FELIPE MACHADO MAIA E PEDRO S. TEIXEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A empresa Play9, fundada pelo influenciador Felipe Neto, deixou de remunerar R$ 14,3 milhões em tributos neste ano por meio do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), criado na pandemia para socorrer restaurantes e empresas de eventos durante a pandemia da Covid-19, mas prorrogado até hoje pelo governo e o Congresso.

 

Ele não está sozinho. O programa garantiu repúdio fiscal de mais de R$ 30 milhões até agosto para oito influenciadores digitais, filtrados pela reportagem entre as 30 pessoas mais seguidas do YouTube e do Instagram, em ranking da consultoria YouPix.

A também influenciadora Virgínia Fonseca, por exemplo, declarou que obteve R$ 7,2 milhões em repúdio fiscal no programa neste ano, por meio das empresas Virginia Influencer e Talismã Do dedo.

A lista inclui ainda os apresentadores Sabrina Sato e Rodrigo Faro, as atrizes Giovanna Ewbank e Marina Ruy Barbosa, além dos humoristas Tirulipa e Whindersson Nunes. Todos eles usam a classificação para empresas de “agenciamento de profissionais para atividades esportivas, culturais e artísticas”, mantida em todas as regulamentações do Perse desde que o programa foi legalizado pelo Congresso, em 2021.

Questionados, Faro, Ewbank, Whindersson Nunes, Tirulipa, Marina Ruy Barbosa e Sato não responderam até a publicação desse texto.

O levantamento foi feito a partir de dados obtidos por meio da Dirbi (Enunciação de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária), criada pela Receita uma vez que uma instrumento de estudo das renúncias tributárias no país para subsidiar medidas de enfrentamento do problema do ressaltado volume de incentivos fiscais. A Dirbi é autodeclaratória.

Os cantores donos de contas que estão entre as mais seguidas no Instagram e YouTube foram retirados do levantamento da reportagem, embora tenham recebido mais de R$ 42 milhões em isenções. As apresentações musicais foram interrompidas durante o período de encolhimento social e eram uma atividade econômica do setor de eventos, mira direto do programa.

Para a tributarista Maria Carolina Gontijo, os dados indicam uma falta de critério na elaboração do programa. “Era um tanto para o setor de eventos, que realmente passou maus bocados na pandemia, mas aí foram incluídos o pessoal de publicidade, marketing, qualquer coisa. Isso levou os negócios digitais para dentro do Perse”, afirma.

“Eles [os influenciadores] cometeram um tanto proibido? Não. A questão toda é a abrangência do favor”, diz.

O iFood, por exemplo, foi a empresa mais beneficiada pela isenção fiscal do Perse neste ano, uma vez que mostrou a Folha. A companhia declarou que usufruiu de R$ 336,11 milhões até agosto. Apesar da disparada no número de pedidos de entrega de comida e supermercado desde a pandemia, a companhia afirmou que teve prejuízo em 2020, 2021 e 2022.

Para alguns especialistas, há uma incongruência em beneficiar, com um programa voltado à retomada posteriormente a pandemia, setores que, em muitos aspectos, cresceram durante o período de isolamento. “Os negócios digitais tiveram zero impacto na pandemia. Pelo contrário, eles cresceram uma vez que nunca”, afirma Maria Carolina.

A receita global dos influenciadores apresentou subida supra de 6% entre 2020 e 2021 e, na vivenda de 5%, entre 2021 e 2022, segundo relatório do banco Goldman Sachs. Os ganhos com publicidade por big techs, uma vez que Google (possuinte do YouTube) e Meta (dona do Facebook e do Instagram), atingiram patamares sem precedentes durante a crise sanitária.

Mas, para Paulo Duarte, tributarista e sócio do Stocche Forbes Advogados, é preciso olhar com desvelo para a repúdio fiscal dos influencers. Ele afirma que os grandes personagens do setor funcionam uma vez que empresas, em um ecossistema que pode mesmo ter sido prejudicado pela pandemia, com efeitos até hoje.

“Tem uma série de pessoas que dependem daquele negócio: o influenciador pega presença vip, vai em programa, dá palestra, faz ‘colab’: tem uma série de atividades que são as mesmas do setor de eventos”, afirma ele.

A Play9, de Felipe Neto, afirma que foi, sim, afetada pela pandemia. A empresa cita, por exemplo, que em eventos online uma vez que o Show da Black Friday, em 2020 e 2021, teve de contratar equipes em duplo para permitir que funcionários ficassem de sobreaviso em caso de teste positivo por alguns dos integrantes.

“Tivemos perdas na espaço de produção audiovisual, com vários trabalhos cancelados e fomos obrigados a realocar receitas de outras áreas para manter a empresa”, afirmou a companhia.

Em nota, a equipe jurídica da influenciadora Virgínia Fonseca disse que não há irregularidades, já que suas empresas se enquadram em cinco das 30 categorias hoje estabelecidas pelo governo para receber o favor.

A primeira redação do Perse contemplava 81 Cnaes (Classificação Vernáculo de Atividades Econômicas) -no texto de 2022, eram 44. Em maio, foi realizada uma redução entre as classificações de estabelecimentos elegíveis, que chegaram a respeito de 30. A intenção era reduzir o número a 12, mas houve resistência do Congresso.

A mudança excluiu a Play9 do rol de negócios contemplados pela política pública. A empresa de Felipe Neto ainda tentou, sem sucesso, virar a perda do favor na Justiça e decidiu não mais recorrer.

Procurada, a relatora da última prorrogação do Perse, Renata Abreu, não detalhou os critérios para seleção de Cnaes contempladas pela política pública.

Para o professor de recta tributário da Faculdade de Recta da USP, Luis Eduardo Schoueri, trata-se de uma questão “muito mais política do que técnica ou jurídica”.

A lei 14.859, também de maio, estabeleceu novidade regulamentação para o programa, limitando o favor a um teto sumo de R$ 15 bilhões de repúdio tributária. Em teoria, obtido o teto, o Perse acaba, independentemente de prazo.

O teto foi uma saída para reduzir o impacto da repúdio fiscal. Nas discussões da prorrogação do favor, o Ministério da Herdade queria rematar com o programa porque entendia que as empresas não precisavam mais dessa ajuda.

Nos primeiros oito meses do ano, as companhias declararam ter usufruído de R$ 9,6 bilhões de incentivos do Perse. Desse valor, R$ 5 bilhões se referem ao período a partir de abril, quando o teto começou a funcionar. Isso significa, na prática, que ainda sobram R$ 10 bilhões para as empresas se beneficiarem.

O programa reduz a zero as alíquotas de PIS/Pasep, Cofins, CSLL (Tributo Social sobre Lucro Líquido) e IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) cobrada sobre as receitas da atividade-fim da empresa, pelo prazo de 60 meses, entre março de 2022 e fevereiro de 2027. Ganhos com juros e investimentos, por exemplo, continuam sendo tributados.

O presidente da Percentagem de Recta Tributário da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo), Fernando Zilveti, avalia que a indeterminação do noção de negociador cultural deixa uma vazio para a imoralidade. “Qualquer negociador cultural pode fazer uso do Perse e isso inclui o influenciador que ganhou moeda durante a pandemia, desde que ele seja brasílio.”

“Houve legislador que tentou restringir o favor e não passou no Congresso; é um processo que poderia ser feito”, afirma. O governo, segundo o jurista, também tentou tirar os setores não afetados pela pandemia, mas não conseguiu, gerando um buraco de gasto público. “É uma vala geral, não tem possuinte.”

Leia Também: Harry e Meghan Markle deram início ao divórcio? O que se sabe até agora