Inclusão de docentes negros no ensino superior pouco avança

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quem forma médicos, advogados, engenheiros e outros profissionais no ensino superior do Brasil são, sobretudo, pessoas brancas –e o cenário praticamente não mudou nos últimos anos.

Os dados oficiais são do Censo da Educação Superior do Inep-MEC (de 2019). As informações são baseadas em autodeclarações dos professores em exercício nas instituições de ensino superior públicas e privadas.

Por exemplo, pelo retrato, a USP –melhor universidade do país, de acordo com rankings nacionais e internacionais– não chega a ter 4% de docentes negros.

Algumas universidades brasileiras são totalmente –ou quase– brancas no seu corpo docente. Caso da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e das privadas do Contestado, Feevale, de Caxias do Sul e Católica de Pelotas. Todas essas instituições ficam no Sul do país.

É lá que está a menor participação de negros no corpo docente: apenas 6% de quem dá aula nas instituições de ensino superior sulistas se declara preto ou pardo. A taxa sobe um pouco no Sudeste (13%) e no Centro-Oeste (31%). No Norte e no Nordeste do país, pouco mais da metade dos professores que declararam cor/raça é negra.

Considerando todas as instituições de ensino superior, 23,6% dos docentes em exercício são pretos ou pardos. O avanço foi pequeno: em 2010, essa taxa era de 19,3%.

Os dados mostram que as políticas voltadas para inclusão racial têm observado resultados tímidos nas universidades brasileiras. E, pior, algumas dessas políticas estão próximas de expirar.

Caso da lei 12.990, de 2014, que determina reserva de 20% das vagas dos concursos públicos –incluindo para docentes nas universidades federais– até 2024, quando termina sua vigência.
No ano de implementação dessa lei, o percentual de docentes negros especificamente nas universidades federais era de 24,4%. Agora, está em 28% –pouco acima da média nacional (de 23,6%), mas ainda bem abaixo da expectativa.

“O cenário quase não mudou”, avalia Delton Felipe, historiador da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e diretor de Relações Institucionais da ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores Negros).

Felipe tem se dedicado a avaliar o impacto das leis de inclusão racial na educação –como a 12.990 que, para ele, tem de ser prorrogada.

O problema é que muitas universidades têm feito uma leitura de que a reserva legal de 20% deve se dar em vagas para uma mesma área. Ou seja: se uma instituição, por exemplo, abrisse cinco vagas para docentes na área específica de “sistemas e materiais estruturais”, então uma delas seria para um candidato negro. Só que isso nunca acontece.

E como resolver isso?

“É preciso considerar o total de vagas abertas para concurso docente em toda a universidade.” Isso significa que se uma instituição abrir cinco vagas em diferentes áreas do conhecimento, pelo menos uma delas tem de aprovar um candidato negro.

Além da reserva de vagas, Felipe destaca também a importância da diversidade racial nas bancas de seleção dos concursos para docentes das universidades –pauta também do movimento feminista. São as bancas, afinal, que escolhem os candidatos aprovados.

“É preciso fazer valer as legislações e é necessário ir além”, diz Alan Alves Brito, astrofísico da UFRGS. Para ele, ações afirmativas devem visar também a manutenção dos estudantes negros que ingressam no ensino superior. “Existe um efeito tesoura dos corpos negros, que vão desaparecendo ao longo da carreira.”

A falta de diversidade de pretos e pardos no ensino superior brasileiro é velha conhecida do movimento negro do país. Ganhou força com a chamada Lei de Cotas, de 2012, que determina que 50% das vagas das instituições federais de ensino devem ser preenchidas por autodeclarados pretos, pardos, indígenas e por pessoas com deficiência.

“Nessa época, começa a integração de alunos negros no ensino superior, mas esses estudantes não tinham em quem se projetar”, diz Felipe. “Era preciso aumentar o número de pessoas negras no serviço público. Constatou-se que a universidade brasileira era extremamente branca.”

No ano que vem, a Lei de Cotas completa uma década e será revisada –o que foi definido em legislação complementar, de 2016. Há receios de que perca força sem bons resultados.

Hoje, a proporção de alunos pretos e pardos nas instituições de ensino superior brasileiras é maior do que a de docentes, mas também é desigual: não chega a 39% dos matriculados no Sudeste e nem a 17% no Sul.

Na pós-graduação, como a Folha já mostrou, só 1 em cada 4 matriculados em programas de mestrado e de doutorado no Brasil é negro. Em áreas como medicina e odonto, a participação dos negros cai para 1 em cada 10 cientistas em formação.

O diagnóstico sobre raça no ensino superior brasileiro é incompleto porque faltam informações. No Censo da Educação Superior, há dados declarados de cor/raça sobre pouco mais de dois terços dos professores de todas as instituições de ensino superior públicas e privadas do país.

Cerca de um terço dos professores preferiu não informar cor/raça (taxa que sobe para quase metade especificamente no caso das universidades federais). Em algumas universidades, a maioria dos docentes não declara informação sobre cor/raça, caso das federais do Amazonas, Rural do Rio de Janeiro, do Oeste do Pará e de Pelotas.

Nesse levantamento, a Folha se baseou nos dados declarados do Censo –e só menciona, no texto, universidades específicas que tiveram pelo menos dois terços do seu corpo docente com respostas declaradas para cor/raça (o que corresponde à média nacional).

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