RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – Tardança de jogo devido à tempestade de saraiva, mudança de horário por culpa do calor excessivo, jogador substituído posteriormente quadro de desidratação e pedido para não ter jogos às 16h30. Neste primórdio de temporada o futebol brasílio se viu obrigado a colocar em tarifa um debate que passa longe das quatro linhas: o clima.
De fortes chuvas ao calor excessivo, passando pela saúde de atletas e espectadores, federações de diversos cantos do país passaram a estudar adaptações na tábua para fugirem de eventos extremos. A Federação de Futebol do Rio de Janeiro (Ferj), por exemplo, anunciou que a reta final do Carioca terá jogos só depois das 18h.
“Quando olhamos para as ondas de calor, estamos falando de um cenário de extremos climáticos. Os extremos climáticos, ao longo dos últimos anos, foram se potencializando, as ondas de calor foram ficando cada vez mais presentes. Temos visto isso. Em 2023, tivemos nove episódios, em 2024, oito e, agora, já começamos 2025 sob esses efeitos”, disse Guilherme Borges, meteorologista da Climatempo.
O técnico ressalta ainda que, em diversas oportunidades, os jogos são marcados para períodos do dia onde a temperatura está bastante elevada. “As partidas de futebol, muitas vezes, ocorrem no meio da tarde, quando o pico de temperatura está muito superior. Com essas massas quentes atuando, a temperatura fica supra da média normal para o mês, e é potencializada.
Logo, consequentemente, impacta na prática do futebol, pois sabemos os efeitos do calor no corpo humano, ainda mais para os atletas que são pessoas de superior desempenho físico”, completou Borges.
Gerson, capitão do Flamengo, enviou uma epístola a Alfredo Sampaio, presidente do Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado do Rio (Saferj), pedindo pedestal nessa questão. “Nossa profissão exige sacrifícios, mas colocar nossa saúde em risco desnecessariamente não pode ser uma exigência do jogo”, diz trecho.
Guilherme Borges lembra outros exemplos de eventos climáticos que alteraram o calendário esportivo e ressalta ainda que será necessário que as federações tenham um monitoramento mais próximo sobre o tema.
“Já houve partidas de futebol adiadas por tempestades de relâmpago, por chuva de saraiva. Esses são exemplos muito fortes de uma vez que, de maneira universal, o clima impacta muito o futebol. Ao longo dos anos, com as mudanças climáticas potencializando esses eventos extremos, principalmente de calor, vamos precisar de um comitiva mais leal, principalmente dos clubes e federações, uma vez que um todo, para verificar as consequências não exclusivamente para os jogadores, mas também para quem acompanha o espetáculo, porque quem se desloca para ir ao estádio também sofre e corre riscos”, disse Guilherme Borges.
No Rio Open, evento de tênis que está ocorrendo no Rio de Janeiro nesta semana, atletas treinaram sem camisa para amenizar as altas temperaturas e houve delonga no horário de início de algumas partidas.
OS RISCOS EM NÚMEROS
O Terreno FC -projeto que procura dar maior aderência aos debates sobre sustentabilidade no futebol-, em parceria com a ERM, divulgou um estudo durante a 19ª cúpula do G20, no ano pretérito, que “explora o profundo impacto das mudanças climáticas no futebol brasílio”. Foram analisados diversos fatores envolvendo os 20 clubes da edição de 2024 da Série A do Brasiliano. O levantamento indica que:
– 85% dos clubes possuem um superior risco de enfrentar impactos climáticos severos
– 45% possuem um superior risco de enfrentar impactos severos de inundações
– 55% possuem um superior risco de enfrentar impactos severos de queimadas
– Todos os 20 clubes sediam suas partidas uma vez que mandante em cidades com ao menos um tipo de risco em nível médio, particularmente inundações e queimadas
“Fizemos essa estudo a partir das cidades onde os clubes estão sediados e tendo o olhar para uma vez que a logística também é impactada. Por exemplo, ano posteriormente ano estamos batendo o recorde de altas temperaturas. A intenção do estudo é invocar a atenção para a premência de adaptação diante desse cenário. Além da perspectiva de estrutura e técnica, há o impacto para o torcedor”, disse Ricardo Calçado, diretor do Terreno FC.
O documento aponta que “há poucos estudos acadêmico-científicos relacionados com os efeitos das mudanças climáticas no esporte e são mais escassos ainda aqueles ligados ao futebol”, aliás, salienta que “a força da reciprocidade – e, eventualmente, a causalidade – entre as mudanças climáticas e o esporte mais popular do mundo ainda precisa ser mais muito estabelecida. Esse ponto é fundamental para a identificação de riscos específicos e o figura de estratégias para sua gestão”.
Um trecho do estudo jogou ainda mais luz aos efeitos das enchentes no Rio Grande do Sul, que ocorreram no ano pretérito, citando prejuízos financeiros aos clubes e a necessária modificação no calendário. “A própria viabilidade das partidas foi comprometida no estado. Em menos de um mês dos eventos climáticos extremos, murado de 88 partidas foram adiadas pelo Brasil, afetando campeonatos internacionais, uma vez que a Libertadores e Sul-Americana, além de 9 campeonatos da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), masculino e feminino, uma vez que a Despensa do Brasil e o Campeonato Brasiliano”.
“Estamos falando sobre coisas que já estão acontecendo. No ano pretérito o Rio Grande do Sul sofreu com as enchentes e isso é um exemplo do quanto é importante o debate. Estamos falando, sim, da sobrevivência do próprio futebol, no sentido da realização pura e simples de treinamentos ou de jogos. Estamos falando de impacto financeiro, que é outro paisagem bastante importante para ser considerado. Estamos falando da viabilização da experiência de chegar ao estádio. São muitos os impactos possíveis. Mas, para aliás, estamos falando da nossa própria sobrevivência. Não existe futebol sem a gente”, disse Marcos Vinicios Botelho, diretor do Terreno FC.
O documento destaca ainda que “segundo o IPCC, um aumento de simples 0,5ºC na temperatura global pode ocasionar o aumento da frequência de eventos climáticos extremos, uma vez que ondas de calor, tempestades, secas e chuvas intensas”.
Com o primórdio da Era pré-industrial, fomos emitindo gases de efeito estufa e o planeta foi se aquecendo. “Ao longo da dez de 2000, tínhamos vários estudos que apontavam que, mais adiante, teríamos extremos climáticos mais presentes. A partir de 2015, isso escancarou, pode-se proferir assim. Isso se confirmou. Começamos a ter muitos eventos extremos de chuva, vaga de calor… Vínhamos com projeções, mas passamos a sentir na pele”, disse Guilherme Borges.
IMPACTO NA SAÚDE DO ATLETA
No término de semana de 15 e 16 de fevereiro, os Campeonatos Carioca e Paulista tiveram casos de impacto direto das altas temperaturas para os jogadores. Em Fluminense x Novidade Iguaçu, às 16h30 de sábado, no Maracanã, Riquelme, do Tricolor, teve uma indisposição e chegou a vomitar à borda do gramado no retorno do pausa. No dia seguinte, em Santos x Chuva Santa, o zagueiro Zé Ivaldo, do Peixe, apresentou um quadro ligeiro de desidratação e também precisou ser substituído no pausa.
“É terrível jogar com esse calor. Infelizmente quase todos os estados estão passando por isso. A gente, em um jogo às 16h, precisou saber levar muito a primeira segmento, trabalhamos isso com os jogadores em termos de conscientização. Para ir [à frente] e fazer um ataque poderoso, sabendo que não faria isso toda hora. (…) Riquelme vomitou na borda do campo quando estava voltando, até fiquei na incerteza de levá-lo ou não”, disse Mano Menezes, posteriormente a partida.
O corpo conta com vários mecanismos fisiológicos para ajudá-lo a manter a temperatura de forma saudável, a não ultrapassar os 35°, 36°C, e controlar o organização. Uma delas é através do suor e, em altas temperaturas, ocorre uma maior transpiração. Se a umidade estiver subida, fica ainda mais difícil expelir o calor através do suor. Nesses casos ocorre a perda de íons, sódio, potássio, e o organização começa a apresentar alterações que demandam mais robustez, ou seja, chega-se à exaustão mais rapidamente, porque o corpo tem que perder fluidos para resfriar a temperatura interna. Isso ocorre para que o quidam não tenha danos cardiológicos e musculares.Flávia Magalhães, médica do esporte com mais de 20 anos de atuação no futebol
“A exposição excessiva ao sol também pode mudar a segmento cognitiva. Ele pode ter confusões, atrapalhar na atenção, na tomada de decisões. Aliás, os músculos ficam em maior risco, porque o organização prioriza outras áreas do corpo, uma vez que diminuir a circulação interna nos órgãos, o que acarreta em desidratação. Ocorre também uma redução na capacidade do corpo em manter a força e a flexibilidade”, completou.
“Os atletas devem estar se hidrantando em qualquer oportunidade que tenha, antes de esperar a sede comparecer, para evitar a insolação. Uma vez que a perda mais intensas de minerais, sódios, sais, os isotônicos também são importantes para a hidratação, se poderem ser individualizados de convenção com o que o desportista perde durante a partida, melhor ainda, feitos sob medida pelo nutricionista. O aumento do consumo de carboidratos também é indicado”, recomenda Luiz Eduardo Ritt, da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Nos Estados Unidos, os jogadores também sofreram, mas, neste caso, com o indiferente. O duelo entre Sporting Kansas City e Inter Miami, o time do Messi, na última quarta-feira, pela Liga dos Campeões da Concacaf, aconteceu em Kansas e os termômetros chegaram a – 14°C. O jogo era para ter sido realizado no dia anterior, mas foi prorrogado devido à prenúncio de nevasca – a temperatura atingiu -25°C. “É impossível jogar nessas condições, não é humano. Nunca passei por uma situação tão fria. Não conseguíamos sentir nossos membros”, criticou Mascherano, técnico do Inter Miami.
Priscila Menon, técnico em Fisioterapia Esportiva pela Sonafe Brasil (Sociedade Vernáculo de Fisioterapia Esportiva e da Atividade Física), lembrou a premência de possuir uma preparação prévia do corpo do desportista quando houver um jogo em condições não habituais.
Quanto maior a temperatura do envolvente, maior será a desidratação do corpo, gerando mais desgaste físico. Vale ressaltar que o corpo é adaptável a quaisquer condições, mas desde que treinado para isso. Se esse conjunto de temperatura e emissão solar não é o habitual, ou seja, não são condições em que os atletas estão adaptados a treinar e jogar, de traje haverá um desgaste muito maior, influenciando diretamente na performance.
“Quando existe uma previsão dessa situação se tornar o habitual, é necessário promover um período de adaptação, para que os jogadores sejam expostos gradualmente e o condicionamento seja trabalhado de forma que a performance se mantenha em superior nível. Isso ocorre, por exemplo, em casos de partidas em grandes altitudes”, ressaltou Priscila.