Bibi ou não Bibi. A continuidade do primeiro-ministro Binyamin “Bibi” Netanyahu, há 12 anos consecutivos no poder e à frente do tradicional partido conservador Likud, é o que estará em jogo quando os israelenses forem às urnas novamente -pela quarta vez em apenas dois anos- na terça-feira (23).
A votação será um referendo pessoal do primeiro-ministro mais longevo no cargo desde a criação do Estado de Israel, em 1948, e que enfrenta na Justiça três acusações de corrupção.
Netanyahu é amado ou odiado, e ninguém se mantém indiferente a ele. Para Jonathan Rynhold, professor de ciências políticas da Universidade Bar Ilan, tradicionais questões ideológicas passam ao largo desse pleito, que se resume “ao caráter, às prioridades e à capacidade do primeiro-ministro”.
Segundo Rynhold, os israelenses ainda estão sob o trauma da Segunda Guerra do Líbano (2006), dos conflitos com o grupo islâmico Hamas e de eventuais ataques. “Tudo o que a população quer é calma. Ela aceita qualquer líder que consiga gerenciar o conflito, porque já não acredita em grandes soluções”.
Assim, pesquisas de intenção de voto e analistas apontam que o Likud, partido de Netanyahu, deve receber a maior quantidade de votos. A favor de Bibi -o mais hábil líder israelense nas últimas décadas- está a alta aprovação popular da condução da pandemia de Covid-19 em Israel.
Com mais de 50% da população totalmente vacinada e a imposição de medidas de restrição, os números de infectados, internados e mortos por Covid-19 despencaram no país, e a vida volta lentamente a algo parecido com normalidade. Netanyahu, que se envolveu diretamente na compra antecipada de vacinas, é considerado o responsável pelo êxito, mesmo que, para alguns, ele tenha feito vista grossa para aliados políticos, como os ultraortodoxos, que demoraram para atender às instruções sanitárias.
Ele também exibe como trunfo a assinatura dos chamados Acordos de Abraão de normalização diplomática com Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos, na prática uma aliança anti-Irã que contou com mediação do ex-presidente americano Donald Trump.
A pergunta é se esses sucessos serão o suficiente para a formação de um governo viável que o mantenha no poder –o que Netanyahu desesperadamente precisa para tentar obter imunidade e se livrar de possíveis condenações por corrupção. Poucos acreditam que o atual premiê conseguirá formar uma coalizão estável e duradoura. A sensação é a de que será um déjà vu das três votações anteriores, de abril e setembro de 2019 e de março de 2020, que levaram a governos frágeis e temporários.
Há quem já fale em um quinto pleito daqui a seis meses antes mesmo de as urnas abrirem. O motivo é a pulverização das intenções de votos em novos e numerosos partidos, o que tornará difícil a formação de um bloco de 61 das 120 cadeiras do Knesset, o Parlamento do país. A jornalista política Dafna Liel, do Canal 12, resumiu bem o clima: “Se continuarmos assim, vai ser difícil resolver esse sudoku”.
“A campanha geral é todo mundo desqualificar todo mundo e dizer que não vai se unir ao outro. Por termos um sistema de coalizões, fica mais complicado do que um jogo de xadrez”, diz o veterano jornalista e ex-assessor de Netanyahu, Aviv Bushinsky.
Desta vez, porém, há uma elemento que pode fazer a diferença no grande impasse que se tornou a política israelense. O campo dos que querem o premiê fora ganhou membros da própria direita, da qual Bibi é o maior representante desde 2009 -e nos três anos que também foi primeiro- ministro, na década de 1990.
Se, antes, o bloco anti-Bibi era formado principalmente por nomes voltados para a esquerda, agora há até direitistas que se cansaram do culto a Netanyahu por boa parte de seus apoiadores. Eles afirmam que o premiê só pensa em se livrar das acusações e que pode até mesmo causar danos à democracia para tal.
O principal deles é Guideon Saar, que foi membro do Knesset pelo Likud de 2003 a 2014. Ele voltou ao partido em 2019 e tentou derrubar Netanyahu. Não conseguiu e então formou uma nova legenda, o Nova Esperança, que se trata, basicamente, de um “Likud 2”, mas sem Bibi.
“A grande mudança que vemos nesta quarta eleição é o racha na ala da direita”, diz Gayil Talshir, especialista em ciências políticas da Universidade Hebraica de Jerusalém. “Uma parte substancial da direita diz ‘sim, somos direitistas, mas queremos substituir Netanyahu’.”
Saar também pode atrair eleitores de centro-esquerda cujo principal objetivo é tirar o premiê do poder. Mais de 40% dos eleitores potenciais do opositor são, por exemplo, a favor da solução de “dois Estados para dois povos”, mesmo que ele mesmo seja contra. Outro direitista que gostaria de tirar Netanyahu é Naftali Bennett, líder da coligação de ultradireita Yemina (à direita, em hebraico). Ex-aliado e mais um desafeto do premiê, ele poderia surpreender ao apoiar um governo sem o Likud.
Essa rodada eleitoral também será marcada pelo possível desaparecimento de nomes e de partidos de peso, principalmente da oposição. O principal é o atual primeiro-ministro alternativo e ministro da Defesa, Benny Gantz, do centrista Azul e Branco, que, há dois anos, parecia ser a esperança do bloco anti-Bibi. No entanto, após formar uma coalizão com o Likud, em 2020, devido à crise gerada pelo coronavírus, ele decepcionou a maioria de seu eleitorado e se tornou quase irrelevante.
Outros dois nomes da esquerda, os tradicionais Partido Trabalhista e Meretz, lutam para conseguir representação no Knesset. Nessa disputa, canibalizam um ao outro em vez de fazer o que muitos da esquerda prefeririam: unir forças contra Netanyahu. O Partido Trabalhista -lar de pais fundadores do país, como David Ben-Gurion, Golda Meir, Shimon Peres e Yitzhak Rabin- ainda aparece nas pesquisas, mas periga não superar a quantidade mínima de votos (3,25%) pela primeira vez em 73 anos.
Os analistas têm dividido os partidos em dois blocos: os pró-Bibi, com projeção de conquistar 51 cadeiras, e os anti-Bibi, com 56. Ambos precisariam dos assentos de duas siglas, Yemina e Lista Árabe Unida, que poderiam se unir a qualquer um dos lados, para chegar ao número-chave de 61 e formar governo.
A dias das eleições, as cartadas finais podem dar o tom do que realmente acontecerá nas urnas. Netanyahu, especialista em tirar coelhos da cartola na última hora, surpreendeu ao se aproximar de lideranças árabes depois de ter, por anos, assegurado que nunca faria alianças com essa minoria do país (21%). Ele tem visitado aldeias para pedir votos para o Likud ou para a Lista Árabe Unida, partido que rachou após apoiar a agenda conservadora do primeiro-ministro.
“Desta vez, Netanyahu tenta legitimar uma aliança com os árabes como sinal a outros partidos judaicos de que ele tem essa opção. É uma mudança muito dramática. Podemos ver árabes apoiando Netanyahu de fora da coalizão ou até dentro do governo, em ministérios”, diz Talshir, da Universidade Hebraica.
Ao mesmo tempo que afagam o eleitorado árabe, membros do Likud têm tentado, nos últimos dias, minar a legitimidade do Comitê Central Eleitoral, alegando que o órgão faz vista grossa a fraudes em postos de votação em cidades árabes. Alguns comparam essa estratégia a fake news sustentada por apoiadores de Trump de que houve irregularidades na eleição dos EUA.
Chama a atenção, ainda, a porcentagem de indecisos -cerca de 10%. Grande parte pode nem ir às urnas, já que o voto não é obrigatório. Israel tem índices altos de participação em eleições parlamentares. Nas últimas, em março de 2020, registrou 71,5%. Desta vez, porém, há uma fatiga política diante de um quebra-cabeças político quase insolúvel.
“Aparentemente, 43% dos israelenses decidirão o voto no dia ou às vésperas do pleito”, diz Bushinsky. “Esse é um dos motivos pelos quais não podemos prever como terminará essa quarta eleição maluca.”
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