ALEX SABINO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após 15 anos, o jornalista americano Benjamin Wallace faz o saldo da busca fracassada.
Ele aprendeu a programar em linguagens como C++ e Python. Ficou paranoico em saber se havia mais alguém olhando para a tela do seu computador. Contratou detetive particular. Pediu ajuda a um expert em comparações de estilos de escrita. Fez uma viagem de 37 horas para falar com uma pessoa por três minutos.
O alvo da obsessão de Wallace voltou à moda. Desde o ano passado, um livro (escrito por ele) e dois documentários tentam desvendar o mistério: qual a identidade de Satoshi Nakamoto, o criador do bitcoin?
Wallace lançou neste ano “The Mysterious Mr. Nakamoto – a 15 Year Quest to Unmask the Secret Genius Behind Crypto” (O misterioso sr. Nakamoto – a busca de 15 anos para desmascarar o gênio secreto atrás da cripto, sem lançamento no Brasil). O Channel 4, do Reino Unido, exibiu a série documental “Seeking Satoshi: The Mystery Bitcoin Creator” (Procurando Satoshi: o misterioso criador do bitcoin). A HBO disponibilizou em 2024 “Dinheiro Elétrico: o Mistério do bitcoin”.
Em uma lista de email sobre criptografia, um usuário com o pseudônimo Satoshi Nakamoto postou um artigo chamado “Bitcoin: um sistema de pagamento eletrônico peer-to-peer”. O ano era 2008, e o mundo vivia forte crise financeira.
O documento tinha nove páginas e propunha a criação de uma moeda digital que permitisse pagamentos de pessoa para pessoa, sem passar por instituições bancárias.
Em janeiro de 2009, o valor de um bitcoin era US$ 0,0008. Hoje, está em US$ 95,6 mil (R$ 542,5 mil). A primeira transação feita com a moeda eletrônica aconteceu em maio de 2010. Laszlo Hanyecz comprou duas pizzas grandes na rede Papa Johns, na Flórida, por 10 mil bitcoins. Esse valor seria hoje de US$ 937 milhões (R$ 5,35 bilhões).
“Tudo bem. Estavam muito boas”, disse Hanyecz anos depois.
O mercado de bitcoin vale hoje, no total, US$ 1,67 trilhão (R$ 9,5 trilhões).
O código da criptomoeda era aberto, e outros desenvolvedores começaram a trabalhar com Nakamoto. Mesmo para os padrões de um ambiente obscuro como aquele, ele era discreto. Ninguém nunca o viu. As conversas ocorriam apenas por emails. Sempre que alguém o questionava sobre assuntos que não fossem programação, não respondia.
Nakamoto desapareceu em 2011. “Decidi focar outras coisas”, escreveu em uma mensagem final.
“Eu não sabia muito sobre bitcoin, mas comecei logo a perceber que era mais do que uma moeda. Tratava-se de uma manifestação contra o governo, com pessoas acumulando criptomoedas. Fui a eventos, falei com pessoas e vi pessoas que usavam cripto para criar uma comunidade privada”, escreveu Gabriel Gatehouse, realizador do documentário do Channel 4.
Não bastasse a curiosidade pelo personagem Nakamoto, a estimativa é que ele tenha deixado US$ 75 bilhões em bitcoins (R$ 424 bilhões) ainda intocados.
Quem investigou sua identidade percebeu que revelar isso divide os aficionados no tema. Há os obcecados em desvendar o segredo. Outros defendem a privacidade do criador. Se ele deseja permanecer anônimo, assim deve ser.
Nakamoto se tornou figura cult. O rapper Kanye West fez show usando boné com o nome do criador do bitcoin. Foi erguida estátua em homenagem a ele em Budapeste, na Hungria. Condomínio de luxo no arquipélago de Vanuatu, no Pacífico Sul, recebeu o nome de Ilha Satoshi. Há o navio de cruzeiro MS Satoshi. Especialistas em tecnologia lançaram seu nome para o Nobel da Paz.
Em episódio de 2012 da série “The Good Wife”, o governo dos EUA busca o criador do bitcoin por ter criado uma moeda ilegal.
“Quando suspeitei de uma pessoa e disse que iria tentar falar com ela, minha irmã sugeriu que eu usasse colete à prova de balas e fosse acompanhado de seguranças. Eu usei o colete e avisei à polícia onde ia”, conta Wallace.
O programa 60 Minutes, da rede americana CBS, falhou na tarefa e decretou que encontrar Satoshi Nakamoto era impossível.
Isso tornou a missão ainda mais atraente para Wallace e Gatehouse. Eles também não conseguiram.
A HBO alega tê-lo descoberto. Segundo o documentário “Dinheiro Elétrico”, Nakamoto é Peter Todd, um dos desenvolvedores originais do bitcoin. O filme aponta coincidências como um padrão de horários dos posts, os conteúdos e que, segundo os produtores, Nakamoto teria feito uma conexão acidental usando o login de Todd.
“Ele negou ser Nakamoto, o que não é surpreendente. Todd sempre foi um dos suspeitos, e a teoria [da HBO] é interessante, mas não acredito que esteja certa”, opinou Wallace.
O principal suspeito do jornalista é outro ciberpunk, como os desenvolvedores eram chamados na comunidade em que Nakamoto divulgou sua criação: James A. Donald. Wallace chegou a essa conclusão analisando as palavras pouco usuais usadas por ambos nas mensagens. Era uma pessoa difícil de achar informações por mecanismos de buscas na internet. Donald pediu que a imagem da sua casa e do seu carro fossem borradas no Google Street View.
Ele também não estava entre os candidatos mais óbvios. O jornalista saiu dos Estados Unidos e foi à Austrália, onde morava o “suspeito”, depois que ele deixou de responder a emails. Bateu em sua porta. Conversaram por três minutos. Donald negou ser Nakamoto, o dispensou e fechou a porta.
Outros que foram apontados como possíveis Satoshis ganharam fama, mesmo que negassem sê-lo. São chamados para conferências, tiram fotos com fãs e dão autógrafos. Um dos apontados inicialmente como candidato a criador do bitcoin foi Elon Musk. Ainda há quem defenda isso.
“Satoshi Nakamoto foi alguém que a pessoa por trás do pseudônimo não poderia ser. Era um nome e uma ideia. Sem um corpo e uma história real, vai viver para sempre”, definiu Wallace.