SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Relatos de agressão, recusa no trabalho por ser mulher e invasão de casas feitos por jornalistas nos últimos dias têm se mostrado uma contradição às garantias feitas pelo Talibã de liberdade de imprensa e direitos das mulheres após a tomada de poder no Afeganistão.
Um desses casos é o de Shabnam Dawran, que contou em vídeo publicado nas redes sociais ter sido impedida de trabalhar na emissora estatal afegã RTA, na qual atuou nos últimos seis anos. Ela relatou que teve o acesso negado à Redação, enquanto seus colegas homens mantiveram sua rotina normalmente.
“Não me dei por vencida após a mudança de regime e me dirigi ao escritório e, infelizmente, não tive permissão para entrar”, afirmou a apresentadora de telejornal, usando um hijab -véu que cobre o cabelo, mas deixa o rosto à mostra. “Aqueles que estão me ouvindo, se é que o mundo me ouve, ajudem-nos, pois nossas vidas estão ameaçadas.”
Seu colega de emissora Sahar Nasari, também apresentador, escreveu no Facebook nesta quinta (19) que talibãs pegaram sua câmera e agrediram um colega durante a gravação de uma reportagem em Cabul. “Ficou claro que existe uma lacuna entre ação e palavras.”
As palavras vieram do porta-voz do grupo fundamentalista islâmico, Zabihullah Mujahid, na primeira entrevista coletiva após a tomada do poder, na terça (17). Estariam garantidos liberdade de imprensa e proteção dos direitos das mulheres –dentro do “arcabouço do Islã”–, em uma tentativa de se mostrar moderado.
Durante os cinco anos em que esteve no poder, entre 1996 e 2001, o Talibã tinha mulheres como alvo prioritário da repressão brutal que os fundamentalistas islâmicos exerciam baseados numa leitura extremista do Corão.
As promessas de uma liberalização maior, no entanto, têm contrastado com relatos de diversos observadores de mídia sobre jornalistas afegãos agredidos, assediados ou que tiveram suas casas invadidas nos últimos dias, além daqueles feitos pelos apresentadores da RTA.
A Coalizão para Mulheres no Jornalismo relatou ter recebido inúmeros pedidos de ajuda de mulheres jornalistas no Afeganistão desde o retorno do Talibã ao poder. A organização afirmou que mantém contato com várias mulheres que disseram se sentir ameaçadas em suas casas.
Já um editor da agência de notícias Pjhwok, em Cabul, disse à Reuters, sob condição de anonimato, que uma autoridade do grupo extremista recomendou que as 18 repórteres trabalhassem de casa até que as regras sobre a presença de mulheres no trabalho.
Um repórter da agência estatal Bakhtar também contou à Reuters quase ter ficado paralisado quando um talibã armado entrou na Redação nesta quinta. Ele se dirigiu à sala do editor, que depois disse aos jornalistas que o site precisa de um novo olhar e que em breve seria discutido como as histórias são contadas.
“O Talibã precisa se manter fiel ao seu compromisso público de permitir a imprensa livre e independente em um momento em que a população do Afeganistão desesperadamente precisa de informações e notícias confiáveis”, defendeu Steven Butler, do Comitê de Proteção para a Proteção de Jornalistas.
Mesmo aqueles que não tenham sido vítimas de perseguição mostram desconfiança da promessa talibã. Saad Mohseni, que chefia o grupo de mídia Moby, dono da Tolo, principal emissora privada de notícias, disse que os repórteres não foram prejudicados e que as jornalistas mulheres continuavam a trabalhar. Houve mesmo algo impensável durante o período anterior do grupo extremista no poder: uma entrevista de uma autoridade talibã a uma apresentadora.
Para Mohseni, por outro lado, o futuro ainda é incerto. “A atitude de deixar fazer é mais um reflexo de não ter restrições suficientes do que uma política específica de que eles vão permitir que a imprensa siga seu trabalho habitual”, avaliou. “Então eu não me empolgaria muito. Faz apenas 72 horas que tomaram a cidade.”
Ainda que profissionais da imprensa sejam visados no mundo todo, especificamente em tempos de convulsão social, a questão é ainda mais sensível no Afeganistão, onde a liberdade da mídia e expressão e os direitos das mulheres são vistos como conquistas obtidas após duas décadas de guerra –e presença ocidental.
Desde que o Talibã foi retirado do poder pelos EUA, em 2001, o cenário da imprensa no país passou de uma única rádio estatal que basicamente transmitia convocações para rezas e ensinamentos religiosos para cerca de 170 emissoras de rádio, mais de cem jornais e dezenas de canais de televisão.
Assim, alguns jornalistas se preocupam que restrições e censura atinjam esse cenário florescente no país. Já há relatos de mudanças feitos moradores, como emissoras de TV removendo música e programas ocidentais e de entretenimento.
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