LÚCIA GUIMARÃES
NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) – O fim da primeira fase do julgamento do magnata do rap Sean “Diddy” Combs, em Manhattan, por crimes federais como extorsão e tráfico sexual, foi adiado desta sexta (9) para a manhã da próxima segunda-feira (12).

 

Ao longo desta semana, um grupo de 45 pessoas passou por uma seleção a partir perguntas detalhadas sobre imparcialidade, das quais serão escolhidos 12 jurados e seis possíveis substitutos.

Mas, em vez de serem convocados já nesta sexta, o metódico juiz federal Arun Subramanian, que preside o caso, decidiu que o júri só será anunciado uma hora antes do começo dos argumentos da acusação e da defesa, na segunda. A justificativa foi de que, durante o fim de semana, os escolhidos poderiam ficar com medo e tentar ser dispensados.

O julgamento pode durar até seis semanas. Todos os jurados são, como determina a lei, residentes do estado de Nova York. Foi um processo incomum, dada a fama e a influência do acusado na cidade que fez dele o segundo bilionário do hip-hop -o primeiro foi Jay-Z, antes seu parceiro de esbórnia em festas épicas, que hoje foge de qualquer associação com Diddy.

E a busca pela virtude jurídica da imparcialidade entre os jurados foi complicada para quem viu o vídeo de 2016 registrando o violento espancamento da cantora Cassie Ventura no corredor de um hotel. Sean Combs gravou um pedido de desculpas, postado logo após a gravação ser divulgada.

Após ser formalmente acusado pela Justiça federal, Sean Combs foi denunciado por intimidação de testemunhas.

Na terça-feira (6), a advogada Nicole Westmoreland engordou a equipe de defesa do rapper. Sabe-se, há semanas, que a adesão de uma mulher negra ao caríssimo time de advogados era procurada por um réu negro acusado de violência sexual que desafia a imaginação mais escatológica. Pesou, ainda, o fato de ela ter revelado suas credenciais de trunfo político-sexual -é sobrevivente de um estupro ocorrido no começo do milênio, num estúdio de hip-hop em Atlanta.

Será que Westmoreland será escolhida para interrogar a mulher que os autos do processo descrevem como a “vítima número 1”? Trata-se da cantora Cassie Ventura, a ex-namorada de Combs, que deu a partida para o encontro do rapper com a Justiça, ao processá-lo, no final 2023, e receber uma indenização estimada em sete dígitos -no mínimo, US$ 9 milhões, ou R$ 50 milhões.

É difícil imaginar narrativa mais incongruente entre duas mulheres não brancas. Cassie Ventura, afinal, tem origem filipina e afro-americana, está no terceiro trimestre de gravidez e que documentos sobre ter sido espancada, estuprada e forçada a fazer sexo com estranhos enquanto era gravada por “Diddy”. Agora, ela poderá ser agressivamente questionada pela advogada de defesa que, estuprada no passado, passou a se apresentar como protetora de vítimas de abuso sexual. A ironia, não é raro, morre em tribunais.

Uma estratégia da defesa, que os promotores certamente contestarão, será a da violência mútua -Cassie Ventura apanhava e batia bem. Seria uma variação do argumento infeliz, avançado por Nelson Rodrigues, de que só as mulheres normais gostam de apanhar? Pode-se supor que a defensoria de Sean “Diddy” Combs é monoglota e pusilânime demais para mergulhar em nuances sobre a dinâmica da violência familiar?

Num momento, antecipando o drama que deve tomar o julgamento, o juiz Subramanian declarou: “Pessoas fortes podem sofrer coerção, tanto quanto pessoas fracas.”

A estratégia remete ao espetáculo do confronto dos atores Johnny Depp e Amber Heard, num tribunal, em que o pirata do Caribe prevaleceu, em 2022, mas era indigesto torcer por um vitorioso, tal a sordidez dos testemunhos oferecidos pelos lados opostos.

Uma testemunha citada como “vítima número 3” parece estar evitando qualquer contato com os promotores e pode não comparecer ao tribunal. É uma mulher que iria testemunhar sobre ter sofrido coerção e ter sido explorada para participar de atos sexuais. Não sabemos se foi recompensada ou se concluiu que o risco para sua segurança pessoal era alto demais.