Quando Acácio começou a tocar, aos 10 anos de idade, jamais poderia imaginar que a música ia mudar a tocada da sua vida. Hoje, aos 28, ele sabe que é isso o que a música é capaz de fazer na vida de crianças e adolescentes, e é por isso que mantém um projeto para jovens da sua comunidade de Paraisópolis (SP).
“A música salvou minha vida, e, graças a ela, pude viajar pelo mundo, me formar no ensino superior e, agora, devolver aquilo que recebi”, comentou.
E que forma legal de devolver tudo o que recebeu. Ele criou uma escola de música de ritmos brasileiros para crianças da comunidade. Atualmente, Acácio atende 57 alunos, porém, mais de 100 jovens já passaram pelo projeto.
Foto retirada antes da pandemia. Foto: Arquivo Pessoal
“Fundei o projeto impulsionado pelo desejo que já tinha há anos e pela inspiração com a minha própria história de vida, pelo fato da música ter impactado e salvado minha vida, transformada por meio do acesso a oportunidades desde minha infância”, contou.
Os acessos que Acácio teve no passado, ele quer garantir para os garotos. A escola ensina de samba reggae a carimbó, de maracatu a frevo, boi do norte a coco de roda. Além da percussão, tem aulas de musicalização infantil e até flauta. A garotada assiste as aulas de graça e no final de semana.
Aulas acontecem nos finais de semana para não interferir nas aulas escolares. Foto: Arquivo Pessoal
“Quero mudar o estigma da favela ser sinônimo de violência e dar visibilidade às nossas potências. Acredito veementemente que a música, arte e educação, têm o poder positivo dentro de uma sociedade e tenho como estudo de caso minha própria vida e de amigos que tiveram seus destinos e vidas mudadas através da música”, disse.
A figura de um menino
Como foi que Acácio se apaixonou pela música? Foi tão natural que parecia já ser um músico antes de ter contato com os instrumentos. Mas isso só aconteceu por causa do acesso que teve a esse mundo.
Acácio está transformando a vida de meninos da favela, assim como a dela foi transformada. Foto: Arquivo Pessoal
Filho de um casal separado vindo do Nordeste, ele foi convidado pelos primos para fazer parte de um projeto social de ensino musical. “Lembro como se fosse hoje. Peguei o instrumento e parecia que já sabia tocar. Foi tudo muito orgânico e rápido no meu aprendizado com a musica”, relembrou.
Em pouco tempo já estava participando de turnê pelo Brasil e dividindo o palco com nomes como Ivan Lins e Chico César. “Foi tudo muito rápido e eu era muito novo e muito intenso”, analisa.
Acácio teve várias experiências positivas após as oportunidades. Foto: Arquivo Pessoal
Mas se não fossem as oportunidades, a letra da sua história não teria sido composta tão melodicamente. “Parei pra refletir e percebi que muitas dessas oportunidades vieram por meio de chances [sic] que tive na minha infância, e que se não fossem as ações sociais, talvez nada disso teria acontecido. Tive que correr atrás e estudar muito, mas certamente, se não houvesse oportunidades, a realidade seria outra”.
As porteiras se abriram
Aquele menino, que se encantava com os ritmos de percussão assim como o Menino da Porteira, da música sertaneja de raiz, se maravilhava com o som do berrante, passou a integrar a Orquestra Filarmônica de Paraisópolis.
Projeto está provocando transformação na vida das crianças e da comunidade. Foto: Arquivo Pessoal
Para ajudar a mãe a construir a casa da família, Acácio trabalhava em um clube como pegador de bolinha de tênis e fazia bicos na feira. Mas a música tocou mais alto no coração e o garoto largou tudo para se dedicar. “A minha paixão e meu chamado”.
Dali foi um pulo para entrar na faculdade de música e em 2018 ele foi convidado para dar aulas de percussão e ritmos brasileiros na Holanda por grupos de percussão da cidade de Utrecht. “Trouxe na bagagem o desejo de fazer algo pela minha comunidade”.
Foto: Arquivo Pessoal
Um feat para o bem
Quando pensou em montar a escola de música, Acácio tinha pouco recurso. Abrir curso de percussão exigia muitos instrumentos, mas ele começou aos poucos e foi recebendo materiais por meio de doações e vaquinhas.
Uma das doações foi do economista Ernesto Niemeyer, que se sentiu tocado ao ver o jovem dando aula com uma caneta no lugar de uma batuta. O senhor deu não só a batuta, mas vários instrumentos para a escola. “Ernesto virou um grande amigo, ele tem frequentado a comunidade e tido uma relação próxima comigo e Paraisópolis”.
Foto: Alexandre Battibugli/Veja SP
Um dos parceiros da Unidos de Paraisópolis é o professor da faculdade de Acácio e percussionista da Orquestra tJazz Sinfônica, Vinícius Barros, que dá aulas remotas para arrecadar fundos para o trabalho do seu aluno.
Em dois anos da iniciativa, a garotada do tio Acácio já se apresentou com Elza Soares, Gilberto Gil, Simone Sou e Kell Smith. Um feat do bem. Agora diga se Reis não está conseguindo devolver tudo o que recebeu hein? Igualzinho foi com ele, o rapaz está fazendo com os alunos
Mas, nem tudo são flores. O projeto precisa de incentivo. A iniciativa foi aprovada no Pro-Mac (Programa Municipal de Apoio a Projetos Culturais), mas falta alguma empresa que patrocine. Acácio luta para cobrir as despesas do trabalho dando aulas particulares.
“É de extrema importância empoderar financeiramente nossa equipe de professores e mentores para que não aconteça o que aconteceu comigo logo no início em ter que me afastar para ir para o mercado de trabalho”, explicou.
Acácio está ajudando garotada a seguir uma boa estrada. Foto: Arquivo Pessoal
Paraisópolis tem cerca de 120 mil habitantes. “Estamos proporcionando o empoderamento de nossos alunos. Quando se consome cultura, a sociedade goza do prazer e aperfeiçoa suas potencialidades individuais. Economicamente isso tem um efeito incrível, refletindo numa população mais sadia e harmoniosa”, analisou.
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