SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma garantia ao escrever um livro sobre a Amazon e o império de Jeff Bezos é que estará desatualizado em poucos dias. Brad Stone, editor na Bloomberg e autor de “Amazon sem limites”, recém-lançado no Brasil, sabia disso ao publicar sua segunda obra sobre a empresa.
“Não estou surpreso com a viagem ao espaço, o que me surpreende é ele e o irmão embarcarem na missão”, afirmou o autor à Folha de S.Paulo na segunda (7), dia em que Bezos cravou que sai do Planeta Terra antes de Elon Musk, o maior cotado ao feito até então. “É o risco de escrever sobre a Amazon, tudo muda o tempo todo.”
Se quisesse atualizar o livro com fatos recentes, Stone poderia adicionar mais páginas ao capítulo da Blue Origin, a tímida empresa de foguete de Bezos vai lançá-lo ao espaço, a investigação de um relatório vazado na terça (8) indicando que plutocratas americanos como ele pagaram pouco ou zero impostos de 2014 a 2018 e os planos do G7 em cobrar pesar a mão na tributação da Amazon.
A linha do tempo limitada por Stone para contar parte da história de uma das empresas mais valiosas do mundo e de outros negócios encabeçados por seu fundador vai do Echo, caixa de som inteligente embarcada com a assistente virtual Alexa, à pandemia de Covid. No último ano, as restrições sociais explodiram as vendas pela internet e triplicaram o lucro da companhia.
Em “A loja de tudo” (2014), o jornalista escreveu sobre a Amazon pré-Alexa, com a história fixada ainda na transição que levou a varejista de livros a ser a varejista de tudo. Bezos, na época, topou participar, mas não ficou feliz com algumas passagens do livro. Foi através dele que descobrira a identidade de seu pai biológico. Desta vez, decidiu não colaborar.
“Amazon sem limites” é um passeio minucioso sobre como iniciaram e se desenrolaram os principais negócios idealizados por Bezos, sempre no topo do ranking de riqueza global. Também de como ele passou da figura do nerd com uma vida privada discreta à do bon vivant afeito a festanças de Hollywood. Stone afirma ter ouvido cerca de 300 funcionários e ex-funcionários, incluindo o alto escalão. “No fim, achei que o livro não sofreu com a ausência de Bezos.”
Muitas das histórias discorridas em 15 capítulos receberam amplo destaque na imprensa nos últimos anos: a aquisição do Whole Foods, que introduziu a Amazon no setor alimentício, a compra do Washington Post, a loja sem atendentes humanos e o crescimento meteórico do serviço de computação em nuvem.
Não ficaram de fora detalhes sobre o polêmico concurso que a Amazon promoveu entre cidades americanas para receber uma grande filial -benefícios fiscais eram um dos critérios de desempate-, o divórcio de Bezos e Mackenzie, que preencheram tabloides de fofoca, as trocas de farpas com Donald Trump e as condições trabalhistas precárias em grandes centros de distribuição.
A partir do relato de executivos, se confirma em quase todos os episódios uma cultura de rigor, exagero e da obsessão de Bezos por inovação. Nos projetos mais ambiciosos, são comuns jornadas de trabalhos superiores a 18 horas, encontros intempestivos, prazos quase impraticáveis e pressão excessiva.
Apesar de rotinas objetivas e de relatórios de seis páginas a cada reunião, os produtos que entusiasmam Bezos exigem das equipes alto dispêndio de imaginação. Funcionários contam sobre o desgaste para concretizar ideias que só existem na cabeça do chefe -ele mesmo assume beber direto na fonte da ficção científica.
Algumas delas fracassam. Além do Fire Phone, celular com tela 3D que fez a Amazon desistir do nicho logo após entrar, houve também o hambúrguer de uma vaca só. Ao descobrir que a produção de hambúrgueres usa até cem animais, Bezos tentou popularizar uma peça de carne feita apenas de um. O projeto envolveu uma equipe grande, foi caro, trabalhoso e mostrou-se inviável.
“Deveríamos construir um dispositivo de US$ 20 com cérebro na nuvem e completamente controlado por voz”, escreveu o empresário a executivos em 2011, momento que marca o nascimento da Alexa. Pouco tempo depois, a Apple apareceu com a assistente virtual Siri no iPhone 4S.
Mesmo atropelado pela concorrência, Bezos perseguiu, junto a um grupo ultrassecreto, o ideal da caixa de som inteligente.
Estava convencido que um computador pequeno destinado ao ambiente doméstico traria uma experiência muito diferente de um assistente no celular.
A Amazon comprou, no mínimo, três startups para o processo. Colocou empregados em apartamentos para treinar a fala dos dispositivos por oito horas ao dia. Incumbiu equipes para revisar todas as gravações manualmente.
Numa espiral de tentativa, erro, aquisições e bate-boca, começou a vender o Echo em 2014, abrindo um mercado do qual ainda se mantém protagonista.
Além das invenções, o ambiente de trabalho da Amazon ganha descrições valiosas no livro de Stone. Empregados de centros de distribuição não recebem aumento após três anos de trabalho, por exemplo, a não ser que sejam promovidos. Bezos não os quer por muito tempo. “Não deseja que se organizem em sindicatos. É como os usa: se não ajudarem à sua causa, devem ir embora.”
A empresa nunca foi reconhecida pela venda de felicidade e de bem-estar em seus escritórios, como fazem outras empresas de tecnologia. Em 2015, reportagem do The New York Times caracterizou um ambiente corporativo marcado por medo e choro. Depois disso, Bezos promoveu mudanças e solicitou que funcionários que se sentissem lesados por gestores enviassem email a ele ou ao RH. Centenas de pessoas o teriam feito.
A vida pessoal de Bezos ganha evidência nos últimos capítulos, com uma separação que se tornou conturbada pelos paparazzi e pelo irmão de Lauren Sanchez, apresentadora de TV e nova namorada de Bezos. Ele vazou informações íntimas do casal. “Era uma saga pessoal difícil de cobrir. Até a administração Trump se envolveu, era muita desinformação”, afirma Stone.
Em retrospecto, o autor diz ter se dado conta que o livro “é essencialmente a história de Bezos deixando a Amazon e abrindo os olhos para um mundo mais amplo, que inclui política, Washington Post, vida pessoal e a companhia do espaço”. De fato: Bezos deixa a presidência no dia 5 e embarca para o espaço 15 dias depois.
“Amazon sem Limites”
Brad Stone, ed. Intrínseca (512 págs.)
R$ 69,90 e R$ 46,90 (ebook)
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