(FOLHAPRESS) – Desde que entrou em vigor a Lei de Segurança Nacional em Hong Kong, em 2020, que tipificou e endureceu a pena para crimes como terrorismo, subversão e secessão e foi usada para perseguir dissidentes políticos, Alex Chow, 31, não pisa em sua cidade natal.
“Pensei em voltar e, se for preso, cumprir a pena e depois ficar livre para viver e morrer no meu país. Mas a ideia é aterrorizante. Por quanto tempo eu ficaria preso? Ninguém sabe, não há nenhuma garantia de um processo justo”, diz o ativista, figura-chave dos atos pró-democracia desde 2014, hoje exilado nos EUA.
O medo de Chow, que chegou a ir para a prisão por três meses em 2017, é voltar a se somar aos 1.036 presos políticos que o território tem hoje. Os dados são do Hong Kong Democracy Council (HKDC), entidade com sede em Washington, nos EUA, e formada por expatriados como ele.
Esse número inclui líderes políticos, representantes de ONGs e de sindicatos, jornalistas, professores e advogados, entre outros. De acordo com o órgão, mais de 75% dos presos têm menos de 30 anos.
Hoje, 25 anos após Hong Kong ser devolvida a Pequim, depois de um século e meio sob domínio britânico, a cidade tem visto disparada da repressão à dissidência política. Em 2019, antes dos protestos que paralisaram a região administrativa chinesa, havia apenas 26 pessoas presas por motivos políticos.
Ainda segundo o HKDC, desde 2021 mais de 70 órgãos civis foram fechados, como entidades estudantis, religiosas, políticas, sindicatos e ONGs de direitos humanos, em violação do direito à livre associação.
A repressão também ocorre de maneiras mais sutis. Na quarta (29), Pequim proibiu dez jornalistas de acompanharem as celebrações dos 25 anos da reanexação, incluindo representantes de agências estrangeiras como Reuters e AFP, além de nomes do portal honconguês South China Morning Post.
Os veículos foram “convidados” a enviar outros representantes, afirma o governo, mas eles precisariam cumprir quarentena para entrar no país, o que inviabilizaria a cobertura de qualquer maneira.
Com a presença do líder do regime comunista, Xi Jinping, o evento marcou a passagem de bastão da chefe do Executivo local, Carrie Lam, para seu sucessor, John Lee, no que tem sido visto por analistas como um sinal de que a repressão não vai diminuir no futuro próximo.
Lee, 64, comandou a segurança pública de Hong Kong de 2017 a 2021, no período de maior repressão aos protestos pró-democracia, e será o primeiro oficial de segurança a assumir o comando do território.
Lam, por sua vez, deixa o governo após cinco anos como a responsável por enterrar de vez a promessa de que Pequim respeitaria o modo de vida dos honcongueses até 2047, com liberdade de expressão e de imprensa, sob o princípio do “um país, dois sistemas”, acordado na devolução da cidade à China.
Ao menos desde 2003, Pequim reiteradamente endureceu o domínio sobre Hong Kong, mas nada comparado à Lei de Segurança Nacional, que sufocou as manifestações contrárias ao regime comunista.
Desde então, a cidade tem registrado o que dissidentes chamam de diáspora, e a gestão local conta 117,4 mil habitantes a menos entre 2019 e 2021. Alguns países como Reino Unido, Canadá e Austrália criaram programas de asilo político. Só no Reino Unido, cerca de 100 mil honcongueses ganharam visto de residência nos primeiros 12 meses após o governo britânico abrir essa possibilidade, em 2021.
Para Li Xing, professor de relações internacionais da universidade de Aalborg, na Dinamarca, a Lei de Segurança Nacional foi a maneira definitiva que o regime chinês encontrou para lidar com os protestos que, segundo ele, se tornavam mais e mais violentos. Segundo o especialista, é preciso entender os protestos pró-democracia sob a ótica do aumento da rivalidade entre China e potências do Ocidente.
“Todo país tem leis de segurança nacional. Os Estados Unidos proíbem empresas chinesas alegando risco à segurança nacional, como a Huawei”, afirma Xing, dizendo que os manifestantes honcongueses recebiam ajuda do exterior, inclusive em equipamentos como máscaras contra bombas de gás.
Outro fator que o professor aponta para entender as manifestações pró-democracia é uma espécie de ansiedade que tem recaído principalmente sobre os mais jovens pela estagnação da economia da ilha, que desde o fim do século passado cresce em ritmos muito inferiores ao da China continental.
No primeiro trimestre deste ano, enquanto boa parte do mundo se recuperava da pandemia, Hong Kong registrou queda de 3% do PIB em relação ao trimestre anterior, agravado pelo surto de Covid que paralisou a cidade. A taxa de desemprego, antes ao redor dos 3%, está acima de 5% -após chegar a 7% em 2021.
Evandro Menezes de Carvalho, doutor em direito internacional e professor da FGV e da UFF, afirma que o contexto histórico torna ainda mais grave diante dos olhos da China o que pode parecer uma interferência estrangeira, uma vez que o domínio de Hong Kong remonta ao chamado “século da humilhação”, em que potências ocidentais, sobretudo o Reino Unido, destroçaram a economia chinesa.
“Estava lá em 2019 e vi protestos bastante ordeiros, diga-se. Mas vi também alguns manifestantes que empunhavam bandeiras da Inglaterra e pediam uma intervenção britânica. Isso é um problema, sobretudo quando se olha o passado da China, com a própria tomada de Hong Kong e a assinatura de tratados [de cessão de territórios] que até hoje os chineses consideram humilhantes.”
Para Carvalho, “qualquer tipo de crítica ou ação de outro país em relação a Hong Kong pode ser vista como uma intervenção externa em assuntos internos, o que é proibido pelo direito internacional, e não há contestação que a soberania da cidade é da República Popular da China.”
Enquanto isso, a população de Hong Kong já perdeu as esperanças de reformas consideráveis no futuro próximo, diz o dissidente Alex Chow. “Pequim já deixou claro que não vai respeitar mais a regra de um país, dois sistemas. A única maneira de uma mudança expressiva acontecer seria com a queda do regime na China. Aí, quem sabe, poderia haver uma janela para reformas reais. Por enquanto, não tenho esperanças.”
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