BRUXELAS, BÉLGICA (FOLHAPRESS) – A volta às aulas não afetou o ritmo da pandemia de Covid-19 nos 131 municípios paulistas que reabriram escolas de outubro a dezembro do ano passado, na comparação com os que não abriram, indica artigo recém-concluído pela Universidade de Zurique e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
O trabalho é o primeiro do gênero a estudar, por um período de até 12 semanas, o efeito da retomada das aulas em um país em desenvolvimento, onde a mobilidade das pessoas durante a pandemia não caiu de forma tão pronunciada como nos desenvolvidos.
Foi o caso do estado de São Paulo, em que, desde julho do ano passado, a mobilidade chegou a superar a registrada antes da pandemia em 44 dias e só caiu a menos que 20% da média em 12 dias, de acordo com dados acompanhados pelo Google.
Segundo Guilherme Lichand, professor da Universidade de Zurique que coordenou o estudo, “os números mostram que, nos países em desenvolvimento, é muito difícil para a população mais pobre ficar em casa”.
Nesse contexto, diz ele, o ganho marginal para a saúde de fechar escolas é mínimo e não supera o alto custo de deixar as crianças sem aulas. Esse é um dos argumentos que a secretaria paulista tem usado para defender a abertura das escolas.
Já o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), afirmou nesta quarta (30) que a definição sobre a volta às aulas e depende de uma avaliação da vigilância sanitária. “Vai retornar quando for o momento adequado”, disse ele.
Como a pandemia deve continuar ao longo deste ano, informações sobre custos de saúde e ganhos educacionais de manter as escolas abertas “são um passo necessário para informar os cidadãos e os formuladores de políticas sobre o que está envolvido nas decisões”, diz Lichand.
O trabalho mostrou ausência de impacto negativo na reabertura de escolas mesmo em municípios mais gravemente afetados pela pandemia, com maior proporção da população em risco, ou onde a qualidade da infraestrutura escolar está abaixo da média –o que poderia dificultar as medidas de prevenção.
Para medir esse efeito, os pesquisadores acompanharam dados de todas as cidades que administraram aulas presenciais de 7 de outubro a 17 de dezembro de 2020 (quando o ano letivo terminou) –quase 2 milhões de alunos voltaram à escola em 131 cidades, segundo a Secretaria de Estado da Educação.
O trabalho fez duas comparações: o que aconteceu com o crescimento de casos e o número de mortes antes e depois da retomada das aulas e como esse efeito se comparava com o de municípios semelhantes onde as escolas continuaram fechadas.
Os números mostram que não houve efeito estatisticamente significativo em qualquer semana após a reabertura, nem na gravidade da transmissão nem no número de mortes.
A volta às aulas não piorou a situação nem mesmo em municípios onde poderia haver mais riscos, como os que têm infraestrutura escolar de baixa qualidade, baixa renda per capita, alta parcela da população idosa ou mais gravemente afetada pela pandemia.
Segundo Lichand, os indicadores não pioraram “não apenas porque as comunidades escolares representam uma pequena fração da população geral, mas também porque a mobilidade já era substancial, fazendo com que benefícios marginais para a saúde de manter as escolas fechadas sejam insignificantes no total”.
O trabalho fez as duas comparações –cidades antes e depois da abertura, e cidades que abriram versus as que não abriram– para evitar interpretações incorretas, diz o professor.
Se fossem olhados apenas os 131 municípios antes e depois da abertura das escolas, seria possível acreditar que a movimentação dos alunos piorou a pandemia, já que a gravidade de transmissão e as mortes continuam aumentando.
Mas esse aumento não se diferencia do que ocorreu nas outras cidades que não reabriram. Ou seja, o efeito é da piora geral da pandemia, e não da volta às aulas.
Por outro lado, se fossem comparados apenas os municípios que reabriram com os que ficaram fechados de outubro a dezembro, a situação da pandemia nos que voltaram às aulas seria melhor. Mas isso ocorre porque as reabertura tende a ocorrer nos locais em que a gravidade da pandemia já era menor.
A comparação dupla, portanto, permite estimar de forma mais precisa o impacto da frequência às escolas (ou, neste caso, a falta de impacto).
Ele ressalva, porém, que isso não afasta a possibilidade de que a volta às aulas traga riscos para estudantes, suas famílias e funcionários da escola –principalmente se não houver cuidados para prevenir o contágio.
Estimar esse efeito exige dados individuais de casos, hospitalizações e mortes de alunos, funcionários e famílias, tanto para escolas que não abriram quanto para as que voltaram a funcionar –para analisar diferenças nas tendências anteriores na atividade da doença.
Segundo Lichand, a Secretaria da Educação paulista será capaz de fazer agora esse acompanhamento detalhado, porque está integrando os dados do SUS aos da rede pública de ensino.
“Será o mundo dos sonhos para formular política pública, porque permitirá olhar de forma integrada os dois impactos, tanto na saúde quanto no aprendizado”, afirma o professor.
O trabalho recém-divulgado usou um desenho chamado de “quase-experimento” –estudo empírico que permite estimar o impacto causal de uma intervenção na população-alvo, embora não tenha atribuição aleatória.
Neste ano, segundo Lichand, a secretaria estadual fará um experimento (com sorteio aleatório), que vai permitir calibrar de forma mais precisa as decisões de política pública.
“É importante poder medir, por exemplo, os custos para saúde e os benefícios para o aprendizado quando se aumenta a frequência às aulas presenciais em 5%, ou em 10%, ou em 15%”, diz ele.
No experimento, a rede pública vai enviar mensagens a 100 mil alunos sorteados, de escolas também escolhidas aleatoriamente, estimulando a frequência às aulas presenciais –evidências anteriores já mostraram que esses “cutucões” aumentam a presença na escola.
Com isso, será possível comparar as instituições de ensino com mais e menos alunos.
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