Pussy Riot muda o tom em atos contra Putin, vai para o OnlyFans e se entrega ao pop

MARINA LOURENÇO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dez anos atrás, o Pussy Riot pariu uma das performances mais polêmicas da música contemporânea. Vestindo balaclavas coloridas para esconder os rostos das integrantes, o grupo feminista foi à Catedral de Cristo Salvador, na capital russa, e tocou sua “Punk Prayer”, canção que faz referências a símbolos sacros como a Virgem Maria e debocha do presidente russo Vladimir Putin.

A apresentação, que logo viralizou, levou três das artistas do coletivo à prisão e rendeu fama global ao grupo, que nos últimos tempos tem trilhado caminhos bem diferentes dos que trilhava naquela época.

Lançada neste mês, a mixtape “Matriarchy Now” traz o Pussy Riot numa versão menos punk e mergulhada num superpop de acenos políticos sutis se comparados aos de canções como “Punk Prayer”, “Make America Great Again” e “Straight Outta Vagina”.

Com letras cheias de alusões sexuais e dominação feminina, as faixas do disco -produzido pela sueca Tove Lo, do hit “Habits”- dispensam a bateria acelerada, a guitarra rasgada e os vocais gritados que marcaram o grupo no início da carreira e, em vez disso, dão lugar a batidas eletrônicas, sintetizadores dançantes e flertes com o grime em canções como “Poof Bitch”, que traz a rapper Big Freedia.

Não é de hoje, porém, que o grupo embarca no pop. Embora mais politizado do que as músicas atuais, o hit “Make America Great Again”, de 2016, já indicava essa outra faceta do coletivo russo, que se define como artístico-ativista e é considerado um dos principais nomes atuais do chamado “riot grrrl”, movimento que une o punk a ideais feministas.

De 2012 para cá, o Pussy Riot mudou seu estilo musical, mas não só. Se antes suas integrantes não hesitavam em causar alvoroço com ousados protestos contra o governo russo que repercutiam pelo mundo, hoje seus gritos são mais cautelosos e evitam deixar pistas de seus paradeiros.

Isso porque a Rússia de 2012 e a de 2022 são países diferentes. Ou, pelo menos, é o que pensa Nadya Tolokonnikova, vocalista do Pussy Riot e ex-integrante do coletivo russo Voina.

“Perdemos nossas liberdades. Tudo está muito pior”, diz a artista, em entrevista por videochamada. “Hoje, a liberdade de expressão basicamente não existe na Rússia. Se você falar algo sobre a Guerra da Ucrânia, corre o risco de ficar preso por até 15 anos. Você nem pode chamar o que está acontecendo de guerra, porque, de acordo com um decreto [do governo], isso é uma ‘operação militar especial’. As pessoas vão para a cadeia até por coisas pequenas, como posts de Instagram e Twitter.”

Tolokonnikova, famosa por protagonizar protestos como o ato contra Putin na Catedral de Cristo Salvador -episódio que impôs a ela dois anos atrás das grades por “vandalismo motivado por ódio religioso”–, mantém sua localização atual em segredo.

Lucy Shtein e Maria Alyokhina, outras integrantes do Pussy Riot, também vivem hoje num lugar não revelado e fugiram da Rússia neste ano, conforme contaram ao jornal britânico The Guardian.

Shtein, que estava em prisão domiciliar havia mais de um ano por promover um protesto em defesa do líder da oposição russa Alexei Navalni -atualmente, preso-, saiu do país de fininho e disfarçada com roupas de entregadora de delivery pouco depois da eclosão da Guerra da Ucrânia.

Já Alyokhina, que foi detida mais de seis vezes, fugiu em abril, quando soube que sua prisão domiciliar se transformaria em breve numa pena de cárcere. Foi nesse momento também que se endureceu a repressão russa sobre manifestantes contrários à guerra.
“Pessoas estão sendo presas e torturadas. E seus familiares perdendo emprego por estarem associados a elas. Há também assassinatos”, diz Tolokonnikova. “Aqueles que ainda se manifestam [nas ruas] são extremamente corajosos. Mas nem todos conseguem ser, porque o preço do protesto é, literalmente, a vida.”

Tolokonnikova diz ainda que tenta não pensar muito nos próprios medos, vários dos quais vindos do período em que esteve presa e, por isso, diz que prefere pensar em refletir a respeito do que realmente pode fazer para protestar.

Muitas vezes lembrado mais pelo lado ativista do que pelo musical, o Pussy Riot coleciona vários atos polêmicos. Antes de causar alvoroço na Catedral de Cristo Salvador, por exemplo, o coletivo já havia virado notícia quando apareceu em frente à Catedral de São Basílio, em Moscou, onde soltou fumaça colorida, ergueu uma bandeira feminista e tocou uma música com uma letra que afirma que Vladimir Putin urina nas calças.

Hoje em dia, ainda que o coletivo continue promovendo o ativismo de causas diversas e ações que esbarram nos objetivos do governo russo, o Pussy Riot dá as caras mais em atos virtuais ou presenciais que estejam além das fronteiras de seu país de origem.

Em junho, algumas integrantes do grupo foram à sede do governo do estado do Texas, nos Estados Unidos, e fizeram um ato de repúdio à suspensão do direito constitucional ao aborto naquele país, pendurando, no interior da instituição, uma gigantesca faixa estampada com o letreiro “Matriarchy Now”.

“Isso é consequência de Donald Trump. Quando era presidente, ele nomeou juízes republicanos de extrema direita para a Suprema Corte. Agora, vemos os resultados disso”, diz a cantora.

Reagindo a essas decisões, o Pussy Riot abriu o LegalAbortion, um fundo de criptomoeda para doações a organizações que defendem direitos reprodutivos, como o Sister Song e o Naral Pro-Choice America. Segundo Tolokonnikova, já foram doados mais de US$ 500 mil, isto é, mais de R$ 2,5 milhões.

Algo parecido aconteceu em fevereiro, quando ela e outros ativistas abriram o UkraineDAO para arrecadar dinheiro por meio da venda de obras em NFT –tokens não fungiveís- de artistas mulheres e LGBTQIA+. Tolokonnikova afirma que a renda -que já ultrapassa o valor de US$ 4,5 milhões, ou R$ 23,3 milhões- é distribuída para organizações ucranianas que mobilizam apoio ao país.

“Eu me sinto envergonhada das ações do meu Vladimir Putin. Gostaria de dizer ‘presidente’, mas ele não é um presidente”, afirma a cantora. “É o ditador mais perigoso do planeta neste momento. Talvez as pessoas não saibam como o barrar, e isso também exigiria uma movimentação em escala global.”

Segundo a ativista, a Ucrânia tem chances de sair vitoriosa da guerra pelo fato de estar, segundo ela, “do lado certo da história”. Além disso, ela afirma que cada vez mais as pessoas têm compreendido “os perigos que Putin oferece”.

Tolokonnikova ainda ressalta que é importante separar o líder russo da população russa e critica uma onda recente de boicote a obras do país. “Até faz sentido em caso de artistas pró-Putin, ou pró-guerra, mas você não pode pintar todos os russos como ruins. É injusto e pode desencorajar pessoas a se opor ao governo.”

Ainda que seja o principal alvo do Pussy Riot, Putin não é o único inimigo do grupo. Elas também dizem ter por alvo o presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

No início de 2020, quando a banda veio ao Brasil para fazer um show, em São Paulo, no Festival Verão Sem Censura, um cartaz com as cores da bandeira LGBTQIA+ e o rosto de Bolsonaro ao lado de barris de lixo tóxico, armas e animais mortos foi publicado nas redes do coletivo.
Na postagem, a banda prometia fazer um show de revolta, “como se estivesse em cima daquela ‘cabeça-busto-desgoverno-monumento-vazia de ideias'”, em referência ao presidente brasileiro.

“Ele é antifeminista, anti-LGBTQIA+, autoritário e perigoso para o planeta”, afirma Tolokonnikova, que em seguida engata em relatos de uma viagem que fez à Amazônia, anos atrás. Ela conta que conversou com vários indígenas da região e só ouviu “coisas terríveis” sobre o presidente.

“Fazendeiros estão queimando florestas para dar espaço a gado, poluindo rios e assassinando povos indígenas. E, até onde sei, Bolsonaro os apoia.”

Além de carteiras virtuais para arrecadação monetária, o Pussy Riot também está por trás do site Mediazona. Fundado em 2014 por Tolokonnikova e Masha Alekhina, a plataforma é um veículo de comunicação independente, no qual textos e podcasts são publicados sem o pitaco de pessoas ligadas ao Kremlin.

Mas, mesmo com tantas ações militantes no universo virtual, a rotina online atual do Pussy Riot não se resume a ativismo ou a música. O grupo também tem perfil no OnlyFans, rede que ficou famosa por conteúdo erótico pago.

Lá há centenas de nudes e vídeos de Tolokonnikova mostrando o corpo e seduzindo seus assinantes, que chegam a pagar até US$ 79,80 -ou R$ 413- para ver as feministas nuas. Em várias postagens, o grupo explora um fetiche no qual mulheres são dominadoras sexuais, algo que está presente também em letras do novo disco da banda.

Segundo a cantora, produzir conteúdos pornográficos e se declarar feminista não são tarefas que andam, necessariamente, em direções opostas, ao contrário do que dizem algumas militantes do movimento. “Se você quer postar fotos nuas, poste. Seu corpo pertence a você.”

Quanto ao mergulho no pop em “Matriarchy Now”, Tolokonnikova diz que vê o punk como um estilo de vida que ultrapassa as barreiras sonoras e explica por que, mesmo com tantas mudanças nos últimos tempos, o Pussy Riot ainda bebe das origens. “Ser punk é questionar tudo, incluindo a si próprio. É uma atitude, um estado de espírito.”

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