BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – O thriller “12 Minutes” tem um elenco de peso -Willem Dafoe, James McAvoy e Daisy Ridley. Dirigido pelo português Luís António, com estreia prevista para este ano, conta a história de um homem preso num loop temporal em seu apartamento, onde mora com sua mulher grávida, acusada de cometer um homicídio.
Essa descrição não é o resumo de um filme ou de uma peça, mas de um jogo de videogame em que as escolhas feitas pelo jogador guiam o caminho que a trama vai seguir.
Não é de hoje que atores atuam em videogame. O próprio Dafoe tem no histórico pelo menos cinco jogos.
O recente “Cyberpunk 2077” teve Keanu Reeves em papel de destaque. Há dois anos, “Death Stranding”, de Hideo Kojima, contou com a atuação de Norman Reedus, Léa Seydoux e do diretor Guillermo Del Toro.
Antes de ficar famoso fazendo o papel principal de “Mr. Robot”, Rami Malek participou de “Until Dawn”, jogo de 2015. O ator Jesse Williams, de “Grey’s Anatomy”, estrelou o game “Detroit: Become Human”, do estúdio francês Quantic Dreams, que também lançou “Beyond: Two Souls”, em 2013, estrelado por Elliot Page e Willem Dafoe.
Houve uma época em que atuar em games era praticamente sinônimo de dublar. Hoje em dia, tecnologias de captura de movimentos e de expressões faciais -conhecidas como “mocap”, de “motion capture”- exigem do ator uma performance mais completa, mais próxima do teatro e do cinema, embora tenha suas particularidades.
Com uma câmera fixada em sua cabeça, enquadrando seu rosto, o artista em questão veste um macacão cheio de marcações visuais -a face também é marcada com vários “pontinhos”- para facilitar a interpretação dos movimentos pelo software. Em alguns casos a captura é só dos movimentos corporais.
Mas o que tem atraído cada vez mais atores do calibre de Willem Dafoe aos games?
Claro, é uma indústria bilionária que pode oferecer altos salários a atores consagrados. Mas também é fato que ultimamente games têm contado com narrativas e personagens cada vez mais complexos.
O ator britânico Oliver Hollis-Leick, veterano com duas décadas de performances em games, conta que, quando estudou teatro na escola Bristol Old Vic -por onde também passaram Daniel Day-Lewis, Olivia Colman e Jeremy Irons-, seus professores viam os papéis em “mocap” como algo inferior, “não consideravam atuação genuína”, ele afirma. Hoje em dia, “atores estão clamando para terem ‘motion capture’ em seus currículos”, diz ele, que ensina interpretação em “mocap”.
Hollis-Leick lembra os filmes “Avatar” e “O Expresso Polar” como marcos que desencadearam uma mudança na percepção da classe artística quanto ao “mocap”. Ele também lembra de Andy Serkis, o Sméagol de “O Senhor dos Anéis”, como uma voz importante na reivindicação pelo reconhecimento dos atores que trabalham com a técnica.
“Com o escaneamento facial, atores perceberam que podem ganhar reconhecimento por suas performances em videogames”, diz Hollis-Leick.
“Muitos acham o ‘mocap’ libertador, porque você é livre para interpretar mais do que o seu ‘tipo’. Foram tantos personagens que eu interpretei que eu jamais faria no teatro ou no cinema, porque a minha aparência não combinaria. Então para atores que escolheram a profissão porque queriam explorar mentes de diferentes personagens é uma perspectiva muito interessante.”
No Brasil, ainda é cedo para dizer que há um movimento de atores de teatro e audiovisual indo parar nos videogames. A indústria por aqui é pequena se comparada com os Estados Unidos, o Japão e a Europa.
Além disso, os diálogos em games latino-americanos, quando existem, são muitas vezes em inglês e com atores nativos de países anglófonos.
Por enquanto, o que há por aqui é localização, isto é, a tradução de jogos estrangeiros para o português –o que também tem as suas particularidades.
Como as dublagens são feitas antes de o jogo estar pronto, o ator não tem acesso às imagens, e aí a capacidade de improviso é crucial. “É um desafio. O ator tem que ter uma imaginação rápida”, diz a atriz curitibana Lumi Kim, que participou da versão brasileira de “Cyberpunk 2077”.
Em “12 Minutes”, Willem Dafoe, James McAvoy e Daisy Ridley só dublam os personagens, não há “motion capture”. No entanto, a interatividade da obra traz exigências diferentes das de uma dublagem de animação -as decisões do jogador podem fazer com que o personagem reaja a um mesmo estímulo
com tonalidades diferentes.
O diretor, Luís António, porém, diz não ver seu trabalho como uma obra de dramaturgia. Quando teve a ideia inicial, na verdade, ele quis evitar diálogos e arcos narrativos no jogo. Mas logo viu que seria interessante ter falas, já que era uma história sobre pessoas -até aí seriam só legendas, sem áudio. O projeto foi crescendo até que chegou a um ponto em que seu lado dramaturgo falou mais alto.
“Chegou a uma altura em que fizemos testes, arranjamos uns atores temporários e vimos que o jogo em si depende muito da criação de uma ligação com os personagens -e essa ligação é muito mais forte se os personagens falarem realmente”, diz António.
Jogos recentes tiveram seus roteiros elogiados pela crítica. Um deles é “The Last of Us 2” -a roteirista, Halley Gross, veio do audiovisual tradicional.
“Há uma dissonância entre o que tu fazes e o que a história está a dizer. ‘Last of Us’ tem essa história muito profunda sobre os personagens, mas depois está só a matar pessoas durante horas. Estás a matar, matar, matar, matar”, diz Luís António. “Mas, na realidade, matar um ser humano é algo enorme, é uma cena que vai te mudar para o resto da vida.”
“Acho que falta a história ser dita através do jogo e não através das ‘cut scenes'”, diz ele, lembrando as cenas não jogáveis. Por isso, o diretor português diz que, em termos de qualidade de narrativa, ainda há muito chão a ser percorrido pelos videogames. “Ainda não chegamos lá, mas estamos quase.”
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