FERNANDO CANZIAN
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – As famílias norte-americanas devem perder, em média, US$ 3.800 (cerca de R$ 21.900) neste ano como reflexo do aumento de tarifas anunciado por Donald Trump em 2 de abril -chamado “Dia da Libertação” pelo presidente dos Estados Unidos. O valor equivale a mais da metade da renda de um mês de cada domicílio no país.

 

A perda decorrerá de um aumento médio de 2,3% nos preços de produtos tarifados e de demais bens nas cadeias de produção norte-americana. As novas barreiras comerciais, sobretudo contra Vietnã, Bangladesh e Tailândia, afetam principalmente o setor de vestuário, cujos preços devem subir 17% sob as novas alíquotas.

Os cálculos são do Budget Lab, da Universidade Yale, e têm sido considerados por economistas entre os mais consistentes até aqui. O órgão estima que o PIB (Produto Interno Bruto) dos EUA vá encolher neste ano 0,5 ponto percentual só com as tarifas anunciadas em 2 de abril. Levando em conta o conjunto de medidas desde que Trump assumiu o cargo, a queda chegaria a -0,9 ponto.

A longo prazo, a manutenção das novas barreiras, segundo o Budget Lab de Yale, fará com que o PIB dos EUA permaneça 0,6 ponto percentual abaixo de seu potencial anterior às tarifas. Isso acarretará perda de US$ 180 bilhões (R$ 1,03 trilhão) só neste ano.

As medidas de 2 de abril equivalem a um aumento na tarifa média efetiva dos EUA de 11,5 pontos percentuais. Após a incorporação de tudo o que foi anunciado até agora, a taxa média passou a 22,5%, a mais alta desde 1909.
Para o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, o 2 de abril de 2025 deveria ser batizado de “dia do empobrecimento” dos EUA. “‘Dia da Libertação’ é um nome infame para o que vai acorrentar a população a preços mais elevados”, afirma.

“Há uma falta de entendimento não apenas econômico, mas de relações internacionais, no entorno de Trump, que leva a confundir o fetiche da reindustrialização com práticas tarifárias ultrapassadas, que vão piorar a qualidade industrial do país. Pois insumos importantes ficarão mais caros, assim como será afetado o canal de exportações dos EUA”, diz Vale.

Em relatório distribuído a clientes na semana passada, o IIF (Instituto de Finanças Internacionais, na sigla em inglês), que reúne mais de 400 bancos e instituições no mundo, considerou que as tarifas adotadas sobre setores estratégicos constituem o principal foco das medidas.

“Produtos essenciais para a resiliência nacional, incluindo semicondutores, cobre refinado e farmacêuticos selecionados, agora enfrentarão tarifas de 10% a 25%. Elas foram explicitamente projetadas para realinhar as cadeias de suprimentos, promovendo a produção doméstica de longo prazo em vez de gerar receita imediata”, diz o IIF.

O órgão considera que a administração Trump articulou as mudanças de forma a tornar permanentes as novas políticas comercial e tarifária dos EUA. “Haverá negociações e revisões regulares, mas o custo de acesso ao mercado dos EUA mudou fundamentalmente”, diz o IIF.

Para Armando Castelar, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, alguns pontos importantes podem ser depreendidos de recentes entrevistas do secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, e de Comércio, Howard Lutnick.

O primeiro é que o consumidor americano deixa de ser a prioridade, entrando em seu lugar o trabalhador e a expectativa de mais empregos industriais para a classe média, o que amenizaria o impacto de mais inflação com as tarifas. Castelar considera a aposta arriscada, pois robôs e inteligência artificial devem ditar as regras do mercado de trabalho.

O segundo seria isentar de impostos quem ganha até US$ 150 mil anuais (R$ 860 mil; 85% dos americanos), colocando mais dinheiro em circulação e compensando as perdas na arrecadação com cerca de US$ 1 trilhão ao ano (R$ 5,75 trilhões) com receitas das tarifas.

Haveria ainda a intenção de impulsionar a economia dos EUA com a diminuição dos gastos públicos e desregulamentando restrições ambientais e financeiras a empresas.

“Trump deve conseguir avanços na desregulamentação, mas anúncios de cortes de gastos têm sido revertidos na Justiça. No conjunto, a inflação deve subir, e o PIB, cair, num cenário de estagflação [inflação com recessão ou crescimento baixo]”, diz Castelar.

O resultado líquido do tarifaço ainda é incerto, dado que países com relações com os EUA vêm retaliando, como o fez a China nesta sexta (4), ao impor tarifas de 34% sobre todos os produtos importados dos EUA.

Até aqui, no entanto, os anúncios de novas tarifas contra países vêm derrubando os preços das ações das principais empresas norte-americanas. Como boa parte da poupança das famílias nos EUA é investida na Bolsa de Valores, elas também estão ficando mais pobres por este canal.

Nos últimos dez anos, o déficit comercial dos EUA com o mundo e a China vem se mantendo relativamente estável em comparação ao tamanho da economia americana. Em relação ao PIB dos EUA, o déficit no comércio de bens com outros países tem oscilado ao redor de 4%. Considerando bens e serviços, entre 2,5% e 3,5%.

O ponto fundamental é que o déficit norte-americano relaciona-se ao excesso do que o país precisa comprar em bens e serviços do resto do mundo para fazer sua economia rodar, em relação ao que consegue produzir internamente. Por isso, deve continuar importando bilhões de dólares em bens nos próximos anos, agora a um custo maior.

Para José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central, “não há nenhuma viabilidade na estratégia de Trump de reindustrializar os EUA utilizando-se de tarifas”. “A perda de empregos industriais é uma realidade comum a todos os países que enriqueceram e que acabam naturalmente demandando mais serviços”, afirma.

Em sua opinião, vai demorar um bom tempo até que Trump e seus partidários se deem conta do erro dessa estratégia. Enquanto isso, países concorrentes, em especial a China, devem ganhar terreno ao longo do caminho, acredita.

Leia Também: Em caso de golpe ou fraude no Pix, cliente poderá contestar direto em app de banco