(FOLHAPRESS) – Na Itália, estudantes de Milão e Roma dormiram em barracas em frente a universidades, em protesto contra a falta de moradia acessível no início do ano acadêmico, em setembro. Dias depois, milhares de pessoas saíram às ruas de Lisboa e outros centros de Portugal em ato contra os preços de aluguel.
Os dois países enfrentam, como outros da Europa, uma crise habitacional que tem, entre os fatores, a explosão dos aluguéis de curta duração oferecidos por plataformas como Airbnb.
Como forma de responder ao fenômeno, autoridades locais têm implementado regras que tentam proteger suas cidades e residentes sem melindrar o setor turístico e os visitantes.
A eficácia dessas medidas varia de acordo com os objetivos das normas, a capacidade de aplicação e a colaboração das plataformas online, mas um estudo recente mostrou que a regulamentação diminui a oferta de imóveis para locação breve e coíbe a profissionalização desse mercado, limitando a ação de anfitriões com múltiplas unidades.
Depois da recuperação, no ano passado, dos efeitos do Covid-19 sobre o turismo, baqueado pelas restrições de viagens, os países europeus caminham para bater neste ano recordes de 2019, antes da pandemia. A União Europeia registrou, na primeira metade de 2023, aumento de 12,9% no número de noites em acomodações turísticas tradicionais em relação ao mesmo período de 2022 -alta de 0,9% em relação a 2019.
Os aluguéis de curta duração por meio de plataformas online mostraram ainda mais vigor. O número de noites reservadas em plataformas cresceu 18,8% no primeiro semestre comparado com o mesmo período de 2022 e 22,6% em relação a 2019. Os dados são do Eurostat, instituto de estatísticas da UE, a partir de dados fornecidos por Airbnb, Booking, Tripadvisor e Expedia.
Se para quem busca hospedagem, as plataformas se tornaram atraentes pelos preços mais vantajosos em relação a hotéis, para as cidades mais turísticas se tornaram um problema.
“O efeito mais direto e perigoso é a redução da disponibilidade de unidades para aluguel a longo prazo”, diz à Folha Filippo Celata, professor de geografia econômica da Universidade La Sapienza de Roma.
“Isso compromete o acesso a moradia da população de renda baixa e média. E, quando o fenômeno é concentrado em uma área, produz efeitos na cidade toda, alimentando a desigualdade entre bairros ricos e pobres.”
Celata é coautor de um estudo, publicado em julho na revista científica Annals of Tourism Research (anais de pesquisa em turismo), que comparou 16 cidades europeias com diferentes graus de regulamentação das plataformas de aluguéis breves para verificar a eficácia das medidas. Com dados até 2019, o artigo analisa desde exemplos pioneiros como Amsterdã, que implementou as primeiras regras em 2014 -o Airbnb foi criado em 2008-, até Roma, sem nenhum tipo de norma.
Em geral, o debate e a implementação de medidas regulatórias se baseiam em duas abordagens que nem sempre caminham juntas. Uma delas é limitar a profissionalização do setor, situações em que um anfitrião administra várias unidades nas plataformas. Outra é combater a hiperconcentração em bairros turísticos, normalmente centros históricos e áreas urbanas bem atendidas por transporte público, o que afasta moradores.
No primeiro caso, o instrumento principal das autoridades é impor um limite de dias que cada unidade pode ser alugada. Em Amsterdã, esse teto é de 30 dias, enquanto em Paris chega a 120 dias. No segundo, a opção é por restrições geográficas, como a proibição de novos registros nos bairros mais afetados. É o que tenta fazer atualmente o prefeito de Florença para preservar o centro histórico, patrimônio Unesco, que concentra 75% dos imóveis para locação breve da cidade.
O estudo conclui que cidades que adotam uma regulamentação minimamente severa conseguem reduzir a pressão geral causada pelas plataformas online, medida pelo número de anúncios de unidades disponíveis, em cerca de 30% na comparação com os municípios sem normas.
Em relação aos objetivos principais, a eficácia das regras muda. Elas funcionam bem para inibir a profissionalização do setor, ao mesmo tempo em que protegem o anfitrião que aluga um único imóvel. O estudo calcula que o percentual de administradores de múltiplas unidades cai cerca de 25% em cidades com regulamentação.
Já as regras que miram barrar a concentração da oferta em poucos bairros têm efeitos mínimos. A não ser que haja a proibição total do aluguel breve em zonas turísticas -uma decisão que, em cidades saturadas, precisaria ser retroativa, o que esbarra em questões jurídicas-, a limitação geográfica envolve uma série de questões técnicas, como a diferenciação da cidade por zonas, dificultando sua aplicação, além do risco de difundir o fenômeno para endereços vizinhos.
“Acho que uma boa abordagem é a de Paris, que busca reduzir a oferta profissional por meio de normas que valem para toda a cidade. É mais simples e eficaz”, afirma Celata. “Além disso, os anfitriões profissionais costumam agir mais no centro que na periferia, o que acaba por ser um instrumento indireto para a desconcentração.”
Outra conclusão é que, no pacote de regras, é preciso convencer -ou obrigar- as plataformas a colaborarem com as autoridades banindo anfitriões irregulares e compartilhando dados, tema que é alvo de normativa da União Europeia, em tramitação no Parlamento.
Uma informação fundamental que deve ser fornecida pelos sites é a quantidade de dias que um imóvel é alugado, principalmente onde existe o limite para locação breve. “Fiscalizar caso a caso em uma cidade como Roma, que tem 25.000 unidades, é muito difícil. É preciso a colaboração das plataformas para a aplicação de normas”, diz o professor.
Diante de cidades com diversas características e níveis de dependência econômica do turismo, Celata afirma que o ideal é ter um mix de intervenções locais, para necessidades específicas, e nacionais, com mais competência para normativas. “O importante é a vontade política e a capacidade de introduzir normas suficientemente severas.”
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