LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – A insatisfação com os rumos políticos do Brasil está turbinando o interesse nas mudanças para Portugal. Imobiliárias, escritórios de advocacia e consultorias especializadas relatam um aumento expressivo da procura após o resultado do primeiro turno das eleições.
Dados da plataforma Google Trends indicam que o volume de pesquisas para os termos “mudar para Portugal” e “como morar em Portugal” disparou em 3 de outubro, dia seguinte ao pleito.
Especializada na mudança de brasileiros para o país, Patrícia Lemos, da consultoria Vou Mudar para Portugal, notou um aumento específico no segmento de alto padrão, com clientes interessados em imóveis a partir de EUR 2 milhões (cerca de R$ 10,3 milhões).
“Foi impressionante, nós não esperávamos essa procura toda com as eleições. Houve um aumento de 140% na busca por imóveis em Portugal”, diz a empresária. “São pessoas bem estabelecidas, que se dizem insatisfeitas com a política e que querem mudar com a família toda.”
O resultado das eleições presidenciais, com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na liderança, mas com Jair Bolsonaro (PL) com votação expressiva, parece ter desagradado eleitores de todos os espectros políticos.
“São dois candidatos com muita rejeição. Seja qual for o resultado das urnas, vai ter muita gente insatisfeita. Essas pessoas já estão pensando em uma alternativa”, diz Lemos.
Sob condição de anonimato para não comprometer os negócios, duas corretoras brasileiras especializadas no segmento premium em Portugal afirmaram ter notado interesse especial na compra de imóveis por empresários simpáticos a Bolsonaro.
A decisão de sair do Brasil por questões políticas não é novidade entre as elites, mas, até bem pouco tempo, os Estados Unidos costumavam liderar a preferência dos insatisfeitos. Em 2014, por exemplo, o jornal americano The Wall Street Journal fez uma extensa reportagem dos brasileiros que migraram para Miami após a derrota de Aécio Neves para Dilma Rousseff.
Além da língua em comum, Portugal tem outra vantagem competitiva em relação aos EUA: uma generosa política de incentivos fiscais.
Estrangeiros com atividades consideradas de “alto valor agregado” podem requerer um estatuto especial, que garante o pagamento de uma taxa fixa de apenas 20% sobre os rendimentos –bem abaixo do que é normalmente praticado no país e em outros Estados-membros da União Europeia. A lista de profissões contempladas é longa, e inclui médicos, arquitetos, engenheiros, designers, psicólogos, entre outros.
Advogada especialista em questões migratórias, Anna Araújo diz que, desde o primeiro turno das eleições, houve um aumento significativo da procura por informações sobre vistos e nacionalidade europeia.
Também houve aumento nos pedidos de revalidação de diplomas, principalmente na área da saúde.
“É um movimento que não é exclusivo das pessoas que apoiam um ou outro candidato. Está acontecendo nos dois lados. Há um sentimento de insatisfação enorme”, diz Araújo. Segundo ela, cresceu ainda a demanda de empresários que buscam orientações para internacionalizarem –ou mesmo migrarem de vez para a Europa– seus empreendimentos.
O aumento na procura de Portugal como destino para os insatisfeitos com a política brasileira também foi sentido pela TR Advogados, que avalia que o movimento começou já após a definição de que a disputa à Presidência ficaria claramente entre Lula e Bolsonaro.
“Entre nossos clientes, as consultas giram em torno da obtenção de nacionalidade portuguesa ou de autorizações de residência, especialmente para investimento”, diz Angela Theodoro, sócia do escritório.
Segundo ela, um dos principais investimentos buscados pelos brasileiros insatisfeitos é o chamado visto gold, cuja principal forma de obtenção é a compra de imóveis de pelo menos EUR 500 mil euros (R$ 2,56 milhões).
O interesse pós-eleitoral em uma mudança para Portugal pode ajudar a engrossar a já crescente comunidade brasileira no país. Números do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras indicam que, até junho de 2022, havia cerca de 252 mil brasileiros com residência legal no país. A cifra é 220% maior do que a registrada em 2016, quando havia 81.251 residentes oficiais.
As estatísticas não contabilizam como brasileiros pessoas com dupla cidadania de Portugal ou de outro país da União Europeia. Pessoas que estão em situação migratória irregular também não entram no levantamento.
Associações de apoio a imigrantes estimam que haja pelo menos 400 mil brasileiros em Portugal.
A tendência de crescimento deve se manter elevada, uma vez que o governo português acaba de lançar novas modalidades de vistos para atrair sobretudo trabalhadores oriundos de países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Entre as novas permissões recém-aprovadas está a criação de um visto especial para quem busca emprego e outro dedicado a nômades digitais. Na primeira modalidade, estrangeiros tem prazo de 120 dias, prorrogável por mais 60, para serem contratados. Caso não consigam um emprego nesse período, devem obrigatoriamente sair do país.
Já o segundo tipo abrange freelancers ou profissionais contratados, que precisam apresentar documentos que comprovem vínculo empregatício ou de prestação de serviços. Em todos os tipos de visto, autoridades também farão uma verificação de antecedentes criminais –no Brasil e em Portugal.
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