(FOLHAPRESS) – O que a microssaia da Miu Miu usada pela apresentadora Maisa Silva num look que gerou uma enxurrada de memes e a calcinha à mostra de Anitta no videoclipe sexy de “Envolver”, hit que levou a cantora ao topo global das músicas mais ouvidas no Spotify, têm em comum?
As duas são ecos de um movimento que vem crescendo nos últimos tempos -a volta dos anos 2000.
No Instagram, a hashtag Y2K -sigla para “Year 2000”, que surgiu como referência à chegada do ano 2000 e hoje é também usada para datar parte da primeira década do milênio- aparece em mais de 3 milhões de posts, e, no TikTok, tem mais de 5 bilhões de visualizações.
Hits, filmes e séries dessa época lotam o perfil na rede social de dancinhas @Nostalgias2000, que tem mais de 83,4 mil seguidores, com um conteúdo repleto de memes e elogios à cultura pop do período.
O sucesso da página é tão grande que, neste mês, seu fundador, o publicitário Marcos Martoli, criou uma loja online de produtos relacionados ao espírito dessa década, a M2K, que traz blusinhas de até R$ 69,90 estampadas com ilustrações de filmes e séries que fizeram sucesso na época, como “Harry Potter”, “Rebelde” e “Meninas Malvadas”. Mas a marca não é a única a levar referências do período às roupas.
É cada vez mais comum esbarrar com calças de cintura baixa, calcinhas e cuecas à mostra, peças sobrepostas -tal qual o visual polêmico de Maisa, cuja microssaia deixava entrever a barra de sua camisa-, acessórios metalizados e decotes ombro a ombro.
Só no ano passado, por exemplo, as buscas por “roupas dos anos 2000” no Pinterest aumentaram em 47% em relação a 2020. De abril a agosto, a procura por peças ultracoloridas -sobretudo nas cores rosa-choque e laranja- no aplicativo de compras da Lyst cresceu 191% em relação ao mesmo período do ano anterior. A plataforma relata ainda que, em fevereiro de 2022, o termo “minissaias” foi pesquisado cerca de 900 vezes por dia.
A Shein, multinacional que faz sucesso nas redes com uma cartela de opções extensas -e é rodeada de polêmicas envolvendo suspeitas de trabalho análogo à escravidão e acusações de plágio-, tem até uma categoria dedicada ao estilo, a Y2K, com mais de 5,3 mil peças à venda.
A estética é moldada a partir do final dos anos 1990, quando o grunge e o minimalismo foram saindo dos holofotes para dar lugar à extravagância, ao “street wear” do hip-hop e ao exagero, em meio à chegada da internet e a globalização.
Um look marcante é o famoso top em formato de borboleta que Mariah Carey usou em 2000, num tributo a Diana Ross. Recentemente, a peça ressurgiu das cinzas e atraiu nomes como os das cantoras Dua Lipa e Olivia Rodrigo, jovem conhecida por surfar nessa onda nostálgica com canções que resgatam o pop punk e o emo do período.
Há ainda outras estrelas que têm tido os seus looks revisitados. O look jeans dos pés à cabeça que Britney Spears e seu então namorado, Justin Timberlake, usaram em 2001 -visual que é alvo de piadas até hoje- tem inspirado tops, saias e vestidos no material. A barriguinha de fora e os tops mínimos de Paris Hilton também voltaram a aparecer com frequência, num aceno ao início do milênio.
A retomada não se limitou à internet e às marcas de fast fashion, e pôde ser vista nos desfiles de alta costura da Semana de Moda de Paris. Lá, abundavam modelitos com recortes pélvicos, tecidos transparentes, alças cruzadas, costas cavadas e muito brilho. (Vale notar que mesmo antes disso, o fim da quarentena já vinha sendo marcada por um desejo geral de exibir o corpo. Tchau, visuais discretos. Olá, looks recortados, ou “cut-outs”, como são conhecidos, e ousadia -tudo o que o Y2K tem de sobra.)
“Cintos estilo corrente, aplicações de strass, grampos e presilhas ornamentadas em proporções grandes e ‘bucket hats’ são a cara dos anos 2000”, diz Liliah Angelini, da WGSN, bureau de tendências. “Essa estética está dominando toda cultura digital e influenciando não só millennials [os nascidos entre 1980 e 1994], como também a geração Z [os nascidos entre 1995 e 2010].”
Segundo Angelini, o principal motivo para millennials voltarem a se encantar com o estilo é a nostalgia gerada por um possível escapismo da realidade pandêmica, porque, ainda que essa retomada ao período seja gradual e venha pipocando desde 2019, foi justamente na era Covid que ganhou proporções maiores.
“A pandemia, enquanto momento desafiador, gerou sentimentos como medo e incerteza, fazendo a nostalgia ser resgatada como forma positiva de lidar com esses sentimentos”, diz ela.
Apesar de a moda ser cíclica por natureza e a cultura pop sempre fazer reciclagens, a pandemia, de fato, tem relação com o despertar nostálgico. A neurocientista Lívia Ciacci, do Supera Ginástica para o Cérebro, afirma que diante de sobrecargas e momentos turbulentos, “o cérebro procura um alívio” em sensações de carinho, conforto e segurança.
“Reviver memórias que foram impactantes emocionalmente para uma geração é uma maneira de gerar um conforto coletivo”, afirma Ciacci. “E memórias não são estáticas. A cada vez que as revisitamos, incrementamos detalhes e damos maior impacto a um ou outro aspecto delas. Por isso, com o passar do tempo, elas se tornam bem diferentes do que foram na realidade.”
Também fora dos guarda-roupas e das passarelas é possível dar de cara com essa onda de resgate dos anos 2000. Nas paradas musicais, “Desenrola, Bate e Joga de Ladinho”, um dos maiores hits atuais, sobretudo no TikTok, traz as batidas lentas que dominavam o funk carioca do período. A canção é uma parceria entre os Hawaianos -banda que ganhou notoriedade com a produção do Furacão 2000 e, após anos de hiato, voltou à formação original em 2021-, o rapper L7nnon e os DJs Bel da CDD e Biel do Furduncinho.
Também contagiados pelo replay na década retrasada, artistas gringos como Willow, Machine Gun Kelly e Olivia Rodrigo surfam no pop punk que marcou o período, com guitarras rasgadas e vocais acelerados.
No Brasil, Anitta usou o revival do emo para tentar emplacar nos Estados Unidos sua faixa “Boys Don’t Cry” e se inspirou bastante na estética dos videoclipes de rock melódico que dominavam a grade da MTV nos anos 2000.
Há ainda o álbum “Doce 22”, de Luísa Sonza, com faixas nomeadas por códigos digitais dessa época, como carinhas smiley e corações “s2”, e o clipe “Bonekinha”, de Gloria Groove, que traz elementos como lan houses e um celular de flip rosa.
“Para os produtores e plataformas de distribuição, é uma jogada certa. Se fez muito sucesso, chamam o assunto de volta. Existe uma dinâmica cultural que é cíclica. E os streamings têm uma engenharia de produção muito mais curta e condensada do que o cinema, então retomar sucessos é uma ótima estratégia”, afirma José Roberto Sadek, professor de cinema da Faap.
“As pessoas gostam de lembrar o que viram. É o caso do ‘Sex and the City’ [série que bombava nos anos 2000 e, em 2021, ganhou a continuação ‘And Just Like That…’].” Há ainda “Friends”, que é uma das sitcoms mais famosas dos anos 1990 e 2000, e ganhou um episódio especial na HBO Max, em 2021. Até “High School Musical”, trilogia de filmes infanto-juvenis da Disney que bombou no período, está no filão dos revivals, com uma série inspirada na trama.
“Séries são uma grande janela de emoções, quase uma expansão do espaço que não conseguimos ter na vida real.”
Segundo o professor, a onda nostálgica das roupas, músicas, séries e filmes dessa época tem ainda um significado mais intenso no caso brasileiro.
“Além da pandemia, estamos vendo um país onde as pessoas querem ir embora”, diz ele. “É reconfortante lembrar tempos mais alegres e de mais dinheiro, porque é como se de lá para cá, tivéssemos só ido ladeira abaixo.”
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