IGOR GIELOW (FOLHAPRESS) – O líder da China, Xi Jinping, chegou nesta segunda (20) a Moscou para reafirmar sua aliança com a Rússia de Vladimir Putin, o presidente que foi indiciado por crime de guerra na Ucrânia pelo TPI (Tribunal Penal Internacional) há três dias.
“China e Rússia são bons vizinhos e parceiros confiáveis”, afirmou o chinês em um comunicado divulgado pela agência estatal russa Tass. Ele afirmou que a visita permitirá “um novo ímpeto ao desenvolvimento” da aliança entre os países.
É sua primeira visita à Rússia, aliada de Pequim na Guerra Fria 2.0 contra os EUA e seus parceiros ocidentais, em quatro anos. Em 2022, eles se reuniram presencialmente duas vezes.
Na primeira, 20 dias antes da invasão da Ucrânia, em fevereiro do ano passado, selaram um acordo de “amizade sem limites” que se expandiu ao longo do ano na forma de um aumento de 48% das importações chinesas de produtos russos, a maior parte em petróleo e gás, ajudando a manter a economia do aliado viva sob as sanções ocidentais devido à guerra.
Depois, em setembro do ano passado, eles se encontraram em uma cúpula de países centro-asiáticos. Ali, os relatos iniciais eram de que Xi não estava satisfeito com a continuidade da guerra na Ucrânia, mas na prática o que se viu foi o anúncio de um incremento ainda maior na cooperação militar entre os países, que fazem regularmente patrulhas conjuntas no Pacífico.
O fato é que a China está dobrando sua aposta com Putin, que chamou Xi de “velho e bom amigo” em um artigo publicado nesta segunda no jornal Rossiskaia Gazeta -que, na véspera, havia feito o mesmo com um texto em que o chinês louvava o relacionamento estratégico com o russo.
Xi será o primeiro líder mundial a estar com Putin desde o indiciamento, ocorrido pela acusação de sequestro de crianças ucranianas. É ato largamente simbólico: nem Rússia, nem China, nem Ucrânia ou mesmo os EUA aceitam a jurisdição da corte.
A hipocrisia da posição ocidental foi explicitada pela manifestação do presidente Joe Biden, elogiando a medida como prova da culpa de Putin em um cartório não reconhecido pelo americano.
Seja como for, é um constrangimento que colocará à prova por exemplo a África do Sul, aliada de Moscou: como reconhece o TPI, teria de prender o russo se ele aparecer em uma cúpula do grupo Brics (com Brasil, Rússia, Índia e China) no segundo semestre. O governo local, de todo modo, já ignorou ordem da corte em uma ocasião.
A China, por sua vez, condenou o indiciamento, dizendo por meio de sua chancelaria nesta segunda que o TPI deve “evitar politização e pesos distintos”, além de “respeitar a imunidade de chefes de Estado”. Do lado russo, além de o Kremlin considerar a medida “nula e vazia”, veio do ex-presidente Dmitri Medvedev o comentário mais afinado com a retórica belicista vigente no país.
“Os juízes do TPI ficam excitados em vão. Todo mundo caminha sob Deus e foguetes. É bem possível imaginar o uso preciso de um [míssil] hipersônico Oniks de um navio russo no mar do Norte contra a corte em Haia [Holanda]”, escreveu no Telegram o político, número 2 do Conselho de Segurança russo.
“A corte é só uma organização internacional miserável, não a população de um país da Otan [como a Holanda, o que iniciaria uma guerra em caso de ataque]. Assim, juízes, olhem com cuidado para o céu”, escreveu. Medvedev confundiu os mísseis: o modelo hipersônico naval russo se chama Tsirkon; Oniks é uma versão de cruzeiro supersônica.
O tema central da visita de Xi, que terá um jantar informal com Putin nesta segunda e reuniões de trabalho na terça (21), é, claro, a Guerra da Ucrânia. Os chineses se equilibram desde a invasão, pedindo a paz e até sugerindo um salomônico acordo com 12 pontos que na prática não resolvem a questão, e se recusando a condenar a Rússia.
O Kremlin, ganhando tempo, disse ver com bons olhos a proposta de mediação chinesa, como de resto fez até com a sugestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de criar um grupo de nações não alinhadas no conflito para discutir a paz. Kiev e o Ocidente rejeitam isso, considerando que a China tem lado -de resto, como os EUA.
O porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, disse que a proposta chinesa seria discutida “de uma forma ou de outra”. Mas ressaltou que não há condições para “a redução das hostilidades”, o que naturalmente ele disse ser culpa dos EUA, fiador militar de Kiev.
Politicamente, a visita de Xi é uma vitória para Putin, amplificada pela casualidade do indiciamento penal. O Ocidente passou 2022 pressionando Pequim a deixar o russo isolado, e admoestando Xi a não querer repetir na ilha autônoma de Taiwan o modus operandi do Kremlin na Ucrânia.
O encontro ocorre em meio a grande crispação internacional: os EUA acabam de fechar acordo para fornecer submarinos nucleares para a Austrália em um pacto anti-China com o Reino Unido e os russos derrubaram um drone americano no mar Negro, restando saber se foi de propósito.
Não há a expectativa, contudo, de algo bombástico, como o fornecimento público de armas chinesas para os russos, como especulam os americanos.
Além disso, a posição de Putin evidencia a posição de sócio minoritário na aliança com a China, não menos por ter uma economia dez vezes menor do que a segunda maior do mundo. Não são poucos os analistas que veem no apoio contínuo de Xi a vontade de manter próxima uma província energética montada num arsenal atômico comparável ao da rival Washington.
Mas os contornos da Guerra Fria 2.0, disparada por Donald Trump contra um assertivo Xi em 2017, ficam nítidos. Como já mostrava uma pesquisa de percepção popular em todos os países envolvidos, a Guerra da Ucrânia vem dividindo o mundo no conglomerado ocidental liderado pelos EUA, no bloco China-Rússia e seus apêndices e numa terceira força, não homogênea, que inclui não alinhados como Índia e Brasil.
É um processo em curso ainda, e não há as condições de bipolaridade da primeira Guerra Fria por particularidades econômicas, como a interdependência entres os principais rivais que dificulta um rompimento radical, e políticas: não é uma disputa política entre comunismo e capitalismo, como no século 20.
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