PAULO EDUARDO DIAS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cidade de São Paulo tem assistido assustada a uma sequência de atos de violência realizados por ladrões em motos. As cenas são idênticas, com criminosos se aproximando em motocicletas e exigindo pertences. Por vezes, o bandido atira e mata a vítima, o que configura o crime de latrocínio.
A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) diz reorientar o policiamento a cada nota para comentar sobre uma ocorrência em questão. É comum, após casos de crimes, ver viaturas da PM entorno de onde ocorreu o ataque, em uma tentativa de aumentar a sensação de segurança.
Na opinião de Guaracy Mingardi, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apenas colocar policiais militares em cada esquina da cidade não resolve os problemas como roubos, que migram para outros cantos menos policiados.
“O crime se combate com investigação. O ladrão da zona sul não vai até a zona leste para roubar. O ladrão comum atua mais ou menos na região que ele conhece, sabe as rotas de fuga. Não dá para você conter. Não adianta só pôr PM na rua, porque depende de estar no lugar certo, na hora certa”, afirma o pesquisador.
Entre o local em que o agente de trânsito José Domingos da Silva, 48, foi morto na manhã do dia 13 e onde o suspeito de ter atirado nele foi preso, na última quarta-feira (26), há uma distância de apenas 6 km. De moto, como o criminoso fugiu, são 14 minutos. Silva foi baleado enquanto trabalhava na rua Osiris Magalhães de Almeida, na Vila Sônia, zona oeste da capital. O suspeito foi localizado após investigação do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) em Taboão da Serra, cidade vizinha.
Mingardi traçou o perfil de quem comete os roubos, geralmente, jovens. “Não é bandido que rouba banco, é o sujeito novo, que não sabe como fazer aquilo. Acaba matando por ser idiota ou estar drogado. A finalidade é o roubo”, analisa.
Consultor sênior do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani também sugere investir na polícia investigativa. “O roubo de celular deixou de ser um crime isolado e passou a fazer parte de uma cadeia maior, com vários envolvidos, desde quem desbloqueia o aparelho até quem realiza as fraudes, recruta laranjas e movimenta o dinheiro”, afirma. Ele aponta o aumento na circulação de armas, com o afrouxamento das regras durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), como um fator que pode ter contribuído para o aumento dos latrocínios.
“É claro que o patrulhamento de rua tem seu papel, mas sozinho não dá conta. Nenhum lugar do mundo consegue evitar todos os roubos só com viatura na rua. Em São Paulo, o que falta é uma atuação mais robusta da Polícia Civil, com foco em investigação e inteligência”, opina.
Na visão dele, essa participação investigativa até ocorre, mas quando o crime termina em tragédia ou em casos de grande repercussão. “É preciso mudar esse cenário. Investigações precisam começar antes que o pior aconteça. Revisar boletins de ocorrência em massa, identificar padrões, priorizar criminosos reincidentes e armados, além de mapear e desarticular a rede de receptadores e fraudadores que dão sustentação a esse mercado ilegal.”
Na mesma linha, Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), diz ser necessário oferecer melhores condições de trabalho aos policiais que investigam quadrilhas que praticam roubos, principalmente de motos e celulares.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública do estado afirma reconhecer que a dinâmica criminal exige adaptações constantes, que as polícias Civil e Militar seguem ajustando suas estratégias e que trabalha de forma ininterrupta para combater crimes e garantir a segurança da população.
“As forças policiais têm intensificado operações para coibir roubos e furtos, especialmente os praticados por criminosos em motocicletas. Como resultado, os roubos tiveram uma redução de 13% na capital em janeiro deste ano, com 435 ocorrências evitadas em comparação ao mesmo período de 2024”, diz a pasta da do governo Tarcísio.
Ainda de acordo com a SSP, a Operação Impacto aumentou as abordagens e fiscalizações de motocicletas para impedir o uso desses veículos em ações criminosas. Desde o início da atual gestão, 221.681 infratores foram detidos e 2.696.432 motocicletas foram vistoriadas.
“Sobre a violência em determinados crimes, como os latrocínios, a SSP destaca que cada caso é analisado minuciosamente pelo programa SPVida, permitindo a elaboração de estratégias específicas para combater esses delitos. Em janeiro deste ano, os latrocínios caíram de 7 para 4 casos. As forças policiais seguem atuando com prioridade para identificar e prender os responsáveis.”
Segundo levantamento do Justa, centro de pesquisa com atuação no campo de economia política de Justiça, gastos do governo paulista destinados à segurança pública mostram mais dinheiro para a PM.
Em 2023, a Polícia Militar recebeu R$ 10,5 bilhões, a Polícia Civil, R$ 4,3 bilhões, e a Polícia Técnico-Científica, R$ 721 milhões.
Já para a desembargadora Ivana David, que atua no Tribunal do Júri de São Paulo há mais de três décadas, o foco precisa estar mesmo na Polícia Militar, ou seja, em quem está nas ruas diuturnamente.
“Entre tantos caminhos impostos, inclusive por convenções internacionais de que o Brasil é signatário, o grande desafio, na minha visão, é a prevenção. O estado tem que se antecipar ao criminoso. Concretamente, policiamento preventivo e repressivo. Não é por outro motivo que o próprio STF reconheceu a atribuição de ‘policia preventiva’ e ostensiva para as guardas-civis”, afirma.
Convivendo o dia a dia da violência na capital, uma delegada que preferiu não se identificar diz que os crimes têm se tornado mais violentos porque os autores partiram para o tudo o nada. Ela disse que ser preso por roubo ou pelo roubo seguido de morte não faz muita diferença para o bandido, que não teme a polícia e o Judiciário e se aproveita de brechas legais para escapar da punição.
A legislação também é mencionada por um coronel da Polícia Militar de São Paulo. Durante a conversa com a reportagem, ele aponta o problema da recorrência criminal -quando um criminoso comete o delito, é detido, mas liberado após audiência de custódia. Assim, ele comete mais crimes sucessivamente.
No entendimento do coronel, as câmeras corporais nos uniformes de PMs são importantes e não devem ser apenas uma forma de coibir a violência policial, mas também para produzir provas de como o criminoso agiu e como as vítimas ficaram depois dos ataques, de modo a subsidiar a decisão dos juízes nas audiências.