Fazer compras pela internet nunca foi tão fácil e popular, especialmente em tempos de pandemia, quando inúmeras lojas físicas fecharam suas portas e começaram a atender online.
Ainda assim, milhares de encomendas acabam não chegando aos consumidores que vivem em favelas e bairros favelizados, como em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo (SP).
Na capital paulistana, maior e mais rica cidade do Brasil, as encomendas não sobem os morros das favelas nem entram em áreas consideradas de risco, como os bairros Parelheiros, Brasilândia e Itaim Paulista.
De acordo com relatos ouvidos pela BBC Brasil, pessoas que vivem nessas regiões precisam pedir para que seus produtos sejam entregues em bairros vizinhos, considerados “seguros” pelos serviços de entrega, como os Correios.
Disposto a mudar esse panorama, Giva Pereira, 21 anos, morador de Paraisópolis, desenvolveu o Favela Brasil Xpress. A iniciativa funciona como uma rede de entregadores que moram na própria favela. Eles fazem as entregas onde todas as outras transportadoras não conseguem entrar – ou fazem questão de nem tentar.
Giva conta que a empresa foi fundada em setembro do ano passado, no auge da pandemia, visando possibilitar que as doações feitas durante a quarentena chegassem às casas dos moradores da segunda maior favela de São Paulo.
“Definimos que a cada 50 casas da favela haveria um morador voluntário, que chamamos de presidente, para monitorar as necessidades de cada família. Eles analisavam quem mais precisava de cesta básica, marmita e doações. Mas, por medo de serem assaltados, por conta do preconceito com a favela e pelo receio de se contaminar com o coronavírus, muitos doadores não subiam o morro e nós mesmos montávamos as cestas básicas e entregávamos”, explicou.
Toda essa coordenação cria uma rede de logística “natural” dentro da favela. Antes, os voluntários buscavam os itens nas casas ou empresas doadoras para levar até Paraisópolis, onde eram distribuídos de porta em porta para as famílias mais necessitadas, identificadas pelos presidentes de rua.
“A comunidade de Paraisópolis teve um crescimento desordenado muito grande desde o seu surgimento e isso causou uma desorganização dos números das casas. O entregador coloca o endereço no GPS, mas não encontra. Já os moradores conhecem tudo e entregam sem problemas.”, afirmou o empreendedor paulistano.
De olho no crescimento acelerado do e-commerce, Giva começou a fazer parcerias com as empresas para que os próprios moradores fizessem as entregas.
Centro de distribuição
Na entrada de cada região onde os serviços de entrega não têm restrições, um centro de distribuição é implantado.
No local, seja ele um contêiner ou uma sala, são armazenadas as mercadorias a serem entregues pelo Favela Brasil Xpress.
Após a compra virtual, o consumidor precisa apenas colocar o endereço da casa dele. A passagem pelo centro de distribuição é feita de maneira automatizada, sem custos extras.
Nos últimos quinze meses, o Favela Brasil Xpress fechou parceria com Americanas, Dafiti, Total Xpress e Via Varejo.
Recentemente, o projeto levou o Prêmio BBM de Logística, tido como o Oscar do setor, na categoria “startup”.
Segundo um levantamento feito pela consultoria Outdoor Social Inteligência, nas 15 maiores favelas do país, 38% dos entrevistados disseram que fazem compras online, principalmente no setor de vestuário. Isso representa que 62% deste público ainda não compra e não é assistido pelo comércio digital.
Esse é o mercado que Giva busca ganhar. A infraestrutura ele já tem: são 90 pessoas contratadas apenas em Paraisópolis – quase metade com carteira assinada, que vivem na própria favela.
Desde o início deste ano, o projeto já foi implantado em Heliópolis, a maior favela de São Paulo, na Cidade Julia (em Diadema), no Capão Redondo (zona sul da capital), além das favelas da Rocinha e Vila Cruzeiro, ambas no Rio de Janeiro.
O sucesso do empreendimento tem atraído bastante atenção de outras empresas e investidores, segundo Giva. É apenas uma questão de tempo até o Favela Brasil Xpress chegar em outras regiões do nosso país.
“Isso é uma prova de que a favela consome no mercado online. Antes, o morador fazia a compra e colocava o endereço do trabalho ou de alguém que morasse fora da comunidade. Hoje, ele vai colocar o CEP dele, pagar o preço normal e receber na porta de casa”, contou o jovem empreendedor.
Em entrevista à BBC Brasil, Andre Miceli, coordenador do MBA de marketing digital na Fundação Getúlio Vargas, disse que aplicativos e startups criados em contextos sociais para resolver problemas da comunidade serão grandes geradores de riqueza no futuro.
“Qualquer grupo social que se reúna sobre uma característica em comum cria espaço para uma oferta de conteúdo, porque ele usa o assunto para capturar a atenção das pessoas daquele grupo. Do ponto de vista de negócio, faz todo o sentido e a gente deve ver uma expansão desse tipo de solução nos próximos anos”, afirmou.
Andre frisou também que há um grande espaço para o crescimento desse tipo de iniciativa.
“Será cada vez mais comum ver empresas grandes tentando participar desses projetos. Mas as iniciativas locais levam vantagem porque ela tem a linguagem, o conhecimento daquele grupo e a noção do que desperta o interesse dela. Essa proximidade faz toda a diferença”, completou.
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Fonte: Isto É
Fotos: André Silva / Agência Cria Brasil
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