THIAGO AMÂNCIO
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Ao longo de semanas entre o fim de 2021 e o começo de 2022, enquanto a maior parte do mundo duvidava, Joe Biden alertou que a Rússia preparava uma invasão da Ucrânia. Depois que a ameaça se concretizou, há um ano, o presidente dos EUA empenhou assistência militar e financeira recorde para Kiev.
Mais recentemente, tomou um trem de 10 horas para uma zona de guerra da qual os americanos não têm o domínio para manifestar apoio e tirar uma foto com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski.
Ainda que com certa precaução para evitar o que pode ser visto como interferência direta na guerra, Biden entrou de cabeça no conflito como o principal aliado de Kiev para conter o avanço de Moscou.
Tudo isso ao mesmo tempo em que se movimentam as peças do xadrez para a Casa Branca em 2024 e cresce a oposição ao esforço empenhado pelo democrata em uma guerra do outro lado do mundo.
Biden não esconde o encantamento com Zelenski, repete que está com a Ucrânia “enquanto for preciso” e voltou de Kiev dizendo que seu coração ficou na cidade. Enquanto isso, a campanha de Donald Trump o acusa de se importar mais com a guerra do que com o povo americano e explora a inflação, o medo da recessão e as falhas na resposta ao acidente de trem em Ohio que carregava carga tóxica.
Há a expectativa de que Biden anuncie nas próximas semanas que vai concorrer à reeleição no ano que vem, e pesquisas apontam que vem caindo o apoio dos americanos à assistência à Ucrânia.
Em janeiro, 37% concordavam com o envio de fundos à Europa, segundo pesquisa da Associated Press, contra 44% em maio passado. Empate na margem de erro com os 38% que discordam. A queda na aprovação do fornecimento de armas é maior: de 60% a 48%.
Outra pesquisa, do instituto Gallup, apontou que cresceu de 7% para 22% entre março de 2022 e janeiro de 2023 a parcela das pessoas que acreditavam que o governo estava dando apoio demais para a Ucrânia.
O apoio, afinal, custa caro. O Congresso americano já autorizou o envio de US$ 113 bilhões (R$ 586 bi) em ajuda militar e outros tipos de assistência, segundo o Comitê por um Orçamento Federal Responsável.
Do total, US$ 67 bilhões foram para fins militares, e o restante para ações como apoio econômico e ajuda humanitária. É muito mais, por exemplo, do que os US$ 30 bilhões estimados pelo governo por ano para aliviar a dívida estudantil. Também muito superior ao enviado a outros parceiros dos EUA como Israel, que recebeu US$ 3,3 bilhões em 2020; Afeganistão (antes da tomada do Talibã), com US$ 2,8 bilhões; e Egito, US$ 1,3 bilhão, de acordo com o Council on Foreign Relations.
É na Câmara onde o apoio é mais questionado. O presidente da Casa, o republicano Kevin McCarthy, diz que não quer dar “cheques sem fundo” para Kiev. O deputado da Flórida Matt Gaetz apresentou um projeto do que chamou de “Resolução da Fadiga com a Ucrânia”, para “expressar o entendimento de que os EUA devem acabar com a ajuda militar e financeira.”
Para o cientista político Ken Kollman, da Universidade de Michigan, “sempre haverá risco para o político que foca a política externa, especialmente gastando muito dinheiro na defesa de outro país”.
Mas ainda há suficiente apoio entre eleitores e dentro dos partidos para que a assistência encabeçada por Biden seja considera arriscada politicamente. “Isso pode mudar. Se os EUA entrarem em recessão, terão mais vozes questionando porque estamos gastando dinheiro com isso, mandando dinheiro para o exterior, em vez de apoiar o próprio povo. Mas acredito que hoje a assistência está em sincronia com a visão mainstream nos partidos políticos e no público.”
Christopher Johsnon, porta-voz do Departamento de Estado, defende à Folha que “fortalecer os valores democráticos no mundo é muito importante para o povo americano” e que as políticas internas e externas não são excludentes.
“O governo Biden-Harris sempre trabalha para ajudar o povo americano. Temos várias linhas de atuação, com elementos internacionais e domésticos, com o mesmo objetivo. E achamos muito importante chamar atenção da comunidade internacional para terminar com esta guerra.”
A Ucrânia já era um tema complexo para Biden antes da guerra, em uma controvérsia envolvendo o período em que foi vice de Barack Obama, que resultaria ainda no primeiro impeachment de Trump.
A história envolve Hunter Biden, filho do presidente, contratado em 2014 para o corpo de diretores da companhia de energia ucraniana Burisma, do oligarca Mikola Zlochevski, envolvido em uma série de suspeitas de corrupção. Uma investigação do Senado em 2020 apontou que Hunter e um sócio “formaram um relacionamento financeiro consistente e significativo” com Zlochevski e que receberam milhões em transações de pessoas acusadas de corrupção.Entre 2015 e 2016, o procurador-geral da Ucrânia era Viktor Shokin, que investigava Zlochevski. Mas o próprio Shokin era suspeito de corrupção, e houve uma campanha internacional para afastá-lo. Biden foi acusado por republicanos de pressionar pela saída de Shokin do cargo para barrar a apuração contra o filho. A investigação do Senado sobre o caso, embora aponte problemas de Hunter na Ucrânia, não encontrou indícios de que seu pai cometeu irregularidades.
Republicanos ficaram na cola do democrata e, em julho de 2019, Donald Trump ligou para Zelenski, à época recém-eleito, e pediu que investigasse Hunter, condicionando a isso o envio de recursos ao país. O episódio ricocheteou de forma negativa: Biden não foi punido por suposto favorecimento de seu filho, mas Trump sofreu impeachment na Câmara (barrado no Senado) pelo telefonema.
A dias da eleição de 2020, que Biden venceria, o New York Post publicou reportagens com emails vazados que mostravam que Hunter apresentou seu pai em 2015, à época vice-presidente, a um executivo da Burisma, em um suposto conflito de interesses, mas o caso não ganhou tração depois que a reportagem foi abafada por redes sociais e classificada por jornais como “desinformação russa” -depois, as companhias voltaram atrás e admitiram a veracidade do material.
O esforço de Biden como uma espécie de patrocinador da liberdade ucraniana deve dar ao país um novo significado na biografia do presidente, caso concorra realmente na próxima eleição.
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