(FOLHAPRESS) – Uma pesquisa com 859 inquéritos policiais, de 2018 a 2024, em São Paulo, em ações que deixaram 946 civis mortos -62% deles negros-, aponta que nenhum agente envolvido chegou a ser denunciado pelo Ministério Público. A abordagem foi justificada, em oito de cada dez casos, pela prática de crime, indicam os relatos nos boletins.

 

As informações são do projeto Mapas da (In)Justiça, do Centro de Pesquisa Aplicada em Direito e Justiça Racial da FGV Direito SP, publicado nesta segunda-feira (5). Além do relatório, o estudo inclui uma plataforma para consulta dos dados em mapas.

Aproximadamente oito de cada dez mortes ocorreu em vias públicas, segundo a publicação, e 87,8% dos casos envolveram apenas uma vítima. Nesta situação também há predominância de negros (49%) entre os mortos.

O levantamento indica que houve a chamada prestação de socorro em oito de cada dez casos. O estudo indica que isso pode ser usado, em certos contextos, para alterar a cena do crime, o que dificultaria a investigação.

O relatório também mapeou, a partir das informações obtidas com o Ministério Público e com o Tribunal de Justiça de São Paulo, a quantidade de tiros dados por policiais em 734 ocorrências, com a maioria tendo um ou dois disparos (31,6%) ou dois a quatro disparos (31,3%). Houve 17,6% de ocorrências com uma quantidade de quatro a sete tiros disparados, e 19,5% com faixa de seis a 69 tiros.

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Os pesquisadores dizem que há obstáculos de transparência para reunir dados sobre a letalidade policial. Foram necessários dois anos para a obtenção das cópias de autos dos inquéritos policiais e processos judiciais, diz um trecho do relatório.

O texto também aponta falta de regulamentação na Secretaria da Segurança Pública de São Paulo para compartilhar informações sobre mortes decorrentes de intervenção policial, diz que os dados fornecidos pelo Ministério Público são de baixa qualidade e critica os prazos de resposta do TJSP, que considera longos.

O levantamento recomenda, entre outras medidas, a criação de um banco de dados público integrado entre a Secretaria de Segurança Pública, o Ministério Público e o Tribunal de Justiça, um sistema unificado de registro com acesso para órgãos públicos e a sociedade civil com informações detalhadas sobre letalidade e a obrigatoriedade da coleta e publicação de dados com detalhes sobre raça e gênero em boletins de ocorrência e processos.

Sem dados de boa qualidade, diz o relatório, não é possível entender os diferentes impactos da violência policial, o que fragiliza os processos de apuração e responsabilização.

Informações de perícia contidas em inquéritos também ajudam a contestar um cenário, segundo o relatório, de reprodução nos processos dos testemunhos de policiais, já que há pouca evidência para compor a apuração.

Por exemplo, de 661 casos com análise de informações periciais, 30% indicavam tiros de cima para baixo, o que poderia, segundo o estudo, sugerir posições de submissão ou rendição.

Ainda nessa quantidade de processos, apenas 8,9% tinham laudo do local de crime. Não houve exame de resíduo de pólvora nas mãos de 85% das vítimas, o que poderia ajudar a determinar se houve disparo de arma de fogo.

Para chegar aos 859 casos analisados, os pesquisadores partiram de 4.568 registros de mortes decorrentes de intervenção policial em São Paulo, de 1º de janeiro de 2018 a 30 de abril de 2024.

Desse total, foram considerados 2.451 inquéritos com a numeração única -condição determinada pelo Conselho Nacional de Justiça- que identifica cada caso do inquérito ao eventual processo penal, sendo que 67% estavam em segredo de justiça ou não tratavam do tema do estudo.

Em seguida, foram consultados dados dos processos em páginas do TJSP e do Ministério Público. O levantamento também usou inteligência artificial para extrair informações a partir de perguntas pré-determinadas.

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