VICTOR LACOMBE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na corrida de especulações sobre quem deve ser o próximo papa, alguns vaticanistas acreditam que, após um pontificado mais conservador como o de Bento 16 e mais progressista como o de Francisco, a Igreja Católica busque um nome moderado, que represente continuidade.

 

Se a suposição se confirmar, é provável que o próximo líder do Vaticano seja o atual secretário de Estado da Santa Sé, o italiano Pietro Parolin –um diplomata conhecido por não se comprometer com as posições mais polêmicas da Igreja hoje, mas aberto a continuar o caminho de reformas iniciado por Francisco.

Graças à sua posição na hierarquia da Santa Sé –o cargo de secretário de Estado, que Parolin ocupa há mais de dez anos, o torna a pessoa mais importante no Vaticano, atrás apenas do papa– e à sua cooperação com Francisco, o cardeal é visto como o sucessor natural de Bergoglio. No círculo de apostas sobre o novo pontífice, ele tem aparecido no topo.

Mas o nome de Parolin, 70, não é unanimidade. Além de ser visto por conservadores e progressistas com desconfiança por suas falas ambíguas sobre a aceitação a casais LGBTQIA+, divorciados e o futuro do celibato, seus críticos apontam o fato de que o cardeal não tem experiência pastoral –isto é, nunca chefiou uma paróquia ou trabalhou em contato direto com fiéis.

Com efeito, o caminho de Parolin até atingir a alta hierarquia da Igreja mais se assemelha ao de um servidor público de carreira do que de um religioso. Nascido em 1955 na região de Veneza, filho de um comerciante e uma professora, tornou-se padre em 1980. Em seguida, formou-se em direito canônico na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e estudou na Pontifícia Academia Eclesiástica, a escola de diplomatas do Vaticano, equivalente ao Instituto Rio Branco.

Entrou oficialmente para o serviço diplomático da Santa Sé em 1986, aos 31 anos, tendo trabalhando nas nunciaturas (as embaixadas do Vaticano) da Nigéria e do México, onde negociou o acordo que normalizou as relações entre a Igreja e o governo mexicano.

Depois, trabalhou em Roma e se tornou subsecretário de Estado, posto que ocupou até 2009, quando Bento 16 o tornou bispo e o enviou para chefiar a nunciatura da Venezuela –especialistas disseram à época que essa foi a maneira que o papa conservador encontrou de limitar a influência de Parolin em Roma.

Com a eleição de Francisco em 2013, o italiano, então com 58 anos, foi reconvocado à Santa Sé e nomeado secretário de Estado –o mais jovem no cargo desde 1929, quando Eugenio Pacelli, mais tarde eleito papa Pio 12, chegou ao posto.

O período de Parolin à frente das relações exteriores do Vaticano foi marcado por uma tentativa do cardeal de implementar as prioridades de Francisco, buscando a resolução de conflitos ao redor do mundo. Ele negociou a reaproximação entre os Estados Unidos e Cuba durante o governo de Barack Obama, mediou conversas entre o regime de Nicolás Maduro e a oposição venezuelana e se tornou o primeiro secretário de Estado do Vaticano a visitar Moscou em quase duas décadas.

Também negociou a proteção de civis no Afeganistão após o retorno do Talibã ao poder e condenou tanto a invasão da Ucrânia por parte da Rússia quanto a destruição e mortes de civis causadas por Israel na Faixa de Gaza.

Como secretário de Estado, esteve duas vezes no Brasil, ambas em 2024. Em abril, reuniu-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, no Palácio do Planalto, em Brasília. Discutiram, entre outros temas, a escalada autoritária na Nicarágua sob Daniel Ortega e a perseguição contra bispos católicos.

Já em novembro, Parolin retornou ao Brasil para representar o papa na cúpula do G20, realizada no Rio de Janeiro. Francisco recusou o convite do presidente Lula e escalou o cardeal para representá-lo.

O cardeal Pietro Parolin (na fila do meio, o 3º da esq. p/ dir.), secretário de Estado do Vaticano, participa da foto de líderes na cúpula do G20, no Rio de Janeiro, em novembro de 2024 Stefan Rousseau – 18.nov.24/AFP Um grupo de líderes de diferentes países posando para uma foto em um evento ao ar livre. Eles estão em uma formação em camadas, com alguns em pé e outros agachados. Os líderes estão vestidos com trajes formais, muitos usando gravatas. Ao fundo, é possível ver um corpo d’água e barcos. A atmosfera parece ser de camaradagem e celebração. ** Mas talvez o impacto mais duradouro e controverso de Parolin no cargo, e que pode dificultar suas chances de se tornar papa, tenha sido o chamado “acordo secreto” entre o Vaticano e a China, do qual o cardeal italiano foi o principal arquiteto.

Chamado assim porque seu teor nunca foi divulgado, o pacto foi assinado em 2018 com o objetivo de pôr fim às prisões arbitrárias de padres católicos na China. Em troca, acredita-se que a Santa Sé tenha se comprometido a nomear bispos para as dioceses chinesas selecionando-os a partir de uma lista elaborada pelo Partido Comunista.

O tratado foi duramente criticado por conservadores na Igreja, que acusaram Parolin de ceder ao regime chinês e de prejudicar a liberdade religiosa no país. Mesmo com a assinatura do acordo, as relações do Vaticano com Pequim continuaram tensas –Francisco expressava desejo de visitar o país, mas a viagem nunca aconteceu.

Além de ser o favorito a suceder Bergoglio, Parolin vai comandar o conclave. Pela regra, é o decano do Colégio Cardinalício quem prepara a eleição depois que um papa morre ou renuncia. Cabe a ele convocar os cardeais a Roma e presidir as reuniões preparatórias para o voto. Desde 2020, o cargo é ocupado por Giovanni Battista Re, 91.

Por causa da idade, porém, o decano não poderá entrar na Capela Sistina, onde só são permitidos os cardeais com direito a voto –ou seja, com menos de 80 anos. O caso é o mesmo do vice-decano, Leonardo Sandri, 81.

Dentro da Sistina, a tarefa deverá caber a Parolin, por ser o cardeal-bispo de nomeação mais antiga entre os eleitores, em 2018 –como cardeal, ele foi proclamado por Francisco em 2014, ainda no início de seu papado.