O Facebook foi a empresa que mais recebeu recursos nas últimas duas eleições brasileiras, segundo dados do Divulgacand, sistema de prestação de contas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O valor talhado à empresa passou de pouco mais de R$ 1.700, em 2014, para quase R$ 200 milhões na corrida municipal do ano pretérito.

 

Neste mês, a Meta, que é dona também do Instagram e, no Brasil, possui registro social porquê Facebook, foi meta de polêmica ao anunciar o termo do programa de checagem de informações nos Estados Unidos, medida que não tem data para ser implementada no País. A empresa decidiu alargar as restrições sobre conteúdos preconceituosos e retomar os algoritmos que recomendam publicações políticas.

Especialistas ouvidos pelo Estadão criticam o que chamam de “monopólio” do Facebook, falam em “desigualdade” no tratamento da legislação eleitoral entre as redes sociais e as empresas de notícia e apontam riscos de interferências no processo eleitoral. Procurado, o Facebook não quis comentar.

O Facebook foi o principal fornecedor contratado pelas campanhas nas eleições de 2024 e 2022, figurando em segundo lugar nas disputas de 2020 e 2018. Por “fornecedores” entende-se tudo aquilo que um candidato compra ou contrata ao longo da disputa eleitoral – desde gastos com gráficas e marqueteiros até o fretamento de aeronaves. No caso do Facebook, o gasto dos candidatos se deu principalmente com o impulsionamento de teor no Facebook e no Instagram.

No Divulgacand, o Facebook aparece pela primeira vez porquê fornecedor nas eleições gerais de 2014, quando um candidato a deputado federalista de Santa Catarina registrou R$ 980 em transferência eletrônica para a empresa, o que hoje equivale sobre R$ 1.700, corrigidos pela inflação no período. O candidato não especificou qual foi o serviço contratado. Em 2016, quatro candidatos – três a vereador e um a prefeito – somaram R$ 1 milénio em gastos com “geração e inclusão de páginas”. Revisto pela inflação, essa despesa foi de R$ 1.800.

A grande mudança de paradigma ocorreu nas eleições de 2018, quando o Facebook recebeu R$ 23,2 milhões das campanhas brasileiras, em valores nominais. Minas Gerais foi destaque nesse tipo de gasto, com dois candidatos a governador sendo os que mais investiram na plataforma. Antonio Anastasia (PSDB), que buscava a reeleição, gastou R$ 878 milénio, seguido por Romeu Zema (Novo), com R$ 476,3 milénio. O outsider desbancou Anastasia e conquistou o governo do Estado.

Em subida

Desde logo, os valores destinados ao Facebook não pararam de crescer, atingindo quase R$ 200 milhões no ano pretérito. Ainda assim, esse montante representa somente 3% dos gastos totais que as campanhas tiveram em 2024. De tratado com o TSE, foram R$ 6,6 bilhões investidos. Na última disputa, o candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, foi quem mais gastou com Facebook e Instagram, destinando R$ 8,8 milhões às redes sociais. Depois dele vêm Evandro Leitão (PT), que se elegeu prefeito de Fortaleza, e seu concorrente derrotado, o ex-prefeito José Sarto (PDT). Eles despejaram R$ 5,8 milhões e R$ 4,9 milhões nas plataformas, respectivamente.

Estadão procurou as assessorias de Boulos e Leitão, mas elas não tinham respondido até a publicação deste texto. Sarto não foi localizado.

Para se ter uma teoria da diferença no montante recebido pelo Facebook, o segundo maior fornecedor na campanha do ano pretérito foi uma empresa de pagamentos, que recebeu R$ 76,4 milhões dos candidatos e partidos.

Felipe Soutello, estrategista político com quase 30 anos de experiência em campanhas eleitorais, lembrou que a Meta foi a única grande rede social a assinar as regras do TSE e concordar recursos do fundo eleitoral na eleição de 2024. Outras empresas, porquê a Alphabet (dona do Google e YouTube), ou já impunham restrições a teor político-eleitoral ou proibiram anúncios políticos no ano pretérito.

Para Soutello, é contraditório que a legislação brasileira permita a concentração de recursos desse tipo em um único fornecedor e, ao mesmo tempo, proíba as campanhas de utilizar outras formas de mídia.

“É multíplice quando, em uma eleição, você tem somente uma multinacional de notícia controlando esse volume de recursos. O Brasil não tem empresas que possam contribuir porquê fornecedoras? Acho que tem”, disse Soutello, que questiona as restrições a outras mídias na legislação eleitoral.

Território

“Eleição tem tudo a ver com território. Por que não posso comprar mídias no relógio da cidade, nos pontos de ônibus, nos próprios ônibus, nas mídias dos elevadores e shoppings centers? O País precisa fazer uma reflexão sobre essa desproporcionalidade. Houve um movimento para ocupar o espaço de notícia das redes sociais, mas uma série de outros meios de notícia ficou de fora”, disse. “Agora, ela muda essa política, passa a permitir que o teor político chegue independentemente de o cidadão querer, e acaba com o fact-checking”, completou o estrategista.

Profissional em Recta Eleitoral e doutorando pela UERJ, Bruno Andrade afirmou que a existência de um monopólio já é, por si só, problemática, principalmente porque a maioria das empresas da Meta está concentrada, embora não formalmente por questões fiscais, nos Estados Unidos.

“Isso gera uma possibilidade de quebra de segurança e soberania do País frente ao poderio de outras nações sobre os processos internos brasileiros”, disse o jurisperito e professor, acrescentando que o gasto com o Facebook pode ser ainda maior do que os dados do Divulgacand indicam, já que candidatos podem contratar empresas para gerenciar o impulsionamento de teor.

Preocupação

Andrade ressaltou que países da Europa têm demonstrado crescente preocupação com as redes sociais e o risco de interferências indevidas nos processos eleitorais. Na Irlanda, o Facebook enfrentou uma decisão desfavorável relacionada a uma funcionalidade que permitia aos usuários indicar se iriam ou não votar nas eleições. Mais recentemente, a Alemanha acusou Elon Musk, possuinte do X, de interferir no processo eleitoral ao usar sua rede social para estribar uma candidatura de extrema direita.

Na opinião de Andrade, o monopólio das redes sociais no cenário eleitoral pode ser minimizado com ampliação de permissão de financiamento em outras plataformas que não somente as redes sociais. Ele sugeriu, por exemplo, permitir gastos em emissoras de rádio e televisão, além de ampliar a permissão para meios de notícia impressos. Hoje, a lei permite a divulgação paga de até dez anúncios de propaganda eleitoral na prelo escrita e a reprodução desses anúncios na internet até a antevéspera das eleições.

“Há um tratamento desigual da legislação eleitoral entre empresas de redes sociais e as demais empresas, pois, enquanto as redes sociais não têm limitação quanto ao recebimento de recursos e à divulgação de propaganda eleitoral, os outros meios de notícia têm proibição ou restrição. Defendo que o tratamento deve ser igual em relação a gastos e a limites. Se não tem para rede social, não faz sentido ter para outras formas de divulgação”, afirmou o profissional, que foi secretário de Modernização, Gestão Estratégica e Socioambiental do TSE.

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