BAURU, SP (FOLHAPRESS) – Com 89,3% dos votos apurados em Israel, os resultados da quarta eleição em dois anos ainda não indicam quem será o próximo primeiro-ministro, mas mostram que o pleito, visto como um referendo pessoal do premiê Binyamin Netanyahu, pode ter deixado o futuro político do país nas mãos dos árabes.
A ironia é que, durante anos, Netanyahu afirmou que nunca faria alianças políticas com essa minoria e, em campanhas anteriores, recorreu a uma retórica racista associando-os ao terrorismo fundamentalista.
Neste ciclo eleitoral, porém, visitou comunidades árabes para pedir votos para o Likud, seu partido, ou para a Lista Árabe Unida, cujos membros divergem no apoio ao projeto conservador de Netanyahu.
Mais do que jogo político, a busca por apoio de outras legendas é uma questão de sobrevivência para o premiê. Atualmente, os 12 anos no poder já o tornam o mais longevo no cargo desde a fundação do Estado de Israel, em 1948. Sua permanência, entretanto, está ameaçada devido a uma série de críticas a seu governo, em especial em relação às acusações de corrupção pelas quais responde na Justiça.
Assim, apesar de o Likud ter conquistado o maior número de assentos no Knesset, o Parlamento israelense, Bibi, como Netanyahu é conhecido, precisa estabelecer alianças com outros partidos para costurar a maioria que o permitiria continuar no poder.
Em Israel, os eleitores votam em listas de partidos, e não em candidatos individuais. Tradicionalmente, nenhuma legenda consegue garantir sozinha 61 das 120 vagas no Parlamento e, para que se chegue a um vencedor, os partidos negociam até que se forme uma coalizão. As dificuldades para constituir esse bloco são o principal fator de instabilidade na política israelense nos últimos dois anos.
Por enquanto, o conjunto dos partidos favoráveis a Netanyahu já garantiu 52 assentos, enquanto o bloco contrário, 56. Duas legendas ainda não decidiram quem apoiar: o Yemina (7 cadeiras) e a Lista Árabe Unida (5). Nesse cenário, Bibi precisaria que ambas as siglas decidam apoiá-lo e, se um dos partidos se opor, a decisão poderia representar a saída do primeiro-ministro do poder.
Mansour Abbas, o líder da Lista Árabe Unida, é uma exceção à postura política de outras lideranças árabes e deu sinais de que está disposto a trabalhar com o Likud ou outros partidos de direita, desde que essa aliança se traduza em ganhos sociais para a parcela que representa.
Historicamente, os árabes, que constituem cerca de 21% da população de Israel, são alvos de discriminação, além de terem sido particulamente mais afetados pala pandemia de coronavírus e por uma onda de aumentos nos índices de criminalidade.
“Queremos usar não apenas ferramentas parlamentares, mas ferramentas do governo para realizar coisas em benefício da sociedade árabe”, disse Abbas nesta quarta, em entrevista a uma rádio israelense, dando sinais de que não descarta uma participação mais significativa –e inédita, já que os partidos árabes nunca foram convidados ao governo– no próximo mandato.
Um dos obstáculos a essa coalizão entre Abbas e Netanyahu é um aliado mais antigo do primeiro-ministro, o Sionismo Religioso, partido que tem candidatos abertamente racistas e homofóbicos como principais nomes. Seu líder, Bezalel Smotrich, que já foi ministro de Transportes do atual governo, defende publicamente que haja segregação entre judeus e árabes.
Em alguns dos exemplos mais escandalosos de suas declarações preconceituosas, Smotrich comparou a união homoafetiva à prática do incesto e disse que não queria que sua esposa fizesse um parto ao lado de uma mulher árabe. “É natural que minha esposa não queira se deitar ao lado de alguém que deu à luz um bebê que pode assassinar nosso filho em 20 anos”, escreveu ele, no Twitter, em 2016.
Questionado se a Lista Árabe Unida aceitaria compor uma coalizão com o Likud, o chefe da equipe de negociação do partido disse que sua legenda está mais inclinada a compor um governo de centro-esquerda –portanto, contra Bibi. “Não vamos nos sentar com racistas que nos ameaçam. Existem outras opções para um governo”, disse Shua Mansour Masarwa, sem citar diretamente o Sionismo Religioso.
Além da Lista Árabe Unida, Netanyahu precisa atrair ainda os sete assentos da coligação de ultradireita Yemina (à direita, em hebraico), cujo líder, Naftali Bennett, foi aliado do atual premiê e hoje se tornou um desafeto. Nessa eleição, Bennett se posicionou como um possível fiel da balança, sem se comprometer com o bloco favorável à manutenção do primeiro-ministro nem com o grupo opositor.
Assim, mesmo que o Likud tenha, com folga, conquistado mais cadeiras que seus adversários, uma costura que viabilize a continuidade de Bibi no poder parece incerta.
RESULTADO DAS ELEIÇÕES ISRAELENSES COM 89,3% DAS URNAS APURADAS
Bloco Pró-Netanyahu – 52 assentos
Likud: 30
Shas: 9
Judaísmo da Torá: 7
Sionismo Religioso: 6
Bloco Anti-Netanyahu – 56 assentos
Há Futuro: 17
Azul e Branco: 8
Israel Nossa Casa: 7
Partido Trabalhista: 7
Nova Esperança: 6
Lista Conjunta: 6
Meretz: 5Sem apoio definido – 12 assentos
Yemina: 7
Lista Árabe Unida: 5
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