IGOR GIELOW (FOLHAPRESS) – O líder da China, Xi Jinping, pediu que o Talibã exerça o poder com moderação e forme um governo “inclusivo”, além de ter reiterado a condição para o apoio de Pequim ao grupo extremista que tomou o poder no Afeganistão: cortar laços com organizações terroristas.
A posição do dirigente chinês foi expressa em sua primeira conversa sobre a crise no país asiático com o presidente russo, Vladimir Putin, seu potencial sócio na empreitada de ocupar o vácuo deixado pela retirada norte-americana após 20 anos de guerra.
As informações foram divulgadas pela rede de TV estatal chinesa CCTV nesta quarta (25).
Xi pediu ainda que a Rússia, entre outros membros da comunidade internacional, coordene esforços com a China para ajudar na estabilidade afegã. A conversa ecoou em Berlim, onde a primeira-ministra Angela Merkel afirmou ao Parlamento que há uma “nova realidade” e que é necessário negociar com os talibãs.
China e Rússia são acusadas pelo presidente Joe Biden de terem trabalhado para minar os esforços americanos no país ocupado desde 2001, quando o mesmo Talibã foi expulso do poder por abrigar os terroristas que executaram os atentados do 11 de Setembro.
Assim, nada tem de casual o tom da conversa entre os líderes, que mantêm a maior proximidade entre seus países desde o fim da Guerra Fria, em 1991.
O caso chinês é mais sensível, dado que o país tem uma fronteira pequena com o Afeganistão e viu, ao longo dos anos, o apoio talibã aos terroristas islâmicos que operam na região de maioria muçulmana de Xinjiang.
Uma semana antes da fulminante ofensiva talibã, que aproveitou a retirada de tropas americanas anunciada em abril para tomar o país em 15 dias, o chanceler chinês, Wang Yi, recebeu uma delegação do grupo.
Ela era liderada pelo negociador-chefe Abdul Ghani Baradar, então exilado em Doha, hoje a mais alta autoridade talibã em Cabul. Naquela conversa, a bênção chinesa à volta dos extremistas ao poder foi dada exatamente sob a premissa do fim dos laços com os radicais de Xinjiang.
Para todos os efeitos, o Talibã aceitou os termos. Agora, Xi quer um compromisso mais firme, até porque os sinais práticos de que a moderação prometida são da boca para fora abundam no Afeganistão desde o dia 15, quando os seus soldados entraram em Cabul e o presidente Ashraf Ghani fugiu para os Emirados Árabes Unidos.
Mulheres evitam sair às ruas por medo de ataques ao estilo daqueles do tempo em que o grupo governou o país, de 1996 a 2001. Fotos de mulheres com o rosto descoberto e vitrines de salões de beleza foram destruídas por militantes.
Nem o Talibã nega o problema. Na terça (24), seu porta-voz Zabihullah Mujahid disse que as mulheres por ora deveriam ficar em casa porque seus militantes “ainda não foram treinados” para respeitá-las. “É uma situação militar, temporária”, afirmou.
Esse é uma questão. A outra, a busca do grupo por pessoas que trabalharam com ocidentais e para o governo, com relatos de prisões arbitrárias e execuções. A segurança de Cabul está nas mãos de um grupo considerado terrorista pela ONU, a rede Haqqani.
Segundo a agência Reuters, um relatório interno das Nações Unidas aponta que mesmo seu pessoal no Afeganistão foi atacado pelos talibãs, com denúncias de espancamento e roubo de material. O grupo não comentou.
A ocupação americana trazia problemas de segurança para Xi, mas também era geopoliticamente interessante, mantendo seu principal adversário na Guerra Fria 2.0 ocupado na Ásia, seu quintal.
Agora, a situação apresenta a oportunidade de ocupar o vácuo político, sem engajamento militar, visando integrar o Afeganistão de alguma forma à sua esfera de influência econômica. Há óbices a isso.
No vizinho Paquistão, país que ajudou a criar o Talibã nos anos 1990, Pequim fez investimentos maciços num corredor de infraestrutura e escoamento de exportações via oceano Índico, mas enfrenta ataques constantes contra seus cidadãos -na sexta passada (20), três chineses foram mortos no porto de Gwadar.
Por outro lado, essa relação permitirá uma estabilização da fronteira oeste chinesa, uma de suas maiores preocupações de segurança.
Já o desafio político reside no fato de que, passado o caos e a humilhação da retirada às pressas pelo aeroporto de Cabul, EUA e seus aliados poderão colocar sua energia na estratégia que visa conter a China no Indo-Pacífico.
Para Putin, a perspectiva é de uma sociedade minoritária no esforço chinês, visando principalmente manter a segurança de seus aliados na Ásia Central que o separam dos extremistas e também da China, particularmente o Tadjiquistão, que tem uma fronteira permeável a infiltrações vindas do Afeganistão.
O líder russo suspendeu nesta quarta os exercícios militares de um mês que faz no país para concentrar suas forças na retirada de 500 pessoas, com quatro aviões, de Cabul -além de russos, belarussos, centro-asiáticos e até ucranianos, cidadãos de um país hostil a Moscou.
Outro país com interesses na região, a Turquia, anunciou nesta quarta que suas tropas estão de saída. Assim, a ideia de que Ancara iria cuidar do aeroporto de Cabul após a retirada americana parece perdida, embora o Talibã afirme querer que os turcos deem assistência técnica na missão.
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