A inconsistência das medidas tomadas pelo governo João Doria (PSDB) para enfrentar a Covid-19 em São Paulo tornou sua estratégia ineficaz para controlar a transmissão do coronavírus, afirma um grupo de pesquisadores que monitora as ações estaduais desde o início da crise sanitária.
Na avaliação dos especialistas, o governo tem relaxado de forma prematura as restrições impostas a atividades que podem provocar aglomerações e acelerar a propagação da doença, e as mudanças frequentes dos critérios adotados para justificar as medidas reduzem a credibilidade do plano estadual.
Na sexta-feira (16), a gestão Doria anunciou o início de uma fase de transição para o relaxamento da quarentena, autorizando a reabertura do comércio e de vários serviços, num momento em que o estado continua registrando número elevado de novos casos de infecção e mortes causadas pelo vírus.
“As alterações constantes no plano estadual têm servido para flexibilizar restrições, e não para controlar a epidemia e proteger a população”, diz a cientista política Lorena Barberia, da Universidade de São Paulo, coordenadora do grupo responsável pelo monitoramento, ligado à Rede de Pesquisa Solidária.
Os pesquisadores desenvolveram um índice para acompanhar a evolução das medidas adotadas pelos governos estaduais, a partir da metodologia criada por um grupo da Universidade de Oxford no início da pandemia. O índice varia de 0 a 100, conforme o grau de rigidez das medidas e seu alcance territorial.
Segundo o estudo, o rigor da quarentena em São Paulo atingiu seu maior nível em julho do ano passado, quando o índice marcou 61. O afrouxamento das restrições fez o número cair para 18 em dezembro. Com as medidas adotadas para conter a onda de infecções deste ano, o índice chegou a 56 em março.
Isso significa que as medidas em vigor atualmente são menos rigorosas do que as tomadas em estágios anteriores da pandemia, apesar das evidências de que as novas variantes do coronavírus são mais contagiosas e mais letais do que as que deflagraram os primeiros surtos de Covid-19 no ano passado.
“Tudo que aprendemos nos últimos meses sugere que os riscos são maiores hoje do que nas fases anteriores da crise”, afirma Tatiane Moraes, da Fundação Oswaldo Cruz, vinculada ao Ministério da Saúde. “O que sabemos deveria levar à adoção de medidas mais rígidas, e não à sua flexibilização.”
Além de ampliar a relação de serviços e estabelecimentos comerciais que podem permanecer abertos por serem considerados essenciais, o governo modificou várias vezes as definições das fases do plano estadual, identificadas por cores, e os critérios para aplicação das medidas nas várias regiões do estado.
Para os pesquisadores, muitas mudanças foram feitas antes que houvesse tempo suficiente para avaliar a eficácia das restrições, o que teria contribuído para confundir a população e induzir o descumprimento das normas. A fase emergencial do plano, anunciada em março, durou 29 dias até ser abandonada.
As medidas tomadas para manter as pessoas isoladas em casa tornaram-se mais rígidas em março, com a adoção de toque de recolher das 20 horas às 5 horas. Mas as restrições a aglomerações públicas e eventos privados voltaram a ser afrouxadas, com a liberação de cultos em igrejas e templos religiosos.
Os pesquisadores também criticam o governo estadual por não ter investido na aplicação de testes em larga escala, que permitissem rastrear novos casos de infecção antes que sintomas mais graves se manifestassem, o que ajudaria a conter a transmissão do vírus e evitar o colapso do sistema de saúde.
Na avaliação do grupo, os testes ofereceriam parâmetros mais adequados para a definição das medidas restritivas do que os indicadores usados pelo governo estadual, que incluem o número de novos casos e mortes e a ocupação das unidades de terapia intensiva que tratam doentes mais graves nos hospitais.
“Testes em larga escala permitiriam entender melhor a evolução da doença, disparar alarmes mais cedo e avaliar os riscos antes de reabrir o comércio e retomar outras atividades”, diz Moraes. “A sobrecarga da rede hospitalar hoje é reflexo de infecções que ocorreram há semanas e não tinham sido detectadas.”
A Organização Mundial da Saúde recomenda que as autoridades só relaxem a quarentena quando os testes realizados na população alcançarem uma taxa de positividade de 5% e ela for mantida por duas semanas nesse nível –isto é, quando somente 5 de cada 100 exames indicarem resultado positivo.
Em São Paulo, essa taxa atingiu 43% em março, patamar mais alto desde o início da pandemia. Ela sugere que os testes feitos se limitam a apontar tardiamente os casos mais graves e não contribuem para uma investigação mais profunda que permita controlar a transmissão, dizem os pesquisadores.
As estatísticas das últimas semanas apontam uma desaceleração no ritmo de disseminação do vírus e de novas mortes em São Paulo, assim como uma redução das taxas de ocupação das UTIs dos hospitais, mas os números ainda se encontram em patamares muito superiores aos observados no ano passado.
De acordo com a escala adotada pelas recomendações da OMS, o nível de contágio em São Paulo ainda é muito preocupante e exige medidas para restringir a circulação das pessoas e limitar seus contatos. “Uma estratégia mais eficiente permitiria poupar vidas e proteger melhor as pessoas”, afirma Moraes.
Embora o estado tenha dado a largada na vacinação contra a Covid-19, o processo de imunização da população tem sido lento –somente 8% dos paulistas adultos receberam as duas doses da vacina até agora. “Isso significa que ainda é muito cedo para desconsiderar os riscos de contágio”, diz Barberia.
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