(FOLHAPRESS) – O infectologista David Uip, 70, secretário de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do governo paulista, afirma que há uma disputa acirrada no mundo todo pela vacina contra a varíola dos macacos e que ela não deve chegar ao Brasil a curto prazo.
Neste sábado (23), a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou a doença uma emergência pública de preocupação global, e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que o governo federal já negocia a compra do imunizante por meio da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde).
Outra alternativa, segundo Uip, é que o imunizante seja fabricado no Brasil pelos laboratórios de Farmanguinhos (Fiocruz) e pelo Instituto Butantan, que criou um comitê técnico para estudar a produção de vacina. No dia 9 de junho, pesquisadores da USP divulgaram o sequenciamento genético do vírus monkeypox (MPXV), que causa a varíola dos macacos.
“Mas daí até transformar isso em IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo), em capacidade de produção e armazenamento demora. A notícia que eu tinha é que a possibilidade de termos uma nova vacina no Brasil é de nove meses”, afirma.
A curto prazo, Uip diz que é necessário capacitar a rede de saúde para o diagnóstico e tratamento dos casos, que envolve isolamento de três semanas. Ele defende uma atenção especial às gestantes porque já existem estudos associando o vírus (monkeypox) a um maior risco de aborto.
Segundo ele, também são importantes ações contra o estigma e o preconceito que podem cercar a doença, já que a maior prevalência tem sido maior entre homens que fazem sexo com homens.
“Isso foi um desastre no passado [com a epidemia de Aids]. Já tem muitos casos que não têm nada a ver [com transmissão sexual]. Já existem casos em que o contato envolvido foram roupas de cama, toalhas. Não se pode pensar com simplicidade essa história. A velocidade da transmissão e as formas de contágio assustam bastante”, afirma.
No cargo como secretário desde maio, Uip é responsável por integrar as ações de vigilância epidemiológica, assistência, pesquisa, ensino e produção de novas vacinas e de medicamentos para combate a doenças infecciosas.
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Pergunta – O que muda com a OMS declarando a varíola dos macacos como emergência pública de preocupação global?
David Uip – Isso unifica as dificuldades e, assim, aparecem as soluções, inclusive a readequação e a distribuição de vacinas, recursos e a compatibilidade de programas públicos entre os países.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, declarou que o país já negocia com a Opas a compra de vacina. É o caminho?
DU – A vacina dinamarquesa [Imvanex] está sendo disputada em todo o mundo. Os Estados Unidos aumentaram a encomenda, a União Europeia também. Aí vamos ter que entrar na fila. Não vejo outra alternativa e não vejo nada a curto prazo.
O ministério está negociando com as mesmas dificuldades.Mesmo via Opas?
DU – Pode ser que com a declaração de emergência global isso mude. Pelos caminhos habituais, a expectativa era longa. A outra alternativa, se possível, é que Farmanguinhos e Butantan produzam a vacina.
O vírus já foi isolado, mas daí até transformar isso em IFA, em capacidade de produção e armazenamento demora. A notícia que eu tinha é que a possibilidade de termos uma nova vacina no Brasil é de nove meses.
O Butantan criou um comitê para monitorar os casos da doença no estado e avaliar a produção de uma vacina contra a doença.E a curto prazo, o que precisa ser feito?
DU – Primeiro, preparar o sistema para se capacitar para diagnosticar e atender esse casos tanto do ponto de vista das Unidades Básicas de Saúde (UBS) até os hospitais de referência. O Emílio Ribas [na capital paulista] já passou de 200 casos há mais de uma semana.
Alguns casos vão ser tratados em casa, outros vão precisar ser internados pela exuberância de sintomas. Me preocupa muito as populações vulneráveis, como os imunodeprimidos e as mulheres grávidas. Toda vez que você diagnostica, exige isolamento longo, cerca de três semanas.
O sr. mencionou mulheres grávidas. Há alguma recomendação especial para esse grupo?
DU – Há casos na literatura mostrando que se a mulher grávida adquire esse vírus tem mais chances de aborto. Ainda não dá para saber se o aborto foi porque tiveram o vírus, mas é um alerta. A outra situação é no periparto. Se a mulher for infectada neste período, a indicação é de cesárea.
Já existem protocolos no Brasil sobre as condutas clínicas a serem adotadas para diferentes públicos?
DU – Nós, no âmbito da saúde, estamos tentando protocolar tudo, até protocolo de comunicação. Você tem que avisar, tem que mostrar, mas não pode criar pânico.
Como combater a questão do estigma já que a doença tem sido mais frequentemente diagnosticada entre os HSH (homens que fazem sexo com homens)?
DU – Não podemos cometer os erros do passado [durante a epidemia de Aids], achando que é uma doença de uma população isolada. Isso foi um desastre, e essa conta do estigma e do preconceito nós pagamos até hoje.
A transmissão [entre homens que fazem sexo com homens] pode ser o início, mas não só. Já tem muitos casos que não têm nada a ver [com transmissão sexual]. Já existem casos em que o contato envolvido foram roupas de cama, toalhas. Não se pode pensar com simplicidade essa história. A velocidade da transmissão e as formas de contágio assustam bastante.
O que já sabe sobre as formas de contágio além da sexual?
DU – O vírus pode ser transmitido ao se tocar as feridas causadas pela infecção ou por contato próximo e prolongado com secreções respiratórias de pessoas infectadas. Por isso, o uso de máscara é muito importante.
Os sintomas iniciais, como febre, aumento de gânglios e vermelhidão no corpo, se assemelham aos de outras doenças. Depois é que vêm as vesículas (bolhas). Você só não é mais contagioso no momento em que todas as lesões ficarem crostosas.
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