SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Congestionamentos de carros funerários voltaram a ser registrados no interior do cemitério de Vila Formosa, na zona leste da capital paulista.
O retorno da elevação dos sepultamentos é um reflexo direto da pior fase da pandemia na maior cidade do país, que terá de se fechar para conter as contaminações, internações e óbitos causados pelo coronavírus.
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Na necrópole, considerada a maior da América Latina, a reportagem voltou a presenciar na manhã desta quinta-feira (4) outras cenas que marcaram a primeira onda da pandemia nos primeiros meses de 2020.
Dezenas de covas abertas à espera dos corpos e, no mesmo terreno, pedaços de roupas e punhados de cabelo de um corpo que havia sido exumado estavam à mostra. Sinais de que não tem havido tempo necessário para organizar os trabalhos.
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Os enterros têm tomado a energia dos sepultadores que se dividem para enterrar e abrir novas covas. Adenilson Souza Costa, 41, reclama que o macacão de proteção que utiliza “sempre rasga e o deixa desprotegido durante os enterros que realiza”.
Outro sinal de que nem a visibilidade da função adquirida na pandemia não melhorou as condições de trabalho do grupo, que também tem sido contaminado pelo coronavírus. “Eu mesmo peguei a Covid”, afirma o sepultador com 26 anos de trabalho no Vila Formosa.
Das 8h às 11h45 desta quinta, a reportagem contou a realização de 34 enterros, mais da metade deles de pessoas que morreram por Covid-19, segundo os sepultadores.
Antes da pandemia, o número de enterros numa manhã em Vila Formosa nunca passava de 20, relatam os trabalhadores. Wagner Amaro dos Santos, 36, administrador do Vila Formosa 1, confirma a estatística dos sepultadores.
“Nesta quinta, a gente tinha 23 corpos de vítimas da Covid-19 aguardando por um enterro”, diz. “São corpos que chegam à noite, ficam numa sala específica do nosso velório e são enterrados na manhã do dia seguinte.”
Os enterros acompanhados pela reportagem foram realizados na quadra 99 da unidade 1 do cemitério. Com capacidade para abrigar até 1.200 corpos, o terreno atingirá sua lotação nos próximos quatro dias.
A quadra 101, localizada no terreno acima da 99, já está sendo preparada para abrigar os novos corpos.
Santos também diz que há duas semanas, o Vila Formosa 1 enterrava nove pessoas mortas por Covid-19, em média, por dia. “Nesta semana estamos com 18 a 25 sepultamentos ocorrendo por dia.”
Para Santos, a subida de óbitos na cidade de São Paulo preocupa porque o Vila Formosa “assumirá a maioria dos enterros”. Por isso, o administrador tem feito uma logística para abrir novas covas. “As exumações são fundamentais para darmos conta da demanda”, diz.
Até a manhã desta quinta, o Vila Formosa 1 contava com 210 covas abertas e prontas para enterros, segundo o administrador.
De acordo com o Serviço Funerário da gestão Bruno Covas (PSDB), o Complexo Cemiterial Vila Formosa, formado por duas unidades que ocupam uma área de 34 hectares, foi o que mais realizou sepultamentos na cidade de São Paulo nos meses de janeiro e fevereiro deste ano.
Os cemitérios de São Luiz, Vila Nova Cachoeirinha, Dom Bosco e São Pedro compõem a lista das unidades mais demandadas no período. Juntos, os cinco espaços de enterros registraram uma média de 91 sepultamentos diários nos dois primeiros meses do ano.
No mesmo período do ano passado, a média era de 69 sepultamentos diários nas cinco unidades. A elevação da demanda, agora, se justifica pela pandemia.
A advogada Janaína Cristina Viana Braga, 42, também carrega os seus próprios números que, segundo ela, têm uma carga elevada de dor e saudade.
Na mesma quadra 99, onde nesta quinta-feira enterrou o corpo do pai Luíz Carlos Braga, 73, ela já havia estado semanas antes para sepultar o irmão, Thiago, de 33 anos. Ambos morreram de Covid-19.
“Nem conseguimos viver o luto do meu irmão e, agora, perdemos o meu pai que foi um herói que batalhou como um guerreiro por dez dias no hospital”, disse.
Para a advogada, que também contraiu a Covid e se recuperou, o país está caminhando para um colapso porque falta consciência em grande parte da população.
“Hoje, a minha família pôde enterrar meu pai numa sepultura única. Mas, daqui há algumas semanas, infelizmente, viveremos dias de terror com muita gente sendo enterrada em valas comuns. Essa será a cena daqui para frente.”
O serviço funerário paulistano disse que contratou mais sepultadores –120 trabalhadores em 2020, e mais 30 em fevereiro deste ano para os 22 cemitérios municipais. O órgão não se manifestou sobre a queixa de Adenilson.
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