SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Rússia tem atualmente o segundo maior arsenal nuclear do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. O poderio tem sido evocado na guerra na Ucrânia ora por autoridades de Moscou, em tom de alerta no caso de “ameaça existencial contra o país”, ora por Kiev e aliados, que repudiam o espantalho.
O posto se deve em parte ao desenvolvimento desse tipo de tecnologia militar durante o período da União Soviética, sob a Guerra Fria, mas também a acordos feitos com as demais repúblicas após a dissolução do bloco comunista e à pressão justamente dos EUA à época.
Com o fim da URSS, em 1991, Cazaquistão, Ucrânia, Belarus e Rússia assinaram um tratado para dividir o controle do enorme arsenal nuclear da nação que se desmontava.
Então, os cazaques herdaram o segundo maior campo de testes nucleares do mundo e os ucranianos, que hoje não têm mais armas atômicas, à época se tornaram o terceiro maior estoque do mundo.
A transição nuclear teve participação dos principais líderes envolvidos também na dissolução soviética.
Ieltsin e Gorbatchov Em 1991, quando o enorme arsenal da União Soviética acabou dissolvido entre algumas de suas repúblicas que se tornavam independentes, notou-se a necessidade da criação de algum tipo de acordo para garantir não só o controle desses armamentos (e consequentemente evitar que uma guerra nuclear começasse), mas também sua manutenção adequada -sem o devido cuidado, as ogivas poderiam causar um desastre sem precedentes.
Em julho daquele ano, pouco após o fim do bloco comunista, Rússia e EUA assinam o acordo chamado de Start 1 (sigla em inglês para “redução estratégica da ameaça de armas”), que, dentre outras coisas, versava sobre a redução, de ambos os lados, do arsenal nuclear dos países.
Meses mais tarde, Rússia, Ucrânia, Cazaquistão e Belarus firmaram um acordo para criar um comando compartilhado entre os países do espólio atômico soviético.
Mas a pasta com os detalhes mais secretos (como os códigos que autorizavam o lançamento das ogivas) foi passada diretamente por Mikhail Gorbatchov, ex-líder soviético e que comandou o fim do bloco, para Boris Ieltsin, o novo presidente russo.
Portanto, ainda que o termo determinasse que o lançamento de ogivas precisava de comum acordo entre os quatro países, o poder de “apertar o botão” se concentrava na Rússia.
James Baker, então secretário de Estado dos EUA, relatou posteriormente à revista Forbes o trecho de uma conversa com Ieltsin: “[Ele] contou que eles [Ucrânia, Cazaquistão e Belarus] acreditavam que teriam armas nucleares, quando, na realidade, isso nunca aconteceria”.
O interesse dos EUA Um desentendimento do tipo poderia levar a um problema de proporções nucleares. E, nesse sentido, os EUA, como a maior potência atômica no mundo, agiram para garantir que a solução do problema atendesse também aos seus interesses, como revelou Baker na mesma entrevista.
“Realmente, queríamos lidar com apenas um país, não com os quatro. Não queríamos acabar com mais quatro países com armas nucleares”, afirmou.
Então, já em maio de 1992, os quatro países e os EUA assinaram o Protocolo de Lisboa, que não só incluía Ucrânia, Cazaquistão e Belarus no acordo Start 1, mas também nomeava esses três como Estados não nucleares e a Rússia como Estado nuclear.
Era o primeiro passo para a concentração do arsenal pelos russos.
O caso da Ucrânia Cada um dos países fez suas negociações para a transferência dos armamentos.
A única exigência era que tudo estivesse terminado até 1997, pois aquele era o ano de validade de uma boa parte do arsenal nuclear soviético, quando então ele já precisava estar sob cuidado russo para evitar uma catástrofe.
O Cazaquistão fez uma troca de armas atômicas por armas não atômicas já em 1992. A Belarus entregou seu estoque e recebeu em troca garantias de segurança -atualmente, inclusive, o país revê sua posição de não nuclear alegando uma ameaça de que nações fronteiriças da Otan, como a Polônia, estoquem mísseis desse tipo.
A Ucrânia foi mais reticente em abrir mão do seu arsenal. Assinou o Memorando de Budapeste (documento do qual, além dos Estados já citados, também o Reino Unido é signatário) com as condições da transferência apenas em 1994 e já sob resistência interna de alguns de seus políticos.
Volodimir Tolubko, ex-militar e então membro do Parlamento, dizia que a decisão era prematura e que os ucranianos deveriam manter parte das armas como maneira de dissuadir possíveis invasões.
Naquela época, todas as repúblicas ex-soviéticas caminhavam em clima de incerteza política, já que seus todos os seus governos eram recém-instalados. A Ucrânia, por exemplo, havia conquistado sua independência apenas três anos antes, em 1991.
O acordo com os ucranianos previa como troca a garantia de sua segurança, o respeito de suas fronteiras e o pagamento de milhares de dólares pela Rússia e pelos EUA.
“Se a Ucrânia não tivesse abandonado as armas nucleares, ninguém a reconheceria como um país independente”, lembrou em 2011 Volodimir Litvin, presidente do Conselho Supremo do país, segundo o jornal Gazeta Russa.
A fala de Litvin mostra como o então recém-nascido Estado era receoso sobre seu futuro –e não apenas por ameaça de vizinhos.
Segundo o então presidente ucraniano, Leonid Kravtchuk, foram os EUA os responsáveis por impor a condição do desarmamento completo ao país, ameaçando-os justamente com possíveis sanções, tática hoje aplicada contra os russos na guerra da Ucrânia.
“Caso não retirássemos as ogivas da Ucrânia, não apenas se iniciaria uma pressão, mas o país sofreria um bloqueio”, recordou ele posteriormente, ainda segundo a Gazeta.
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