IGOR GIELOW (FOLHAPRESS) – O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, afirmou nesta terça (15) que seu país precisa entender que “a porta da Otan não está aberta” para admissão, em referência à aliança militar de 30 membros comandada pelos Estados Unidos.
A frase vem em meio às negociações com a Rússia para encerrar os combates no país vizinho, iniciados no dia 24 de fevereiro. Renunciar à Otan é uma das condições centrais de Moscou para parar a guerra, e a sinalização de Zelenski é a mais clara já feita sobre o tema.
“A Ucrânia não é um membro da Otan. Entendemos isso. Durante anos, escutamos que as portas estavam abertas, mas também escutamos que não podíamos nos unir. Esta é a verdade e temos de reconhecê-la”, afirmou, jogando a culpa pela invasão russa na aliança, dado que dificilmente Vladimir Putin iria à guerra contra ela.
Após um impasse que já dura quase uma semana acerca das negociações, a Rússia aumentou sua pressão militar com ataques a Kiev e reforçou sua posição em torno de cidades cercadas antes de mais uma rodada de negociações.
Elas estão, nas palavras de um assessor do presidente Volodimir Zelenski, Oleski Arestovitch, “numa encruzilhada”.
“Ou nos acertamos nas conversas atuais ou os russos farão uma segunda tentativa [de tomada de Kiev e submissão do país], e aí teremos conversas novamente”, afirmou.
A reunião virtual entre os grupos que discutem os termos para o fim do conflito repetiu o roteiro da segunda (14): ambos os lados dizem que há dificuldades de chegar a um acordo, mas que vão seguir as conversas nesta quarta (16). Antes dos encontros desta semana, houve três rodadas presenciais na Belarus e um anticlimático encontro de chanceleres na Turquia.
Ainda com a iniciativa militar apesar dos problemas de sua invasão, os russos mantêm a fleugma. “O trabalho é difícil e, na situação, o fato de eles continuarem [a discutir] é provavelmente positivo. Nós não queremos fazer previsões, nós esperamos resultados”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.
Na madrugada e na manhã desta terça, a violência continuou. Kiev sofreu ataques em áreas residenciais e decidiu impor um toque de recolher a partir desta noite, por 35 horas, em antecipação ao eventual fracasso das conversas e início de uma nova ofensiva russa.
As forças de Putin cercam a cidade pelo nordeste e pelo noroeste, mas não a fecharam completamente -são necessários mais soldados e equipamento para tanto. Segundo o Observatório Sírio para Direitos Humanos, que acompanha a guerra civil na ditadura árabe apoiada por Moscou, 40 mil voluntários já se inscreveram para lutar na Ucrânia.
Os ataques ocorreram horas antes da chegada dos premiês de Polônia, República Tcheca e Eslovênia, uma demonstração inédita até aqui de apoio a Zelenski por países do Leste Europeu especialmente refratários aos russos.
A demora nas negociações é previsível. O Kremlin quer a desmilitarização do vizinho, sua renúncia à adesão à Otan e à União Europeia e o reconhecimento das áreas que perdeu para a Rússia (Crimeia) e para separatistas (Donbass) em 2014.
Zelenski já havia topado algo intermediário, algo agora reforçado por sua frase sobre a Otan durante uma reunião virtual com dez chefes de Estado do norte europeu, mas exige a retirada imediata de forças russas, o que tiraria a pressão exercida por Putin.
Ao mesmo tempo, disse que o russo tem “de ser parado” pelo Ocidente, antes que países da Otan sejam seus próximos alvo, e voltou a pedir a já negado tentativa de implementar uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia -o que oporia forças ocidentais às russas.
A guerra já havia tomado um curso mais perigoso desde domingo (13), quando a Rússia atacou uma base de treinamento e ligação entre forças ucranianas e da Otan. Na segunda, o presidente americano, Joe Biden, voltou a dizer que não quer um confronto com Moscou, pois ele seria “a Terceira Guerra Mundial” entre potências nucleares.
Há problemas adicionais para Zelenski. No sul do país, onde a ofensiva russa atingiu mais ganhos, há relatos de que Moscou quer promover um plebiscito na região de Kherson, buscando transformá-la em mais uma “república popular”, a exemplo das duas do Donbass, no leste do país.
Assim, o roteiro de reconhecimento por Putin estaria dado, incluindo mais um item no carrinho de perdas de Kiev. Para a Rússia, que aplica um cerco brutal ao porto de Mariupol, tudo o que separa a criação de uma ponte terrestre entre a região russa de Rostov à Crimeia anexada, o desenho parece lógico.
Resta, claro, combinar com os moradores, o que não será aferido numa votação feita sob mira de armas -em 2014, a anexação da Crimeia passou por tal plebiscito e foi pacífica, ainda que ilegal segundo as Nações Unidas, pois a região tinha maioria esmagadora de russos e pertenceu a Moscou até 1954.
Os protestos diários em Kherson, com habitantes demonstrando coragem ante os militares da Guarda Nacional, a tropa pretoriana do Kremlin, provam que será um trabalho complicado. É mais um nó para os russos, que enfrentam problemas táticos e a resistência não antevista dos militares ucranianos.
Já no Donbass, cujas forças buscam expandir sua fronteira até aquela historicamente associada à região, o dia por ora está mais calmo. Na segunda, um míssil balístico lançado pelo sistema OTR-21 Totchka atingiu o centro de Donetsk, capital da autoproclamada república do mesmo nome, matando 16 pessoas.
Peskov queixou-se do Ocidente, dizendo que ninguém criticou a Ucrânia pelo ataque. Kiev nega a autoria, dizendo que os russos atiraram contra seus aliados, uma acusação comum no Kremlin contra o que chama de “terroristas nacionalistas e neonazistas” infiltrados nas Forças Armadas do vizinho.
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