Brexit enlutece ‘geração Erasmus’ e frustra os sub-20 europeus

BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) – Filas de caminhões, uísque escocês mais caro e queijo francês mais raro são alguns efeitos visíveis da saída do Reino Unido da União Europeia, mas o brexit provoca fraturas menos expostas, diz uma geração de europeus que tem hoje de 25 a 50 anos e se autointitula “geração Erasmus”.

Suas carreiras, famílias, habilidades e afinidades se devem à possibilidade que tiveram de viver e conviver livremente através do canal da Mancha. Para muitos, o trânsito foi incentivado pelo programa Erasmus (que deu o apelido ao grupo), intercâmbio estudantil, acadêmico, cultural e profissional que beneficiou milhões de pessoas nos últimos 30 anos.

Só em 2019 (dados mais recentes), foram 938.568 alunos, professores e aprendizes transitando entre 82.231 instituições, nos 28 países da União Europeia pré-divórcio e outros parceiros. “Da Bélgica, da Suécia, da Finlândia, da Holanda, da França, da Polônia, da Espanha e de Portugal”, relata Maya Szaniecki, 20, sobre seus colegas no curso de francês da Universidade de Oxford.

Britânica e filha de brasileiros, desde os 16 Maya espera pela chance de viver um ano na França. A realização virá em 2022, mas dará mais trabalho –visto será obrigatório– e ficará mais cara, o que pode ser impeditivo para os que contavam com o financiamento do Erasmus. A estudante lamenta as fronteiras impostas à sua geração, “uma perda triste para as pessoas e uma perda enorme para o país”.

É uma perda também para a geração sub-20, afirmam a economista Sonia Delindro, o professor Paul James Cardwell, a publicitária Cristina Sarraile, a eurodeputada Terry Reintke e a jornalista Luísa, que estudaram e trabalharam fora e se definem mais como europeus que pela própria nacionalidade.

“Não estaria no Parlamento hoje sem o Erasmus”, diz a alemã Terry, 33, que estudou em Edimburgo e lidera um grupo de parlamentares na tentativa de readmitir a Escócia e o País de Gales no intercâmbio.

O governo britânico anunciou um financiamento estudantil alternativo, mas, segundo Terry, o Erasmus tem especificidades cruciais para seu sucesso: “É um programa muito inclusivo, no qual não é necessário ter as melhores notas, administrativamente muito leve, com estrutura de apoio que faz a diferença”.

As dificuldades de intercâmbio também cresceram porque, após o brexit, a mensalidade das faculdades britânicas passa a ser pelo menos o dobro para os estudantes europeus. “Já foi difícil para meus pais bancarem meus estudos. Agora, seria impossível”, diz a portuguesa Luísa, 27.

Foi em Londres, aonde chegou aos 18 anos, que Luísa conheceu seu atual companheiro, um aluno francês então em intercâmbio.

Multinacionalidades é marca também na vida da franco-romena Cristina, 40, e da portuguesa Sonia, 43. Ambas estudaram na Inglaterra, onde conheceram europeus de outros países (um francês e um italiano, respectivamente), casaram-se e tiveram filhos britânicos. Voltaram ao continente após o brexit, lamentando o estreitamento de perspectivas.

Foi um choque o que sentiu Sonia na manhã seguinte à do referendo que aprovou o brexit, em 2016. “Minha vida profissional é aqui, pago impostos, comprei uma casa, e agora querem que eu parta”, conta ela. A saída do Reino Unido da União Europeia multiplicou ainda por oito o imposto de seu imóvel, que ela agora terá que vender.
Sentindo-se também traída, Cristina começou a procurar oportunidades fora do Reino Unido. Partiu para Paris em 2019. “Foi como se arrancassem uma árvore; senti-me desenraizada”, diz ela, que deixou para trás uma vida comunitária ativa. “Tive colegas gregos, alemães, espanhóis, uma riqueza de culturas. Isso vai esmorecer.”
O impacto ficará por um tempo obscurecido pela pandemia, diz Paul James Cardwell, professor de direito da Universidade de Strathclyde (Escócia) e ex-coordenador do Erasmus na universidade. Quando as restrições forem relaxadas, problemas práticos ficarão evidentes também para os pesquisadores, embora os mais prejudicados sejam os alunos, diz.
Cardwell, inglês que passou um ano na França quando estudava, afirma que “os sub-20 não viverão essa experiência que permite olhar o futuro com outros olhos, com horizontes mais amplos.” Pesquisa realizada por ele e publicada em 2019 indicou até mesmo um efeito colateral benéfico do intercâmbio nas notas. “A confiança e a maturidade adicionais contribuem para o melhor desempenho”, analisa.

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