(FOLHAPRESS) – Um exame de sangue se mostrou capaz de diagnosticar a doença de Alzheimer em pessoas já com sintomas com mais precisão do que a interpretação de médicos a partir de testes cognitivos e tomografias computadorizadas, que é o método padrão. O teste já está disponível no Brasil.
A conclusão é de um estudo publicado neste domingo (28) no Jama (Journal of American Medical Association), com cerca de 1.200 pacientes, que demonstrou que, em 90% das vezes, o teste identificou corretamente se aquelas pessoas com problemas de memória tinham Alzheimer ou não.
De acordo com o trabalho, especialistas em demência que usaram o método padrão foram precisos 73% das vezes. Já os médicos da atenção primária acertaram 61% das vezes. A pesquisa foi conduzida na Suécia.
No Brasil, o teste, chamado de PrecivityAD2, custa R$ 3.600 no laboratório Fleury e não é coberto nem pelos planos de saúde e nem pelo SUS. Segundo o laboratório, a indicação é apenas para pacientes acima de 55 anos e que apresentam sinais ou sintomas de comprometimento cognitivo ou demência. Para realizá-lo, é preciso apresentar pedido médico detalhando o motivo da solicitação.
Os resultados do estudo sueco foram apresentados durante a conferência da Associação Internacional de Alzheimer, que acontece na Filadélfia (EUA). Para especialistas, o teste tem potencial de abrir caminho para uma forma mais barata e simples de diagnosticar o Alzheimer, doença que afeta 1,2 milhões de pessoas no Brasil.
Hoje, o médico analisa o histórico médico do paciente, discute sintomas, administra testes cognitivos verbais e visuais. O paciente também pode ser submetido a uma tomografia por emissão de pósitrons (PET scan), uma ressonância magnética ou uma punção lombar –testes que detectam a presença de duas proteínas no cérebro, placas de amiloide e emaranhados de tau, ambos associadas ao Alzheimer.
O exame de sangue mede exatamente essas proteínas no plasma e, por meio de escore, indica a presença ou ausência de placas amiloides cerebrais, que são alterações características da doença de Alzheimer.
“A taxa de acerto é perto de 90%. Isso aumenta muito a confirmação diagnóstica e se sai melhor do que a impressão do clínico”, diz o neurologista Fábio Porto, diretor científico da Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer), que está participando da conferência na Filadélfia.
Para o neurologista Paulo Caramelli, professor titular da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), os métodos baseados em sangue vieram para ficar. “Eles têm demonstrado cada vez mais a capacidade de fazer um diagnóstico preciso, principalmente em pessoas com sintomas, menos invasivo e com potencial de ser mais barato.”
Mas Caramelli considera fundamental que esses achados encontrados no estudo sejam investigados em outras populações antes de o teste ser ser indicado para a população brasileira, por exemplo.
“O estudo foi feito na Suécia, do ponto de vista étnico e de outras variáveis biológicas e não biológicas, como hábitos de vida e comorbidades, não sabemos o quanto podem influenciar a dosagem e os valores de corte desses testes”, afirma.
Tanto ele quanto Porto reforçam que somente pessoas com perda de memória e outros sintomas de declínio cognitivo, já com acompanhamento médico, devam ser submetidas ao teste. Ou seja, o exame não é para pessoas cognitivamente saudáveis que tenham a intenção de prever se desenvolverão Alzheimer ou não.
“Se você pegar esse teste e fazer em crianças ou pessoas sem comprometimento cognitivo, por exemplo, vai dar um monte de falso positivo. Não é para ser usado como rastreio. É para confirmar a hipótese da doença de Alzheimer em pessoas já com declínio cognitivo”, diz Porto.
O neurologista observa que se o teste detectar a doença em uma pessoa sem comprometimento cognitivo não há o que fazer porque não existe medicação preventiva a ser oferecida.
Estudos já demonstraram que a doença de Alzheimer pode começar a se desenvolver cerca de 20 anos antes de quaisquer sintomas, mas às vezes a demência não se manifesta, ou as pessoas morrem de outras causas antes disso.
Por isso, os autores do estudo dizem que há “risco de ansiedade e outras reações psicológicas” em relação ao resultado desses testes, quando realizados fora das recomendações.
De acordo com Fabio Porto, por enquanto, o teste ainda não elimina a utilização do método padrão para o diagnóstico de Alzheimer. “Mas isso deve mudar em pouco tempo. É possível que o exame de sangue vá conseguir se manter por si só.”
O uso de biomarcadores –substâncias no corpo que indicam a doença– para o diagnóstico de Alzheimer mesmo em pessoas sem sintomas tem sido defendido por um grupo de trabalho liderado pela associação americana de Alzheimer, mas é controverso.
A Sociedade Americana de Geriatria, por exemplo, chamou os critérios propostos de “prematuros” –e observou a alta proporção de membros do painel com vínculos com as indústrias farmacêutica e de biotecnologia, criando potenciais conflitos de interesse.
Os autores do estudo também afirmam que exames de sangue devem ser realizados somente após a administração de testes que avaliem a memória e as habilidades de pensamento e tomografias computadorizadas que busquem causas alternativas como derrames ou tumores cerebrais.
E os resultados dos exames de sangue devem ser confirmados por um dos métodos padrão-ouro: tomografias por emissão de pósitrons ou punções lombares para medir a proteína amiloide, que se acumula e forma placas nos cérebros de pacientes com Alzheimer.
“Defendemos fortemente que os pacientes ainda devam se submeter ao padrão de tratamento atual, tanto em cuidados especializados quanto em cuidados primários”, disse Oskar Hansson, professor de pesquisa clínica de memória na Universidade de Lund, na Suécia, e autor sênior do estudo, em entrevista ao New York Times.
O estudo sueco incluiu pacientes com problemas leves de memória. Cerca de 500 deles visitaram médicos da atenção primária; o restante procurou atendimento com médicos especializados.
Cerca de 300 pacientes em cada grupo fizeram o exame de sangue, e os resultados foram comparados com punções lombares ou tomografias por emissão de pósitrons. Os pesquisadores então compararam o exame de sangue com a avaliação dos médicos após eles terem aplicado testes cognitivos e feito tomografias computadorizadas nesses pacientes.
A precisão do exame de sangue foi maior em pacientes que já haviam progredido para demência e foi um pouco menor em pacientes em estágio de pré-demência, chamado comprometimento cognitivo leve.
Ele também não foi muito efetivo no estágio chamado declínio cognitivo subjetivo, quando os pacientes começam a perceber que sua memória está falhando. Para os autores, a precisão mais baixa provavelmente ocorreu porque muitas pessoas com declínio cognitivo subjetivo não têm Alzheimer.
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