Dançarina que fugiu da Ucrânia dias antes da guerra encontra refúgio no Brasil

MAYARA PAIXÃO
GUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) – Esta é a quarta vez que Darina Konstantinova, 25, vem ao Brasil. A primeira viagem, em 2017, foi a trabalho, e assim foram também as duas seguintes. Dançarina e coreógrafa de dança do ventre e outros estilos, ela recebeu convites para dar aulas e se apresentar.

Quando desembarcou em solo brasileiro no último dia 15, porém, o motivo era outro: ucraniana, decidiu deixar seu país com o medo da guerra que, àquela altura, estava prestes a começar. “Quase não durmo, estou o tempo todo no telefone tentando ajudar o máximo que posso.”

Diva Darina -nome artístico- trabalha há uma década com dança. Da casa de uma amiga onde está hospedada em Curitiba, no Paraná, polo da comunidade ucraniana no Brasil, conta ser comum que meninas em seu país pratiquem dança desde cedo. No caso dela, foi preciso o que chama de audácia.

Ela começou a estudar dança aos 5 anos e, já aos 12, dava aulas em uma casa de cultura local. Tamanho foi o público que Darina convenceu a mãe a ajudá-la a abrir uma escola própria, na cidade natal da família, Khmelnitski, município de 270 mil habitantes às margens do rio Buh e a cerca de 5 horas de trem de Kiev.

Ao longo desses anos, acumulou muitos seguidores na internet com os quais hoje compartilha as cenas da invasão russa em seu país e clamores por ajuda. São 305 mil seguidores no Instagram e 403 mil no Facebook. O canal de Darina no YouTube, com 293 mil inscritos, foi o que mostrou seu trabalho para organizações de dança ao redor do mundo e permitiu que fosse convidada para mais de 30 países.

“O mais importante no momento é usar a minha audiência para levar informações verdadeiras para as pessoas”, diz. As mais recentes publicações em seus perfis contêm trechos de vídeos de bombardeios que recebe de amigos e familiares, bem como mensagens oferecendo e pedindo ajuda a refugiados.

“Esta mensagem é para as pessoas que me pedem para calar sobre a situação do meu país e cuidar apenas dos meus negócios -‘dance, mas não fale’: não tenho medo de perder seguidores, tenho medo de perder a minha vida, a vida dos meus pais e de amigos”, disse em um vídeo.
O pai e a mãe de Darina -ele, funcionário de um departamento especial da política, e ela, dona de casa- seguem em Khmelnitski sem previsão de deixar o país junto à onda de refugiados que já ultrapassa a cifra de 1,5 milhão. “É impossível, porque meu pai não pode deixar a Ucrânia, e minha mãe não vai abandoná-lo.”

Quando decidiu vir ao Brasil, país com o qual criou laços, o fez por medo do que estava por vir. Havia meses, o presidente russo, Vladimir Putin, concentrava mais de 100 mil soldados nas fronteiras. Darina temia que, com o possível fechamento do espaço aéreo em situações de tensão como essa, não pudesse viajar a trabalho e, assim, sustentar-se. Mas nem ali uma guerra parecia algo iminente, ela diz.

“Nós recebíamos as notícias das fronteiras, e é claro que tínhamos medo. Mas a gente sabia que o presidente da Rússia tentava assustar o nosso povo, afinal, nos últimos oito anos tivemos guerra na fronteira. Ninguém realmente acreditava que isso aconteceria porque já estávamos todos acostumados a viver com esse sentimento. A gente pensava: ‘não, Putin não é tão louco assim’. Mas ele é.”

Não é a primeira vez que a vida de Darina é impactada pela relação russo-ucraniana, ainda que nunca algo tenha ganhado tamanha proporção. Ela lembra com detalhes das manifestações de 2013 e 2014 que antecederam a queda do presidente Viktor Ianukovich, quando ele se distanciou da União Europeia e se aproximou de Moscou, gerando insatisfação popular. Darina participou dos atos, assim como sua família.

Ela expressa incômodo com os discursos de Putin, em muitos dos quais o líder do Kremlin sugere haver hostilidade dos ucranianos com os russos. “Todos sabemos a língua russa, todos temos ao menos um parente na Rússia. Somos abertos, pacíficos. A propaganda na TV é terrível porque não é verdade.”

Pesquisa do instituto Rating sugere que a fraternidade entre a população dos dois países pode se ver abalada pela guerra. Em levantamento realizado com 1.200 ucranianos de todas as regiões do país -com exceção da Crimeia e do Donbass- no dia 1º de março, 55% dos respondentes disseram achar que a culpa da guerra é só do Kremlin. Outros 38%, porém, disseram ser do governo e também do povo russo.

Darina é mais uma das entusiastas do presidente Volodimir Zelenski, que vem sendo heroicizado pela população e por parte do Ocidente. Diz que só não votou nele em 2019 porque estava na China, a trabalho, mas que a família apoiou o ex-comediante.
A coreógrafa e dançarina não sabe quais serão os próximos passos, apesar de já ter apresentações marcadas no Brasil. Não tem ideia de quando poderá rever os pais e menos ainda quando vai pisar em seu país novamente. “Entendi que nos próximos meses isso será impossível, porque eles estão destruindo a Ucrânia. Quero ajudar a reconstruir meu país, haverá muito para fazer depois da guerra.”

Por ora, diz saber apenas que o Brasil foi a escolha certa de destino. Um dos primeiros países a acolhê-la como dançarina profissional ganhou o seu apreço, que só cresceu com a recepção desde que chegou temendo a guerra. “Em vidas passadas acho que fui latina, provavelmente brasileira.”

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