PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – Quando se fala em inteligência artificial na China, analistas mais ligados ao país reclamam que a questão venha quase sempre acompanhada da comparação com os Estados Unidos, apresentado como referência (“benchmark”).
“É lamentável enquadrar a IA chinesa apenas na competição com os EUA”, diz Jen Zhu, sócia da IN. Capital, de Hong Kong. “Os ecossistemas dos EUA e da China são muito diferentes, portanto têm seus prós e contras. A China é inigualável em termos de escala, de achar a adequação do produto ao mercado e de tornar os produtos acessíveis.” Em aplicação, não estaria atrás de ninguém.
Segundo Kyle Chan, da newsletter High Capacity, “a China procura aproveitar a IA para seus objetivos mais amplos de progresso técnico e científico e para desenvolver suas capacidades na produção avançada”.
É parte, acrescenta, de uma “tendência chinesa em direção aos setores de tecnologia pesada, como carros elétricos, drones, máquinas operatrizes”.
Analista de tecnologia, TP Huang diz que “é importante distinguir o tipo de IA”, apontando a China à frente na maior parte, “por exemplo, a Bytedance usa IA para acelerar o TikTok”.
Ele vê o país também liderando em direção autônoma, robôs, fábricas e mineração inteligente. “IA generativa é uma parte pequena na qual as empresas americanas saltaram primeiro e, portanto, estão um ano na frente.”
Paul Triolo, que comanda as áreas de China e tecnologia na consultoria ASG, de Washington, e esteve há pouco no país, também vê nessas aplicações por grandes empresas o contra-ataque “matador” chinês, incorporando IA a produtos e serviços já oferecidos, a começar de smartphones.
Carros elétricos, que Zhu chama de tablets sobre rodas, são outro exemplo muito citado neste momento. Suas aplicações, de modelo menor e localizado de IA, servem de contraponto à “abordagem centralizada” da OpenAI, do ChatGPT, e outras americanas.
Eles trazem inovações resultantes em parte das próprias barreiras comerciais dos EUA, que limitaram o acesso chinês às GPUs da Nvidia. GPU é sigla para Graphics Processing Unit, processador de imagem antes usado sobretudo para videogame, hoje crucial para o aprendizado das máquinas de inteligência artificial.
Zhu avalia que os modelos menores e localizados de IA, das empresas chinesas, são a melhor saída até para as concorrentes americanas do LLM (large language model ou grande modelo de linguagem) da OpenAI, o ChatGPT. E também para parceiros da China nos mercados emergentes, Brasil inclusive.
“Neste exato momento, muitas empresas chinesas de IA estão se dirigindo para os mercados em desenvolvimento que antes não tinham acesso rápido aos produtos tecnológicos mais avançados”, diz ela.
“O setor de IA da China trazer seus produtos para o Sul Global é uma coisa boa”, argumenta. “IA da China e dos EUA são, na verdade, complementares em muitos aspectos, se as pessoas puderem ver o desenvolvimento da IA como desenvolvimento humano como um todo, em vez de geopolítico e nacionalista.”
Zhu reconhece que “a China está correndo atrás após as restrições de GPUs, que limitam sua capacidade de criar e treinar LLMs de forma eficaz”. Mas diz que o SLM (small language model ou pequeno modelo de linguagem) usado em celulares, carros e outros produtos chineses “poderosos e acessíveis tornarão populares as aplicações localizadas de IA”.
Além disso, a Huawei apresenta uma sombra cada vez maior para as GPUs da americana Nvidia. A própria empresa de Jensen Huang afirmou, em relatório para acionistas há três meses, que a gigante chinesa havia se tornado uma “grande concorrente” em GPUs e outros chips de IA.
Empresas chinesas de LLM como Baidu estão abandonando o chip H20, o melhor produto que o governo americano permitiu à Nvidia oferecer no mercado chinês, pelo Ascend 910B, da Huawei. Em movimento comum na China, a Nvidia passou a cortar preços para poder concorrer.
Um executivo da unidade Ascend afirmou na quinta (6), numa conferência em Naning, que o 910B já supera em alguns testes o principal chip da Nvidia, o A100, vetado na China pelos EUA.
E a Huawei abre nas próximas semanas em Xangai o que as autoridades locais descrevem como “o maior centro de pesquisa e desenvolvimento do mundo”. Deve projetar e produzir, entre outros, componentes para usar nas GPUs mais avançadas, além de máquinas de litografia, usadas para fabricar os próprios chips.
Chan, que é pesquisador na Universidade de Princeton, nos EUA, é mais cético quanto aos esforços de reação da Huawei. “A restrição [americana de vender à China] as GPUs e os equipamentos de litografia mais recentes é muito mais dolorosa ao progresso tecnológico da China do que os líderes chineses gostariam de admitir.”
Por outro lado, Chan ressalta as simulações na indústria de veículos, entre as áreas de tecnologia pesada nas quais o país está introduzindo IA. “O processo de design é integrado intimamente ao processo industrial, sem a necessidade de separar os dois estágios.” Novos modelos de carros são preparados e começam a ser produzidos em meses, não anos.
Ele cita esse e outros avanços para argumentar que “não existe excesso de produção de carros elétricos chineses”, como vêm repisando as autoridades americanas.