BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) – Entre eleitores fartos de estarem trancados de um lado e coronavírus mutantes correndo soltos de outro, governos europeus vacilam entre restrições e reaberturas -chegando a anunciar as duas ao mesmo tempo-, enquanto procuram soluções para a pandemia e -também ao mesmo tempo- buscam bodes expiatórios para o caso de as soluções falharem.
As disparidades e contradições têm aparecido nas duas principais estratégias de combate à pandemia: na vacinação e nos confinamentos. A primeira procura proteger rapidamente os mais vulneráveis, para reduzir hospitalizações e mortes. A segunda restringe a circulação -principalmente dos mais novos- para barrar a transmissão e tentar desacelerar o surgimento de variantes, enquanto ganha tempo para imunizar maior parcela da população.
Na vertente anticontágio, “vendo a crista da terceira onda se levantar” à sua frente (como disse na semana passada Ursula von der Leyen, chefe do Executivo da União Europeia), a cada novo aperto ou prorrogação das restrições surgem protestos em que manifestantes -gritando aglomerados- aumentam o risco de transmissão.
Na última semana, o número de novos casos de Covid-19 na Europa aumentou 11%, pouco menos que os 13% na média dos 27 membros da UE. Foi a quarta semana seguida de contágio crescente no continente, uma sequência puxada principalmente pela variante B.117, identificada primeiro no Reino Unido.
Dos cinco maiores países europeus, é o Reino Unido justamente o único que tem registrado quedas significativas no número de novos casos -a Espanha, que também vinha na descendente, começa a ver sua curva desenhar uma inflexão.
Esse aparente sucesso britânico é no fundo um efeito colateral positivo do desastre: assolado pela B.117, mais contagiosa e mais letal, o país precisou implantar um confinamento duro no começo do ano para desafogar os hospitais, que já entravam em colapso.
No indicador desenvolvido pela Universidade de Oxford, que mede o rigor e a amplitude das medidas impostas, o Reino Unido está no topo entre os países europeus. Numa escala de 0 a 100, ultrapassou os 85 pontos, enquanto a Alemanha e a Itália giram em torno de 80 e a França e a Espanha estão abaixo de 75.
Ordens do governo, porém, significam pouco se não forem cumpridas, e desta vez os britânicos parecem ter seguido as orientações -diferentemente do que ocorreu nos meses mais turbulentos de 2020.
A mobilidade caiu 37% abaixo do período pré-pandemia, o dobro do obtido na Alemanha ou na Espanha e 50% mais que na França ou na Itália.
Os britânicos começaram uma retirada “lenta, gradual e segura” das restrições há 15 dias, com a reabertura das escolas, após controlar -ao menos por enquanto- sua variante. No continente, porém, a B.117 já conquistou mais da metade dos países da Europa e é dominante na Alemanha, França, Itália e Espanha, entre outros.
Enquanto os alunos britânicos voltam às aulas, os italianos voltam para a casa em quase todas as regiões, e alguns alemães pode seguir o mesmo rumo.
Nesta segunda (22), a premiê alemã, Angela Merkel, discutiria com os governadores dos 16 estados a flexibilização das restrições implantadas em 16 de dezembro. Em vez disso, eles suspenderam novas reaberturas, como as de bares, restaurantes e espaços culturais.
O trabalho em casa, que voltaria no fim de março, foi prorrogado até 18 de abril. Regiões de contágio acelerado podem até ter que recuar e fechar lojas e escolas.
Já na França, que vê seus hospitais chegarem ao nível de saturação, o governo anunciou no mesmo pronunciamento relaxamentos -o início do toque de recolher foi adiado das 18h para as 19h- e endurecimentos: um “lockdown adulto” em Paris e outros 15 departamentos franceses.
Os moradores dessas regiões podem sair de casa pelo tempo que quiserem, quantas vezes quiserem, mas não deve se afastar a mais de 10 km de casa. Escolas, cabeleireiros, livrarias e lojas de música continuarão abertos.
“As regras são claras e se baseiam no bom senso, e não na infantilização”, afirmou o primeiro-ministro francês, Jean Castex, ao anunciar suas restrições não restritivas –”medidas para parar o vírus sem nos aprisionar”.
Se na França o mesmo governo nacional abre e fecha, na Espanha a contradição se dá entre regiões autônomas.
Na Catalunha, universidades cancelaram aulas presenciais no dia 8; em Valência, bares e restaurantes abriram com 100% da capacidade nos terraços e 30% nos espaços internos.
Em La Rioja a lotação interna permitida é de 50% e a cidade também abriu piscinas públicas. Na Galícia, na última semana, quatro municípios entraram em confinamento máximo -Soutomaior, Boborás, Pobra de Brollón e Mezquita- e dois foram desconfinados -Coruña e Pontevedra.
Já na Itália, onde o governo recém-assumiu e portanto não carrega o ônus de nenhum confinamento anterior, as medidas de controle foram mais rígidas.
A maior parte do país teve suas regras apertadas no último dia 15 e o país todo entrará na zona vermelha durante a Páscoa: sair de casa nesses dias, só por motivos essenciais.
O primeiro-ministro Mario Draghi fechou também as escolas em mais da metade da Itália, incluindo Roma, Milão e Veneza, provocando protestos de professores, pais e alunos.
Ainda em fase de lua de mel com os italianos, ele afirmou que estava ciente de que as “medidas terão consequências na educação das crianças, na economia e no nosso estado psicológico como um todo”, mas eram indispensáveis.
No flanco da vacinação, a Europa continua a avançar devagar, por obstáculos variados como falta de organização, de estrutura, de pessoal e de imunizantes.
Dos quatro maiores países da UE, a Itália foi a única que já usou até agora todas as doses que recebeu, segundo o ECDC (centro de controle de doenças europeu). Alemanha, França e Espanha ainda têm um quarto de suas ampolas nas geladeiras.
Os governos dos quatro países limitaram o uso das vacinas produzidas pela AstraZeneca, apesar da aprovação pela agência regulatória da UE e da recomendação de que fosse aplicada em todos os adultos.
Frustrada pela lentidão em suas campanhas de imunização, enquanto o Reino Unido, que começou um mês antes, já deu a primeira dose à metade da população adulta, a União Europeia apontou o dedo para o vizinho na semana passada.
Queixou-se de não estar tendo reciprocidade na venda de vacinas e ameaçou bloquear exportações para seu ex-parceiro.
Boris Johnson sentiu o golpe. Nesta segunda, foi ele quem fez discursos prevendo uma terceira onda e devolvendo o figurino de bode expiatório para a UE.
“A experiência anterior nos ensinou que, quando uma onda atinge nossos amigos, ela atinge nossas praias também”, afirmou aos jornalistas em Lancashire, no noroeste da Inglaterra.
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