ITALO NOGUEIRA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Principal obra da nova passagem de Eduardo Paes (PSD) à frente da Prefeitura do Rio de Janeiro, o anel viário de Campo Grande tem sofrido com atrasos e indícios de superfaturamento, segundo o Tribunal de Contas do Município (TCM).
Vistoria realizada por auditores do TCM, aprovada em março pelos conselheiros, apontou indícios de pagamentos por valores mais caros do que os serviços efetivamente prestados pela empresa responsável pela obra. O prejuízo alcança, segundo o relatório, mais de R$ 1 milhão.
A maior parte da obra é tocada pela OEC (Odebrecht Engenharia e Construção), construtora da Novonor (antiga Odebrecht), atualmente em recuperação judicial. Ela venceu duas licitações para as principais intervenções sem ter concorrentes, assumindo contratos que somam R$ 597 milhões -76% dos R$ 781,9 milhões de todo o projeto.
Os dois contratos tinham previsão de encerramento em março, mas sofreram prorrogações e têm novo prazo de conclusão em dezembro. Entre os motivos apontados para o atraso estão demora nas desapropriações, na transferência de redes elétrica e de água, e a crise financeira da empreiteira.
Em nota, a Secretaria Municipal de Infraestrutura afirmou que questionamentos do TCM são discutidos com a corte e, caso verificado equívoco, os valores são descontados dos pagamentos à empreiteira. A pasta afirmou também que ajustes de projetos “são recorrentes a obras deste porte”.
Procurada, a OEC afirmou que não vai se manifestar.
O anel viário visa desafogar o trânsito de Campo Grande, bairro mais populoso da cidade, na zona oeste. Além de melhoria de vias, ele prevê a construção de dois túneis e um mergulhão, já inaugurado. Diferente das obras das primeiras gestões de Paes, ele não inclui novos equipamentos ou ampliação de transporte público, como corredores de ônibus.
Previsto há alguns anos, o projeto foi autorizado em 2022 por Paes numa área em que ele teve seu pior desempenho eleitoral em 2020, quando foi eleito para o terceiro mandato. Ao ser reeleito no ano passado, o prefeito viu sua votação se ampliar na região.
Relatório recém-aprovado pelo TCM apontou irregularidades no pagamento à OEC. A principal divergência se dá no faturamento da obra do mergulhão da avenida Cesário de Melo, inaugurado em julho de 2024.
De acordo com os auditores, o serviço foi considerado uma escavação em rocha, que exige uma operação mais complexa. Contudo, a vistoria identificou que a área era composta por argila e areia, de remoção mais simples e barata.
Segundo o relatório, o serviço em rocha é 37 vezes o valor do trabalho em argila. Eles calcularam o prejuízo em R$ 793,7 mil. Os auditores também viram um pagamento em duplicidade pelo serviço, que teria levado a um prejuízo de R$ 132 mil.
O tribunal também detectou um possível superfaturamento na retirada dos resíduos da obra. Os auditores identificaram que os relatórios do “bota-fora”, como é chamado o serviço, indicavam volumes acima da capacidade dos caminhões utilizados nos canteiros.
Enquanto os veículos apresentam capacidade de transporte de 12 toneladas, os relatórios de pagamentos dos caminhões apresentavam média de 20 a 27 toneladas por viagem.
O superfaturamento no “bota-fora” foi calculado em R$ 209 mil.
Em todos os três casos apontados, a secretaria apontou justificativas que foram consideradas insuficientes pelos auditores.
Apenas em um quarto item, na medição de uso de concreto, a secretaria reconheceu o erro e informou ao TCM ter descontado o valor correspondente nos pagamentos seguintes à empreiteira. O superfaturamento, nesse caso, foi calculado em R$ 677 mil.
Durante a licitação, o TCM também questionou item do edital que impedia a formação de consórcios com mais de três empresas. À época, a prefeitura argumentou que a regra visava evitar a “participação de empresas com porte muito pequeno, implicando em um possível risco para um empreendimento de grande complexidade técnica”.
A OEC acabou não tendo concorrentes e, um ano depois, já durante a execução do contrato, entrou em recuperação judicial.
A situação financeira foi um dos motivos para a ampliação dos prazos da obra. A prefeitura isentou por 17 vezes a empreiteira de pagamento de multa em razão do não cumprimento do cronograma estabelecido em contrato.
VALORES CONSIDERADOS INDEVIDOS SERÃO RESSARCIDOS, DIZ PREFEITURA
A Secretaria Municipal de Infraestrutura afirmou que os questionamentos do TCM “são respondidos e discutidos com a Corte, como ocorre em diversas outras obras”.
“Quando esgotadas as discussões e, caso seja identificado algum equívoco, os valores eventualmente considerados indevidos são ressarcidos por meio de glosas em medições posteriores, conforme prevê a legislação vigente”, afirma a pasta.
Em relação à isenção de multa à OEC por atraso no prazo estabelecido, a gestão Paes afirmou que os abonos “se justificam em função de fatores como a necessidade de remanejamentos de redes elétricas, de água, gás, desapropriações e ajustes de projetos que são recorrentes a obras deste porte”.
“Essas medidas visam sempre minimizar os impactos no andamento da obra, mantendo a viabilidade do cronograma global”, disse a secretaria.
A pasta afirmou ainda que já foram entregues o mergulhão da avenida Cesário de Melo e rotatórias da rua Artur Rios e da Estrada da Caroba.
O município afirmou ainda que “a limitação de consórcios com mais de três empresas teve como objetivo garantir a contratação de grupos com capacidade técnica e financeira compatível com a complexidade das obras”.
“No momento da licitação, a OEC não estava em recuperação judicial. Ainda assim, não existe nada na legislação que impedisse a participação da empresa no certame. As duas licitações vencidas pela OEC ocorreram dentro do devido processo legal e em total obediência à legislação e ao princípio da ampla concorrência.”