SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Antes da pandemia, o Blur se encontrava como tem sido nos últimos anos -separado, com cada integrante tocando seus projetos individuais dentro ou fora da música. Mas um convite irrecusável fez os quatro velhos amigos decidirem se reconectar: tocar no estádio de Wembley.
“É o espaço de shows mais emblemático de Londres, um lugar onde nunca tocamos antes, e achamos que talvez nunca fôssemos receber um convite desses novamente”, diz Dave Rowntree, baterista da banda, uma das maiores do rock dos anos 1990.
A pandemia se foi e o show acabou remarcado para o último dia 8, com ingressos esgotados em minutos. Eles ficaram sabendo da nova data na véspera do Natal passado, e em janeiro já estavam em estúdio para escrever e gravar o sucessor de “The Magic Whip”, de 2015, e o segundo álbum de inéditas desde que a banda se separou no começo deste século.
“The Ballad of Darren”, o resultado fonográfico desse novo reencontro, sai nesta sexta (21), com reflexões sobre um Reino Unido decadente, pessimista e sob a sombra da extrema direita. A turnê já tem shows marcados na América do Sul, mas uma passagem pelo Brasil não foi confirmada.
“Pensamos que não teríamos tempo de fazer um álbum. Mas entramos no estúdio para tentar fazer o máximo que conseguíssemos e ver no que dava”, diz Rowntree.
A banda recrutou o produtor britânico James Ford, que ganhou projeção trabalhando com os Arctic Monkeys e é “brilhante” reconhecido por ser rápido no ofício. Três meses depois, as dez músicas do disco estavam prontas.
“Tudo veio rápido, um daqueles momentos mágicos em que as ideias iniciais funcionaram logo de cara”, diz. “Acho que tem a ver com trabalhar juntos há mais de 35 anos, mas na hora parecia um toque de mágica.”
O disco é repleto de músicas melancólicas e reflexivas, o que Rowntree chama de “canções tristes-felizes”, estilo em que o vocalista Damon Albarn é especialista. Para ele, é um reflexo do estado atual da Inglaterra.
“Muitas coisas deram errado”, ele diz. “Algumas internamente e outras de alcance mundial, como a pandemia. Tem o Brexit, a desintegração de algumas das instituições que mais valorizamos, como o Serviço Nacional de Saúde. Há um clima de pessimismo no país. Não é a ‘Cool Britannia’ -é o oposto disso.”
O próprio Blur é um dos ícones do britpop, movimento musical em que também despontou o Oasis e que foi a expressão máxima da “Cool Britannia”. O termo se refere a um período, nos anos 1990, dourado para a cultura jovem e pop britânica.
Cantar sobre o cotidiano britânico é uma marca do Blur desde seus primeiros álbuns, em especial “Modern Life is Rubbish”, de 1993 e “Parklife”, de 1994. Agora, em “The Ballad of Darren”, diz o baterista, a banda capta esse “pano de fundo de angústia” que tomou o país nos últimos anos.
Além de músico, Rowntree atua como apresentador de rádio e podcast, faz animações, compõe trilhas para filmes e TV, é entusiasta do espaço sideral e advogado criminal. Também é um ativista político, filiado desde 2002 ao Partido Trabalhista britânico, e tendo trabalhado como vereador entre 2017 e 2021.
Alguns fãs podem interpretar as letras de Albarn como autobiográficas -sobre a trajetória da banda, da fama às brigas internas e à amizade que dura até hoje-, mas o baterista não enxerga essa faceta. “Para mim, é um reflexo dos tempos que vivemos no Reino Unido.”
“As pessoas aqui estão dando seu melhor em meio às adversidades. É um dos poucos momentos na história do Reino Unido em que nos unimos e tentamos alcançar algo juntos. Enquanto há coisas negativas rolando, como a ascensão da extrema direita e o colapso dos serviços públicos, há também o senso de que não vamos deixar isso nos derrotar.”
Para ele, o que melhor resume essa ideia é a capa de “The Ballad of Darren”, que traz uma pessoa nadando sozinha numa piscina, enquanto ao fundo o horizonte está tomado por nuvens cinzentas. Trata-se de uma imagem feita pelo fotógrafo britânico Martin Parr em 2004.
A pessoa que aparece na foto, conta Rowntree, sofreu um acidente sério e os médicos o disseram que ele nunca se recuperaria. Mas ele nadava todos os dias na piscina de sua região para tentar recuperar a forma.
“Por um lado, a fotografia te conta uma história triste, de uma pessoa lutando sozinha contra essas forças grandiosas”, diz. “Por outro lado, é uma boa história. Pela força da positividade, ela está superando grandes dificuldades para sobreviver. São essas duas coisas que o Reino Unido está vivendo agora.”
Musicalmente, “The Ballad of Darren” traz o Blur em seu habitat natural. O pop rock noventista está lá nas melodias de Albarn, linhas de baixo de Alex James e arranjos de guitarra de Graham Coxon, além da bateria sóbria de Rowntree.
É uma banda que parece não fazer força para soar coesa junta novamente, duas décadas depois de se separar, e oito anos depois do álbum de estúdio anterior. Há muito do Blur dos anos 1990 no novo disco, o que evoca uma aura nostálgica.
Damon Albarn, que também é a mente musical por trás do Gorillaz, já disse que o trabalho é um comentário sobre sua geração, mas a partir do ponto de vista atual. É, portanto, uma lembrança não só de quando o Blur viva seu auge, mas também a própria Inglaterra estava no centro das atrações -no cinema, na moda e até na política.
As músicas de “The Ballad of Darren” que ainda não entraram no repertório dos últimos shows do Blur na Europa já terão sido lançadas quando a banda tocar na América do Sul. Mas, diz o baterista, ainda não dá para saber se o Brasil vai receber o grupo.
“Sinceramente, espero que dê certo tocar no Brasil”, ele diz. “A turnê por aí ainda está sendo fechada. Nós amaríamos. Mas não posso falar nem que sim e nem que não. A economia do Brasil está como a do Reino Unido -tentando emergir após a pandemia. Então, temos encontrado dificuldade para ir a lugares em que normalmente tocaríamos sem hesitar. Espero que sim, mas não posso prometer nada.”
THE BALLAD OF DARREN
Quando Lançamento na sexta (21)
Onde Nas plataformas digitais
Autoria BlurProdução James Ford
Gravadora Parlophone Records/Warner