preocupação dos médicos é o fato de os suplementos de melatonina, assim como os outros produtos dessa categoria, não são submetidos a estudos bem controlados como aqueles exigidos para os medicamentos.
“A gente não sabe como é a farmacodinâmica e a farmacocinética delas. Você toma a melatonina e não vai funcionar como se fosse o próprio organismo fabricando-a. Você pode tomar e ter um pico precoce ou uma dose ser muito alta”, diz Halpern.
Huebra reforça com o exemplo de um estudo canadense que mostrou que suplementos de melatonina vendidos sem receita médica, nas gôndolas das farmácias, muitas vezes apresentavam doses diferentes daquelas descritas no rótulo, tinham doses variadas dependendo do lote e de cada cápsula ou ainda eram comercializados com outras substâncias estimulantes, como serotonina, cafeína e taurina.
De acordo com o neurologista, a substância é relativamente segura e não há relatos de efeitos colaterais graves com o uso. “São efeitos mais gerais, como dor de cabeça, náuseas, tontura, irritabilidade. Nos pacientes mais sensíveis, pode ter sonolência no dia seguinte.”
O uso inadvertido e prolongado da melatonina também pode, teoricamente, afetar a produção natural do hormônio no corpo. É o que se chama de feedback negativo, que todas as glândulas que produzem hormônio têm. Quanto mais hormônio se toma, mais o organismo vai deixando de produzir porque interpreta como se já houvesse o suficiente.
Para Huebra, outro risco da banalização do uso dos suplementos de melatonina é a pessoa não procurar um diagnóstico para a insônia e um tratamento eficaz. “São vários distúrbios de sono. Na visão do leigo é só ‘eu durmo mal’, mas, na verdade, há várias causas para isso e tratamentos diferentes.”
Na opinião do clínico-geral e médico da família Gustavo Gusso, professor da USP, mais importante do que usar suplementos de melatonina para dormir melhor é que a pessoa se esforce para fazer uma boa higiene do sono, que passa por mudança de estilo de vida.
Ele diz que esse é um ponto de difícil de convencimento. “As pessoas já chegam ao consultório pedindo Rivotril para dormir. Nós, médicos de família, vivemos uma batalha diária para convencer as pessoas a evitar medicação, estimular a higiene do sono, atividade física, meditação, terapia.”
Gusso afirma tentar convencer as pessoas explicando que o sono, assim como outras funções, é um exercício que exige treino. “Se você delega o sono para uma medicação, você perde a capacidade, a função de dormir.”
Segundo ele, é normal que as pessoas passem por fases de dificuldade de dormir, mas é saudável que entendam o que está acontecendo para poder corrigir a causa.
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