(FOLHAPRESS) – Dos R$ 597 milhões aplicado em multas pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) desde 2018 a Enel Brasil, a empresa conseguiu suspender, por meio de decisões judiciais, R$ 349 milhões. As informações foram obtidas pela reportagem por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).
Ao todo, a Enel foi autuada inicialmente em mais de R$ 700 milhões, mas, após recursos aceitos pela agência, o valor caiu para R$ 597 milhões. Essas autuações podem ser aplicadas nos casos de “infrações à legislação setorial, bem como a inobservância aos deveres”, de acordo com a resolução normativa 846/2019.
A empresa disse à reportagem que “pagou parte das multas aplicadas pela agência reguladora no período de 2018-2024 e outra parte encontra-se em discussão na esfera judicial”. Porém não comentou os números, tanto de valores quanto de quantidade de multa suspensas e qual o argumento para cada suspensão.
A filial em São Paulo responde por sete das multas recebidas, das quais cinco foram pagas (somam R$ 59 milhões) e duas acabaram suspensas (R$ 261 milhões, no total).
A reportagem teve acesso à defesa apresentada neste ano pela Enel para tentar se livrar da punição de R$ 165 milhões em razão da demora no restabelecimento da distribuição em novembro do ano passado.
A empresa alegou que não podia prever os efeitos com “ventos e chuvas muito acima do previsto nos boletins meteorológicos, ocasionando diversos danos às redes da Enel SP, especialmente causados pela queda de árvores”.
O argumento foi aceito pelo juiz Mateus Benato Pontalti, da Justiça Federal da 1ª Região, que travou a punição.
A Enel de Goiás (atual Equatorial) teve duas punições travadas, que totalizam R$ 76 milhões.
Confira todas as multas que a Enel tomou desde 2018:
Em 2022, a Aneel apontou que a Enel descumpriu critérios relativos à qualidade do serviço prestado no estado de Goiás e chegou a abrir um processo para analisar a eventual caducidade da concessão. A empresa solicitou, então, a aprovação da transferência do controle societário como alternativa. O modelo foi aprovado pela agência.
A compra da Enel Goiás pela Equatorial foi fechada em 23 de setembro de 2022 por R$ 1,58 bilhão. Todas as multas do estado foram emitidas antes dessa data.
A empresa assumiu R$ 5,7 bilhões em dívidas deixadas pela antecessora. Quatro multas são indicadas como quitadas, no valor agregado de R$ 34 milhões, mas o documento não informa se foram pagas pela Enel ou pela Equatorial. A reportagem procurou as duas empresas, mas não recebeu respostas sobre esse ponto.
A Enel do Ceará recebeu R$ 72 milhões em multas, dos quais R$ 13 milhões foram suspensos. As duas últimas autuações que a filial recebeu, em 26 de julho de 2021 e 3 de junho de 2020, também sofreram reduções após recursos aceitos pela Aneel.
Uma caiu de R$ 35,9 milhões para R$ 26,5 milhões e a outra passou de R$ 26 milhões para R$ 2,9 milhões, respectivamente.
A filial do Rio de Janeiro acumulou cinco multas desde 2018 e quitou R$ 23,9 milhões até agora -uma foi cancelada, mas nenhuma acabou suspensa. Contudo, a multa mais recente, emitida em abril deste ano, no valor de R$ 54 milhões, é rotulada como “em cobrança”.
Significa que a multa já foi expedida e está em prazo de pagamento ou em recurso pendente de julgamento, explica a agência. No caso, em outubro, a diretoria colegiada da Aneel negou recurso e manteve a multa de R$ 54 milhões à distribuidora Enel Rio pela demora no restabelecimento de energia elétrica em sua área de concessão após temporal em 18 de novembro de 2023.
A penalidade foi aplicada após a fiscalização da agência ter constatado que o fornecimento completo só ocorreu no dia 23, cinco dias após o evento climático.
SUSPENSÃO COM SEGURO GARANTIA
Todas as multas suspensas a pedido da Enel são classificadas como “Suspenso com seguro garantia”, pela Aneel. Trata-se também de uma modalidade de suspensão judicial, em que o devedor oferece um seguro como garantia até o trânsito em julgado de sua ação.
No julgamento da multa suspensa de R$ 95 milhões de São Paulo, por exemplo, o juiz Mateus Benato Pontalti deferiu parcialmente o pedido da Enel.
Segundo ele, a empresa apresentou uma apólice de seguro garantia no valor acrescido de 30% da multa, e isso foi considerado suficiente para suspender temporariamente os descontos no montante máximo que a concessionária pode receber anualmente pelo serviço de transmissão de energia, até que o processo administrativo seja resolvido definitivamente ou haja uma nova decisão judicial.
Para Priscila Arruda, pesquisadora do programa de Energia do Instituto de Defesa de Consumidores, a suspensão com garantia representa uma ameaça à autonomia e independência da Aneel.
“Considerando que as multas são uma medida para garantir que as distribuidoras atendam às regras de fornecimento de energia, a intervenção do Judiciário pode levantar dúvidas sobre a adequação desses valores às infrações cometidas”, diz.
A aplicação de multas pela Aneel também não garante que os valores serão efetivamente cobrados, afirma Priscila. “Além da possibilidade de que as multas sejam insuficientes para promover melhorias na qualidade do serviço, isso pode ser agravado pela demora no julgamento das ações e pela suspensão das penalidades pelo Judiciário.”
Ela também lamenta que a única forma de consultar a situação das multas seja através da LAI, como feito pela reportagem. “A Aneel precisa disponibilizar os dados de forma acessível, completa, atualizada e transparente.”
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