THIAGO AMÂNCIO
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Comprar uma roupa nova e dividir em 12 vezes sem juros. Parcelar o pagamento de uma viagem. Ou até dividir as compras do mercado em alguns pagamentos.
Parcelar compras triviais por longos meses, algo natural no Brasil, estava fora do radar dos americanos até recentemente. Mas, com a renda estrangulada pela inflação recorde no país no último ano e com o aumento da oferta de serviços financeiros pela internet, o pagamento parcelado sem juros está cada vez mais comum também nos Estados Unidos.
Os americanos chamam de “empréstimo”. Um empréstimo do tipo “compre agora, pague depois” (BNPL, na sigla em inglês).
Um dos movimentos mais contundentes dessa tendência veio em março deste ano com o Apple Pay Later, no qual a fabricante dos iPhones permite dividir em até seis semanas sem juros pagamentos feitos com o Apple Pay de US$ 50 (R$ 250) a US$ 1.000 (R$ 5.000).
“Não existe uma abordagem única para todos quando se trata de como as pessoas gerenciam suas finanças. Muitas pessoas estão procurando opções de pagamento flexíveis”, disse Jennifer Bailey, vice-presidente de Apple Pay e Apple Wallet da Apple, no lançamento do serviço.
Pesquisa de março deste ano da empresa americana de empréstimos LendingTree mostrou que 46% dos americanos dizem já terem parcelado compras. No ano passado, eram 41%. No ano anterior, 31%.
Há um importante recorte geracional: quando se olham apenas os consumidores da chamada geração Z, definida pela empresa como os jovens de 18 a 26 anos, 65% usaram o BNPL. Entre os millennials (27 a 42 anos), foram 55%.
“Não há dúvida de que a inflação desempenhou um papel importante no BNPL, bem como o aumento das taxas de juros. Há um número significativo de americanos que estão lutando para sobreviver e estão procurando qualquer ajuda possível para estender seu orçamento”, diz Matt Schulz, analista chefe de crédito da LendingTree.
“Já sobrecarregados com empréstimos estudantis e outros tipos de dívida, muitos americanos querem evitar cartões de crédito porque a última coisa que desejam é a possibilidade de mais dívidas persistentes.”
A pesquisa da empresa apontou que 27% dos que usam o parcelamento afirmam que precisaram recorrer ao BNPL para encaixar compras no orçamento do mês. Além disso, 21% disse ter parcelado as compras de supermercado –o que especialistas não recomendam, já que são gastos recorrentes que vão se acumular depois. Já roupas, sapatos e acessórios são os produtos mais comuns, parcelados por 46% dos entrevistados.
“O fato de tantas pessoas estarem usando esses empréstimos para algo tão fundamental quanto colocar comida no prato é preocupante, mas, infelizmente, não acho que isso vá mudar tão cedo”, diz Schulz.
Mas, no total, mais da metade dos consumidores se arrependeu de usar o serviço.
Um deles é o publicitário Adam Ivory, 31, que pede para usar o nome do meio por não se sentir confortável com a dívida que assumiu após parcelar um colchão de US$ 900 (R$ 4.500) e não conseguir pagar.
“Não seria impossível eu juntar o dinheiro todo em vez de parcelar, e teria sido muito melhor”, afirma ele, que conta que pagou apenas a primeira de 6 parcelas, e tem dificuldades em calcular o tamanho do prejuízo.
Com o aumento da popularidade, cresceram também as opções de parcelamento. Em 2020, o PayPal lançou o “Pay in 4”, que permitia parcelar pagamentos em até quatro parcelas ao longo de seis semanas, com limite de US$ 600 (R$ 3.000). No ano passado, anunciou o “Pay Monthly”, com a possibilidade de parcelar pagamentos de até US$ 10 mil (R$ 50 mil) de 6 a 24 meses.
O parcelamento, padrão das operadoras de cartão de crédito no Brasil, é em geral oferecido por fintechs nos Estados Unidos, que fazem parcerias com outras empresas.
É o caso da recém-anunciada parceria entre o Airbnb e a fintech sueca Klarna, por exemplo. Quando um viajante faz uma reserva pela plataforma de aluguéis, pode parcelar, via uma parceria com a startup financeira, a hospedagem em até quatro pagamentos divididos por seis semanas sem juros. É uma novidade para o americano, mas que já existe nos aluguéis do Brasil há anos –com a diferença de que tem juros.
“O BNPL serve mais a quem está tradicionalmente fora dos sistemas de crédito. Indivíduos com crédito ruim ou que não confiam no sistema podem acessar esses serviços de parcelamento mais facilmente”, diz o professor da Universidade de Michigan Justin T. Huang.
Para ele, mesmo com a inflação arrefecendo nos EUA, o parcelamento deve permanecer em alta pela entrada das big techs no mercado.
“Se antes era preciso confiar em fazer uma dívida em uma empresa desconhecida, agora quem tem Apple Pay já tem acesso a isso, o que torna muito atrativo para os consumidores e fica mais mainstream”, diz.
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