(FOLHAPRESS) – Quase 7.600 armas de uso restrito adquiridas por CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) durante o governo Jair Bolsonaro (PL) -e equivalente a 15% do total- não foram cadastradas ou tiveram concluídos os processos obrigatórios de recadastramento na Polícia Federal.

 

São fuzis, carabinas e pistolas cujo paradeiro não foi comprovado pelos proprietários à PF. Esse arsenal pode, inclusive, estar em circulação nas mãos do crime organizado, segundo alerta de especialistas -eles ainda veem morosidade do governo Lula (PT) para uma ação efetiva de localização das armas.

A arma de uso restrito é autorizada para as Forças Armadas, instituições de segurança pública e pessoas físicas e jurídicas autorizadas pelo Exército, como os CACs.

Portaria publicada pelo governo Lula, à época em que o Ministério da Justiça e Segurança Pública era comandado por Flávio Dino, determinou que todas as armas devem ser cadastradas no sistema da PF. As de uso restrito precisam passar por uma segunda etapa, devendo ser apresentadas pelo proprietário à autoridade policial.

A medida buscou retomar o controle sobre as armas adquiridas durante o governo Bolsonaro, que incentivou o armamento da população, ampliou o acesso a calibres mais potentes e enfraqueceu os mecanismos de fiscalização.
Segundo dados da Polícia Federal, obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação), foram recadastradas 939.559 armas de CACs -sendo 44.276 de uso restrito.

Desse último grupo, 42.848 foram apresentadas pessoalmente pelos proprietários, como exigido na segunda etapa do processo.

Mas, até 2022, foram adquiridas 50.432 armas de uso restrito por parte dos CACs, segundo o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas, do Exército. Dessa forma, 7.584 seguem sem comprovação de paradeiro, o que representa 15%.

Portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública prevê apreensão da arma e infrações administrativas e penais em casos de ausência de recadastramento. Mas a pasta ainda trabalha em uma norma para dar efetividade à previsão.

Não há definição das medidas que poderão ser tomadas. Uma das propostas em estudo é que o responsável seja alvo de busca e apreensão, e haja abertura de inquérito. Isso ocorreria somente após notificação e prazo de 60 dias para a entrega voluntária à campanha do desarmamento ou a transferência para alguém que atenda aos critérios legais.

A previsão do Ministério da Justiça é que, a partir de julho, a fiscalização dos CACs passe a ser responsabilidade da Polícia Federal -hoje, a atribuição ainda é do Exército. Os dois órgãos trabalham na nova norma para dar efetividade à punição prevista na portaria.

Para Bruno Langeani, consultor sênior do Instituto Sou da Paz, o recadastramento foi uma medida necessária após um período de grave descontrole. Ele avalia, no entanto, que há falhas no processo.

Entre os problemas apontados, estão a falta de integração entre os sistemas da Polícia Federal e do Exército -responsáveis pelo controle de armas no país- e ausência de cruzamento entre dados do recadastramento e os registros do Exército, o que compromete avaliação precisa da efetividade da medida.

“O dado de que quase 8.000 armas de calibre restrito não foram recadastradas ou não tiveram o cadastro concluído deveria ter gerado uma resposta imediata, mas até agora não houve ação concreta para localizar esses armamentos”, disse.

Roberto Uchôa, conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que esse arsenal é capaz de armar uma brigada inteira do Exército brasileiro e deveria motivar respostas enérgicas por parte do governo federal e das instituições responsáveis, como investigações e fiscalizações imediatas.

“Ignorar o controle rigoroso do mercado legal de armas é negligenciar uma das principais fontes de abastecimento do crime organizado, como têm revelado diversas investigações policiais espalhadas pelo território nacional”, disse.

Para Langeani e Uchôa, embora o governo Lula tenha restabelecido critérios mais rigorosos para aquisição, o principal desafio ainda está no grande estoque de armamentos em circulação.

O Ministério da Justiça foi procurado e indicou que a PF seria a responsável para falar do assunto. Questionada, a corporação não respondeu a demanda.

A Polícia Federal já deveria ter assumido a responsabilidade pela fiscalização dos CAC desde janeiro deste ano. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, já disse que não foi possível cumprir o prazo por causa de cortes orçamentários, que impediram a estruturação da PF.

Um dos principais entraves é a falta de pessoal, demanda para a qual há dependência da liberação de cargos pelo Ministério da Gestão. A pasta informou ter autorizado 1.392 vagas, que serão preenchidas por novos concursos e aproveitamento de seleções anteriores, com previsão de mais mil vagas em 2026.

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